Carlos Madeiro

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Chefe de facção na Bahia foge horas após desembargador mandá-lo para casa

Líder e um dos fundadores da facção BDM (Bonde do Maluco), Ednaldo Freire Ferreira, 43, conhecido como Dadá, está novamente foragido. Ele desapareceu horas após deixar a prisão por decisão do desembargador Luiz Fernando Lima, do TJ-BA (Tribunal de Justiça da Bahia), que concedeu o direito a prisão domiciliar para Dadá cuidar do filho autista.

A decisão ocorreu durante plantão judiciário no dia 1º de outubro. O líder do BDM é suspeito por crimes de homicídio, tráfico de drogas e de armas de fogo, além de participação em organização criminosa e lavagem de dinheiro.

CNJ (Conselho Nacional de Justiça) afastou o desembargador. O Conselho está investigando Luiz Fernando Lima pelo ato. Em sessão ontem, decidiu por unanimidade abrir um PAD (processo administrativo disciplinar), e o magistrado ficará afastado das funções até o fim das investigações.

Entenda o caso

Dadá estava detido no presídio Itaquitinga, em Pernambuco, há pouco mais de um mês. Ele foi preso em Sertânia (PE), na madrugada de 5 de setembro, pela PRF (Polícia Rodoviária Federal), usando uma carteira de habilitação falsa.

Era, à época, um dos principais foragidos da polícia na Bahia. A prisão havia sido decretada na Vara dos Efeitos Relativos a Delitos Praticados por Organização Criminosa de Salvador.

A defesa argumentou que Dadá tem um filho com autismo e que ele era responsável por cuidar do menino. O pedido de habeas corpus no TJ-BA foi feito no dia 30 de setembro.

Verifico, com base nas informações trazidas pelo impetrante, que o paciente, de fato, é genitor do menor, portador de TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO NÍVEL 3, necessitando dos cuidados do genitor para seu desenvolvimento mais saudável.
Desembargador Luiz Fernando Lima, em sua decisão

O magistrado substituiu a prisão preventiva por prisão domiciliar, com as seguintes regras:

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  • Recolhimento à residência até as 20h nos dias de segunda a sexta-feira, com recolhimento domiciliar integral nos dias de sábado, domingo e feriado;
  • Não portar arma de qualquer natureza;
  • Não fazer uso de bebida alcoólica ou de substância entorpecente ilícita;
  • Não frequentar bar, boate, casa de prostituição, festa de largo ou carnavalesca.

Justiça revogou, mas ele já tinha sido solto

O Gaeco citou estranheza na análise desse tipo ocorrer de forma urgente, em um plantão judiciário. O Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e Investigações Criminais, do MP-BA, recorreu da decisão.

Não enseja atuação em sede de Plantão Judiciário de segundo grau, haja vista que não se verifica a crucial urgência da medida pleiteada, a merecer atendimento imediato e extraordinário.
Gaeco, do Ministério Público da Bahia

O desembargador Julio Travessa, da 2ª Câmara Criminal do TJ-BA, foi quem analisou e acolheu o pedido o MP-BA. Ele citou que a prisão de Dadá não poderia ter sido analisada em um plantão, pois tinha ocorrido havia mais de 72 horas.

[Esse período de 72 horas] afasta por completo a competência funcional do Plantão Judiciário, inclusive por um imperativo de razoabilidade.
Desembargador Julio Travessa

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No último dia 3, o desembargador revogou a decisão do colega e informou o presídio em PE, mas Dadá tinha acabado de ser solto, como mostra movimentação do processo de execução penal.

Movimentação no processo indica soltura de Dadá no dia 3 de outubro, pouco antes da revogação da decisão
Movimentação no processo indica soltura de Dadá no dia 3 de outubro, pouco antes da revogação da decisão Imagem: Reprodução

Caso no CNJ

O caso foi revelado pelo jornal "A Tarde", que afirmou que a decisão causou revolta entre as forças policiais. A medida foi contestada e levou o CNJ a abrir investigação sobre o ato do desembargador.

O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, determinou na segunda-feira (16) a abertura de reclamação disciplinar para apurar a conduta do magistrado Luiz Fernando Lima. Ele terá 15 dias, a contar da data da intimação, para apresentar defesa prévia.

Analisando-se a reportagem, depreende-se que, aparentemente, o magistrado requerido não observou a cautela exigida ao conceder o cumprimento de prisão domiciliar a réu de altíssima periculosidade, uma das principais lideranças de facção criminosa, Ednaldo Freire Ferreira, vulgo 'Dadá', que veio a se evadir.
Luis Felipe Salomão, do CNJ

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A coluna entrou em contato com a assessoria de imprensa do TJ-BA e de Luiz Fernando Lima para comentar sobre a abertura do processo, mas o órgão não quis se manifestar.

Quem é o Ednaldo Freire Ferreira

Devido à sua periculosidade, Dadá foi encaminhado, a pedido de autoridades baianas, para o presídio de Itaquitinga e colocado em um regime disciplinar diferenciado, para evitar que desse ordens a faccionados.

Natural de Irecê, ele fundou o BDM junto com 'Zé de Lessa', que foi morto a tiros em 2019, no estado de Mato Grosso do Sul. A facção surgiu em meados de 2015 dentro do Complexo da Mata Escura, em Salvador.

O BDM é rival direto do CV (Comando Vermelho) no estado.

Dadá foi preso pela PRF em Sertânia (PE) com documento falso
Dadá foi preso pela PRF em Sertânia (PE) com documento falso Imagem: PRF

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