Carlos Madeiro

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Reportagem

Por que Fortaleza está demolindo hotel em forma de barco e símbolo da orla

A Prefeitura de Fortaleza iniciou na última terça-feira (5) o processo de demolição do histórico edifício à beira-mar que abrigou o Iracema Plaza Hotel, o primeiro prédio erguido na orla da capital cearense.

Antes de ser destruído, o "Copacabana Palace cearense", como era conhecido, está sendo desmontado, em um processo que vai durar três meses e custar R$ 1,7 milhão.

Inaugurado em 1951, o edifício São Pedro foi feito em formato de um barco, com sete andares e 200 apartamentos. Do auge ao declínio, o hotel foi desativado no final da década de 1970, e o prédio permaneceu apenas com atividades residenciais, que foram abandonadas na década seguinte.

Ele tornou-se um símbolo de modernidade e qualidade para a cidade de Fortaleza até os anos 1980.
Mario Fundaro, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e Design da UFC (Universidade Federal do Ceará)

Em 2015, o prédio chegou a ser tombado pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Fortaleza —decisão que acabou sendo revista três anos depois, sem nunca ter sido efetivada.

A demolição do prédio abriu um debate entre os moradores e grupos que defendem o patrimônio arquitetônico da cidade.

Acho um erro, por ser uma perda de memórias, história, diversidades e oportunidades de projeto ou política pública. O valor histórico está na sua complexidade ao longo do tempo, se montando de acordo com as necessidades estruturais do prédio. Cada espaço conta momentos histórico.
Mario Fundaro

Em nota, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará diz ter recebido com "surpresa" e "perplexidade" a notícia da demolição e questionou por que a prefeitura não optou por outro tipo de intervenção.

Questiona-se as razões que explicam tamanho descaso com uma construção emblemática da paisagem urbana da capital cearense. Se havia interesse em preservá-lo, por que o prédio foi abandonado por quem tinha responsabilidade em mantê-lo como patrimônio histórico e arquitetônico para as presentes e as futuras gerações?
Conselho de Arquitetura e Urbanismo

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Iracema Plaza Hotel nos anos 1970
Iracema Plaza Hotel nos anos 1970 Imagem: Biblioteca IBGE

Abandono

A prefeitura alega que, ao longo dos anos, a manutenção do prédio foi negligenciada, o que tornou a demolição inevitável.

O município alega que laudos técnicos apontam a impossibilidade de qualquer recuperação do prédio.

Na última vistoria, no final de 2023, a Defesa Civil constatou que as ferragens estão se esfarelando e há rachaduras de grande proporção e infiltração intensa em toda a área construída. Além disso, já há até enraizamento de árvores.

Uma das questões que levaram o Poder Público a demolir o prédio é que há queda de placas de concreto, que colocam em risco quem passa por perto.

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É uma edificação antiga, que não tem recuo para as calçadas, fica muito próxima dos pedestres. Foi identificada inclusive a necessidade de interdição das calçadas.
Samuel Dias, secretário municipal da Infraestrutura de Fortaleza

Segundo o secretário, o custo da demolição será cobrado dos proprietários, com quem a Procuradoria tenta um acordo para ressarcimento.

A coluna procurou o empresário responsável pelo prédio, Philomeno Júnior, mas ele não respondeu as mensagens.

Sobre o prazo de 90 dias para concluir a demolição, o secretário diz ser o período necessário, tendo em vista a situação do prédio.

O tempo é o razoável para que se proceda a uma demolição mecânica e parcialmente manual com segurança, tendo em vista a fragilidade da estrutura do prédio.
Samuel Dias

Estado de abandono do prédio que abrigava  o Iracema Plaza
Estado de abandono do prédio que abrigava o Iracema Plaza Imagem: Anuário do Ceará
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Demolição por desmonte

Segundo a prefeitura, o processo de demolição será feito por desmonte. Na terça-feira, a Secretaria Municipal da Infraestrutura iniciou o escoramento até o quarto andar para dar acesso ao prédio com segurança.

A partir daí, guindastes e gruas chegarão até o topo do prédio, com o desmonte começando de cima para baixo.

O prédio tem estrutura de concreto armado, um dos pioneiros no uso dessa tecnologia na cidade.

Na sexta-feira, foram retiradas 16 pessoas que viviam no local. Metade delas, com documentação em dia, conseguiu dar entrada no pedido de aluguel social. Os demais terão os documentos solicitados a partir de agora.

O entulho produzido pelo desmonte será levado para usinas de reciclagem. Cerca de 90% de tudo que for retirado deve ser reaproveitado.

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Escoramento marca início do processo de demolição do antigo Iracema Plaza em Fortaleza
Escoramento marca início do processo de demolição do antigo Iracema Plaza em Fortaleza Imagem: Marcos Moura/Prefeitura de Fortaleza

História do prédio

A história do hotel remonta aos anos 1950, quando um grande evento ia acontecer em Fortaleza. Sem local para abrigar visitantes, o governo local solicitou à imobiliária Pedro Philomeno Gomes, proprietária do imóvel, que parte do prédio fosse transformada em hotel.

Chamado então de Iracema Plaza, o prédio passou a operar 75% como hotel. Seu auge foi entre as décadas de 1960 e 1980, data de sua última reforma.

Durante 20 anos, o restaurante Panela, frequentado pela alta sociedade local, também funcionou no prédio.

O hotel foi o primeiro com mais de dois andares na praia de Iracema e inaugurou o uso hoteleiro na orla —antes, as hospedagens se concentravam na região central de Fortaleza.

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Uma Fortaleza sem história, sem identidade, sem prédios que marcam o território das memórias, é uma cidade que tem um destino triste. Fortaleza aparenta ter medo da sua história. Quer ser como Dubai, uma cidade do futuro. Mas sem história e memória, já Le Goff nos avisou, não há futuro. Precisamos nos perguntar: que tipo de sociedade queremos?
Mario Fundaro

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

20 comentários

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Divaldo Antonelli Neto

Curioso como algumas situações práticas são deixadas de lado por alguns que usam palavras bem lapidadas para vender a necessidade de preservação de uma memória.  O texto trouxe indicações claras que a estrutura está comprometida o que implica na conclusão de que não faz sentido investir para recuperar. Querer que o Poder Público, já com uma infinidade de demandas essenciais, seja pressionada para investir os raros recursos para preservar a alegação de infinitas memórias existentes num prédio manifestamente comprometido, chega a ser cômico.  Que seja feita a demolição e que usem o espaço para algo que faça sentido, tanto do ponto de vista econômico, como também para a Cidade. 

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Matheus Terres

Que coisa mais boba isso. Querer manter um prédio velho em ruínas que custa 3x mais reformar do que fazer um novo mais moderno. Mas claro com dinheiro público que esses chatos acham ser infinito tudo é fácil né? Faz um "coletivo" que vocês adoram junta a grana necessária para o restauro e entra com uma ação no ministério público pedindo a interdição da demolição e comprova que você tem a grana suficiente para o restauro, que eles te dão a posse do imóvel em 5 dias 

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Helio Luis de Paula Fernandes

Sem manutenção não há razão para ser mantido. Foco de parasitas, mosquitos, ratos, etc. 

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