Por que Fortaleza está demolindo hotel em forma de barco e símbolo da orla
A Prefeitura de Fortaleza iniciou na última terça-feira (5) o processo de demolição do histórico edifício à beira-mar que abrigou o Iracema Plaza Hotel, o primeiro prédio erguido na orla da capital cearense.
Antes de ser destruído, o "Copacabana Palace cearense", como era conhecido, está sendo desmontado, em um processo que vai durar três meses e custar R$ 1,7 milhão.
Inaugurado em 1951, o edifício São Pedro foi feito em formato de um barco, com sete andares e 200 apartamentos. Do auge ao declínio, o hotel foi desativado no final da década de 1970, e o prédio permaneceu apenas com atividades residenciais, que foram abandonadas na década seguinte.
Ele tornou-se um símbolo de modernidade e qualidade para a cidade de Fortaleza até os anos 1980.
Mario Fundaro, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e Design da UFC (Universidade Federal do Ceará)
Em 2015, o prédio chegou a ser tombado pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Fortaleza —decisão que acabou sendo revista três anos depois, sem nunca ter sido efetivada.
A demolição do prédio abriu um debate entre os moradores e grupos que defendem o patrimônio arquitetônico da cidade.
Acho um erro, por ser uma perda de memórias, história, diversidades e oportunidades de projeto ou política pública. O valor histórico está na sua complexidade ao longo do tempo, se montando de acordo com as necessidades estruturais do prédio. Cada espaço conta momentos histórico.
Mario Fundaro
Em nota, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará diz ter recebido com "surpresa" e "perplexidade" a notícia da demolição e questionou por que a prefeitura não optou por outro tipo de intervenção.
Questiona-se as razões que explicam tamanho descaso com uma construção emblemática da paisagem urbana da capital cearense. Se havia interesse em preservá-lo, por que o prédio foi abandonado por quem tinha responsabilidade em mantê-lo como patrimônio histórico e arquitetônico para as presentes e as futuras gerações?
Conselho de Arquitetura e Urbanismo
Abandono
A prefeitura alega que, ao longo dos anos, a manutenção do prédio foi negligenciada, o que tornou a demolição inevitável.
O município alega que laudos técnicos apontam a impossibilidade de qualquer recuperação do prédio.
Na última vistoria, no final de 2023, a Defesa Civil constatou que as ferragens estão se esfarelando e há rachaduras de grande proporção e infiltração intensa em toda a área construída. Além disso, já há até enraizamento de árvores.
Uma das questões que levaram o Poder Público a demolir o prédio é que há queda de placas de concreto, que colocam em risco quem passa por perto.
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Quero receberÉ uma edificação antiga, que não tem recuo para as calçadas, fica muito próxima dos pedestres. Foi identificada inclusive a necessidade de interdição das calçadas.
Samuel Dias, secretário municipal da Infraestrutura de Fortaleza
Segundo o secretário, o custo da demolição será cobrado dos proprietários, com quem a Procuradoria tenta um acordo para ressarcimento.
A coluna procurou o empresário responsável pelo prédio, Philomeno Júnior, mas ele não respondeu as mensagens.
Sobre o prazo de 90 dias para concluir a demolição, o secretário diz ser o período necessário, tendo em vista a situação do prédio.
O tempo é o razoável para que se proceda a uma demolição mecânica e parcialmente manual com segurança, tendo em vista a fragilidade da estrutura do prédio.
Samuel Dias
Demolição por desmonte
Segundo a prefeitura, o processo de demolição será feito por desmonte. Na terça-feira, a Secretaria Municipal da Infraestrutura iniciou o escoramento até o quarto andar para dar acesso ao prédio com segurança.
A partir daí, guindastes e gruas chegarão até o topo do prédio, com o desmonte começando de cima para baixo.
O prédio tem estrutura de concreto armado, um dos pioneiros no uso dessa tecnologia na cidade.
Na sexta-feira, foram retiradas 16 pessoas que viviam no local. Metade delas, com documentação em dia, conseguiu dar entrada no pedido de aluguel social. Os demais terão os documentos solicitados a partir de agora.
O entulho produzido pelo desmonte será levado para usinas de reciclagem. Cerca de 90% de tudo que for retirado deve ser reaproveitado.
História do prédio
A história do hotel remonta aos anos 1950, quando um grande evento ia acontecer em Fortaleza. Sem local para abrigar visitantes, o governo local solicitou à imobiliária Pedro Philomeno Gomes, proprietária do imóvel, que parte do prédio fosse transformada em hotel.
Chamado então de Iracema Plaza, o prédio passou a operar 75% como hotel. Seu auge foi entre as décadas de 1960 e 1980, data de sua última reforma.
Durante 20 anos, o restaurante Panela, frequentado pela alta sociedade local, também funcionou no prédio.
O hotel foi o primeiro com mais de dois andares na praia de Iracema e inaugurou o uso hoteleiro na orla —antes, as hospedagens se concentravam na região central de Fortaleza.
Uma Fortaleza sem história, sem identidade, sem prédios que marcam o território das memórias, é uma cidade que tem um destino triste. Fortaleza aparenta ter medo da sua história. Quer ser como Dubai, uma cidade do futuro. Mas sem história e memória, já Le Goff nos avisou, não há futuro. Precisamos nos perguntar: que tipo de sociedade queremos?
Mario Fundaro
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