Arquivos revelam que militares seguiram Brizola e Arraes mesmo após anistia
Duas figuras importantes da política nacional pré-golpe de 1964 foram monitoradas e vigiadas de perto por militares mesmo após retornarem do exílio ao Brasil em 1979 com a Lei da Anistia.
Leonel Brizola, que era deputado federal, e o governador de Pernambuco Miguel Arraes foram destituídos dos seus cargos e fugiram entre 1964 e 1965, após a deposição de João Goulart.
O UOL teve acesso aos documentos públicos disponíveis no Arquivo Nacional. Eles revelam que praticamente todos os encontros públicos e entrevistas eram monitorados, gerando longos relatórios com fotos e indicação inclusive de aliados.
São vários documentos tratados como confidenciais que mostram como os militares se preocuparam com a vida política das duas figuras, que voltariam a ser governadores do Rio de Janeiro e de Pernambuco.
Brizola seguido
Brizola voltou ao Brasil por Foz do Iguaçu (PR) em 6 de setembro de 1979 ao lado de sua mulher Neuza e foi recebido por lideranças e simpatizantes.
De lá, pegou um avião até São Borja (RS), e visitou os túmulos de Getúlio Vargas e João Goulart.
Assim como Arraes, os vários documentos produzidos pela espionagem deixam claro a preocupação e citam até as impressões que os militares tinham de Brizola por suas falas. Um desses arquivos relata a chegada de Brizola, em 18 de outubro de 1979, de uma viagem feita para Nova York.
"LEONEL BRIZOLA deu a impressão, em seus primeiros contatos, de ter sido bastante envolvido pelos mexicanos em suas posições anti-EUA."
Em 15 de maio de 1981, um relatório confidencial do SNI revela que infiltrados acompanharam um seminário que o gaúcho participou em Porto Alegre e alertaram aos chefes do governo que Brizola estavam abordando "as perspectivas oposicionistas para as eleições de Governador em 82."
O ex-governador afirmou que todos os movimentos populares, os grupos que pressionam e reivindicam precisam adotar métodos, ter uma tática para atingir os seus objetivos.
Arraes e a volta
Miguel Arraes retornou ao Brasil no dia 15 de setembro de 1979. Ele tinha sido eleito governador de Pernambuco em 1962. No dia 1º de abril de 1964, ele foi deposto pelos militares, preso e levado para Fernando de Noronha —onde ficou até março de 1965.
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Quero receberApós a volta de Noronha ele pediu asilo na Embaixada da Argélia. Ao lado da família, passou 14 anos exilado na capital Argel.
No primeiro dos relatórios, os militares do SNI (Serviço Nacional de Informações), ligado à Presidência da República, relatam detalhadamente como foi o retorno dele ao Brasil.
Em outro documento, de 5 de outubro de 1979, há um extenso levantamento fotográfico de todos os políticos e pessoas influentes que estavam junto com ele em sua primeira ida a Brasília. As imagens foram marcadas com círculo nos rostos e número de identificação, com relato abaixo de quem se tratava.
Um outro documento, de 15 de agosto de 1980, é um relatório sobre a visita de Arraes ao estado de Goiás, que traz detalhes minuciosos sobre as atividades do então político do PMDB e citam com preocupação falas do pernambucano ao público.
"Vários militares insubordinados rasgaram a Constituição Brasileira, obrigando-me a procurar guarida no exterior".
A Lei da Anistia
A Lei 6.683, mais conhecida como Lei da Anistia, é considerada um dos mais importantes marcos do fim do regime militar (1964-1985). Sancionada em 28 de agosto de 1979, ela permitiu o retorno de 150 pessoas banidas e 2000 exiladas, que não podiam voltar ao país sob o risco de serem presas.
Entretanto, assim como ela anistiou perseguidos políticos do regime, impediu que militares respondessem pelos seus crimes de tortura e morte, por exemplo.
Até hoje, uma ação proposta pela OAB em 2008 tramita no STF pedindo a revisão da lei para permitir militares possam ser punidos por crimes graves contra a humanidade —que são imprescritíveis.
O MPF já entrou com 53 ações denunciando esses crimes e seus acusados, mas nenhum agente foi punido porque o judiciário entende que a Lei da Anistia barra.
O processo está parado na mesa do ministro Dias Toffoli, que afirmou que pretende fazer uma audiência pública esse ano para debater a legislação e a revogação.
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