Falsa médica em AL fez família pagar 'curso' por 6 anos no RS, diz polícia
A falsa médica Helenedja Oliveira, que atendia ilegalmente em Maceió, confessou nesta segunda (6) em depoimento à polícia que enganou a família alagoana — que se juntou e custeou por seis anos a estada dela em Porto Alegre. Sem formação, ela atuava como nutróloga, e dizia ter se formado em medicina na UFRGS em 2022.
Helenedja foi flagrada pela polícia em um consultório no último dia 10. Procurada pelos investigadores alagoanos, a UFRGS afirmou que ela nunca estudou medicina.
O UOL procurou o advogado da médica, mas não obteve retorno até o momento. O texto será atualizado se houver resposta.
A Polícia Civil de Alagoas indiciou Helenedja por exercício ilegal da profissão e com o depoimento vai denunciá-la também por estelionato. Como são crimes de menor potencial ofensivo, ela não foi presa.
Estudar medicina era 'um sonho', segundo delegada
Segundo a delegada Luci Mônica, que investiga o caso, ela afirmou em depoimento que estudar medicina era "um sonho", e que, antes de enganar a família para ela custeasse os "estudos", chegou a cursar em 2007 os cursos de farmácia e de nutrição, mas os trancou. "Aí começou toda a história, que parece um filme", diz a delegada
Como ela disse que queria ser médica de todo jeito, inventou para a família que ia fazer vestibular em Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul. E aí a família se juntou para poder dar o dinheiro para ela poder viajar e fazer esses vestibulares.
Luci Mônica
A família dela vive em Maceió e tem origem em um bairro humilde. O curso e a estadia em Porto Alegre eram pagos com recursos doados pela mãe, tias e marido.
Ela passou seis anos morando em quitinete ou em abrigos de estudantes, onde ela disse que não ficava fazendo nada ou lendo, passando o tempo para depois voltar para cá. Ela passava seis meses lá e viajava de voltava para cá, onde passava uns quatro meses. Assim enganou a família até se dizer formada.
Luci Mônica
Em um dos trechos do depoimento, Helenedja disse que nunca contou sobre a fraude a ninguém.
Após dizer que terminou o curso, ela disse à família que tinha se formado e que era especialista em nutrologia e oncologia metabólica. A família não entende muito dessas coisas, acreditou.
Luci Mônica
Número de CRM inventado
Sobre o número de registro no CRM (Conselho Regional de Medicina) usado, ela também explicou a origem — já que não há registros dela no conselho gaúcho.
Ela disse que viu que não tinha ninguém com aquele número no Rio Grande do Sul e criou, inventado da cabeça dela. Quando ela voltou para Alagoas, começou a assinar com CRM local e começou a medicar.
Luci Mônica
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Quero receberPara montar o consultório, Luci afirma que a falsa médica contou com ajuda da família, que se uniu novamente e comprou móveis. Primeiramente, ela passou a dividir uma sala com uma dentista no mesmo centro médico.
Depois de um tempo, ela se mudou e começou a atuar sozinha em uma sala. Contratou uma atendente exclusiva para o atendimento aos clientes. Segundo testemunhas, ela era uma pessoa simpática e querida no prédio.
De acordo com Luci, Helenedja se mostrou envergonhada e afirmou que iria fazer um tratamento psiquiátrico e psicológico. "Ela diz que fará a pedido da família, que obviamente acredita que ela tem problemas."
CRM chamou a atenção
A denúncia de Helenedja foi feita após ela chamar a atenção dos médicos por usar um número de CRM de Alagoas completamente fora do padrão estadual — e por um detalhe inusitado: ela sempre mudava o local de atendimento, como se estivesse "fugindo" de eventuais fiscalizações.
Helenedja atendia em um famoso centro médico de Maceió usando um número de registro que não existe: 81.420. Com ele, receitava remédios e passava exames usando um carimbo como se fosse médica.
Aqui em Alagoas nós temos perto de 11 mil médicos cadastrados, e o CRM é dado numa ordem sequencial. Atualmente, nós só temos CRM até perto de 11 mil. E só existem duas pessoas no Brasil todo com esse mesmo número CRM: uma de São Paulo, outra de Minas Gerais.
Benício Bulhões, presidente do CRM-AL
Outra suspeita levantada veio após a esposa de um médico, que é farmacêutica, dispensar a medicação de um dos pacientes atendidos e perceber uma incoerência no número de registro da falsa médica.
Nas redes sociais, dizia que era 'especialista'
Em sua página pessoal e na rede social, Helenedja se autointitulava "especialista em emagrecimento pré-cirúrgico, tratamento de obesidade e oncologia metabólica."
A profissional cobrava R$ 450 de pacientes sem plano de saúde. Para clientes com convênio, ela negociava o preço. Além disso, tinha um site e usava redes para dar "dicas" e trazer "informações" sobre saúde em sua área — mesmo sem ter conhecimento técnico.
Segundo apurou o UOL em conversas com ex-pacientes, Helenedja era simpática, parecia ser especialista do tema e era atenciosa em suas consultas, que eram demoradas.
Eu fiquei lá por quase duas horas. O consultório estava cheio, e ela é muito simpática, faz um trabalho individualizado. Cheguei e tinha um cartão personalizado no meu nome.
Anita Bezerra, 47, servidora federal
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