Carlos Madeiro

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Reportagem

'Muita gente vai cair para pobreza e extrema pobreza', diz defensor no RS

Vítimas da tragédia no Rio Grande do Sul que perderam documentos estão recebndo apoio da DPU (Defensoria Pública da União) para conseguir ter direito a benefícios sociais, como o Bolsa Família.

Segundo o defensor público da União Rafael Alvarez, além das casas inundadas, muitas pessoas perderam seus negócios e agora precisam de um apoio estatal para ter um sustento mínimo garantido. Há cerca de 80 mil pessoas em abrigos no estado — quase 540 mil estão desalojadas.

Muitos microempreendedores perderam tudo, às vezes negócios antigos de família. São pessoas sem nenhuma perspectiva e que, ao menos inicialmente, vão precisar de Bolsa Família. Muita gente vai cair para a faixa de pobreza e para a de extrema pobreza.
Rafael Alvarez, da Defensoria Pública da União, que está atendendo pessoas em abrigos no RS

Atendimento da DPU na porta de abrigo em Porto Alegre
Atendimento da DPU na porta de abrigo em Porto Alegre Imagem: DPU/Divulgação

Para ter acesso ao Bolsa Família, por exemplo, a pessoa precisa ser inserida no CadÚnico (Cadastro Único de benefícios do governo federal). "E para isso precisa ter um documento de identificação ou certidão de nascimento, e muitos perderam."

O defensor diz que, apesar da enorme destruição e perda de todas as documentações, em alguns casos, as vítimas estão conseguindo ter acesso graças uma interlocução e boa vontade dos órgãos públicos.

Para o caso de alguns benefícios, que precisam de documento com foto, a DPU e outros órgãos estão buscando banco de dados alternativos onde há possibilidade de provar identificação com foto, como no caso do SUS.

Entramos em contato com a Caixa, o INSS, as prefeituras e o estado para liberar de uma forma menos burocrática. Está havendo um esforço, e cada vez mais pessoas estão conseguindo ter acesso.
Rafael Alvarez

Ginásio da Academia de Polícia Militar de Porto Alegre com desabrigados
Ginásio da Academia de Polícia Militar de Porto Alegre com desabrigados Imagem: Cristine Rochol/Prefeitura de Porto Alegre
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Sede alagada

Para conseguir atuar nesses casos, a DPU precisou driblar um outro problema: recém-inaugurada, em 15 de fevereiro, a sede do órgão em Porto Alegre foi destruída pela água. "A gente perdeu tudo, estamos sem nenhuma estrutura."

Além disso, boa parte do corpo de servidores foi atingida pelas chuvas e teve problemas em suas casas.

O trabalho da DPU nos abrigos, então, começou na semana passada apenas com quatro defensores. Inicialmente, a ação passa pelos abrigos mantidos pelo município, que são aqueles que abrigam as pessoas mais vulneráveis, segundo o defensor.

A gente colocou o colete e foi com força de vontade para estar no front. Não tinha nem mesa, fomos improvisando. Agora que estamos com uma equipe maior: os defensores vencem seus problemas pessoais e vem atuar. Estamos também com ex-colaboradores.
Rafael Alvarez, defensor

Roberto (de óculos) e colega atendem desabrigados em Porto Alegre
Roberto (de óculos) e colega atendem desabrigados em Porto Alegre Imagem: DPU/Divulgação
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Já foram mais de 500 atendimentos. Ele diz que os defensores identificaram casos, por exemplo, como de crianças que estavam separadas dos pais. "Checamos se há distribuição de insumos e de medicamentos bem coordenada. Tem muitos venezuelanos com documentação perdida também."

Também há situações em que a DPU está emitindo comprovante de residência para o caso de trabalhadores que estão afastados do emprego.

Para isso, o defensor explica que a Prefeitura de Porto Alegre criou um aplicativo (156+POA) que informa o local onde a pessoa mora e se ele foi atingido pela cheia. "Com ele a pessoa tem a declaração de que se encontra desabrigada, para apresentar ao seu empregador."

Até agora, diz, não há caso de demissões em razão de faltas geradas por estar desabrigado; mas há relatos de patrões que estão pressionando o empregado a voltar ao trabalho.

13/05/2024 - Centro de Porto Alegre está tomado pelas águas
13/05/2024 - Centro de Porto Alegre está tomado pelas águas Imagem: Diego Vara/REUTERS
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Por isso a nossa preocupação na expedição de declaração para as vítimas terem uma comprovação legal. Os relatos apontam que há uma certa pressão, uma coisa que fere totalmente a dignidade dos desabrigados.

A maior parte das pessoas perdeu tudo. Eram registros de uma vida inteira, desde casa, bens materiais. Pessoas falam que perderam a foto que tinha dos pais, dos avós.
Rafael Alvarez

Humanidade nos atendimentos

Alvarez diz que as pessoas o procuram não apenas para buscar alguma orientação jurídica.

Para muitos, não caiu a ficha, eles ficam vagando pelo abrigo. Muitas vezes, só querem é um abraço, um carinho, não é uma orientação jurídica. Domingo, das 60 pessoas que atendi, umas 25 eram só para conversar, queriam ser ouvidas apenas.

13/05/2024 - Rodovia em Porto Alegre após novas chuvas na capital gaúcha
13/05/2024 - Rodovia em Porto Alegre após novas chuvas na capital gaúcha Imagem: NELSON ALMEIDA/AFP

Vendo o cenário de destruição, Alvarez diz que vai ser necessário um conjunto de ações a médio e longo para conseguir recuperar tudo que foi perdido.

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Ouço muito sobre a ideia de estado mínimo, mas o caminho para essas pessoas é o poder público. Vamos precisar de Estado máximo, que é quem pode resgatar um pouco da dignidade para as pessoas.

Ele faz ainda um desabafo sobre a onda de fake news que tentam reduzir a importância do serviço e dos servidores públicos.

O estado está ao lado das pessoas, negar isso é um absurdo. A sociedade civil, com voluntários e organizações, está junto em uma soma de forças; É uma cenário de guerra, e as pessoas querem ajuda, não importa de quem. Mas está havendo uma articulação e esforços do poder público.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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