'Muita gente vai cair para pobreza e extrema pobreza', diz defensor no RS
Vítimas da tragédia no Rio Grande do Sul que perderam documentos estão recebndo apoio da DPU (Defensoria Pública da União) para conseguir ter direito a benefícios sociais, como o Bolsa Família.
Segundo o defensor público da União Rafael Alvarez, além das casas inundadas, muitas pessoas perderam seus negócios e agora precisam de um apoio estatal para ter um sustento mínimo garantido. Há cerca de 80 mil pessoas em abrigos no estado — quase 540 mil estão desalojadas.
Muitos microempreendedores perderam tudo, às vezes negócios antigos de família. São pessoas sem nenhuma perspectiva e que, ao menos inicialmente, vão precisar de Bolsa Família. Muita gente vai cair para a faixa de pobreza e para a de extrema pobreza.
Rafael Alvarez, da Defensoria Pública da União, que está atendendo pessoas em abrigos no RS
Para ter acesso ao Bolsa Família, por exemplo, a pessoa precisa ser inserida no CadÚnico (Cadastro Único de benefícios do governo federal). "E para isso precisa ter um documento de identificação ou certidão de nascimento, e muitos perderam."
O defensor diz que, apesar da enorme destruição e perda de todas as documentações, em alguns casos, as vítimas estão conseguindo ter acesso graças uma interlocução e boa vontade dos órgãos públicos.
Para o caso de alguns benefícios, que precisam de documento com foto, a DPU e outros órgãos estão buscando banco de dados alternativos onde há possibilidade de provar identificação com foto, como no caso do SUS.
Entramos em contato com a Caixa, o INSS, as prefeituras e o estado para liberar de uma forma menos burocrática. Está havendo um esforço, e cada vez mais pessoas estão conseguindo ter acesso.
Rafael Alvarez
Sede alagada
Para conseguir atuar nesses casos, a DPU precisou driblar um outro problema: recém-inaugurada, em 15 de fevereiro, a sede do órgão em Porto Alegre foi destruída pela água. "A gente perdeu tudo, estamos sem nenhuma estrutura."
Além disso, boa parte do corpo de servidores foi atingida pelas chuvas e teve problemas em suas casas.
O trabalho da DPU nos abrigos, então, começou na semana passada apenas com quatro defensores. Inicialmente, a ação passa pelos abrigos mantidos pelo município, que são aqueles que abrigam as pessoas mais vulneráveis, segundo o defensor.
A gente colocou o colete e foi com força de vontade para estar no front. Não tinha nem mesa, fomos improvisando. Agora que estamos com uma equipe maior: os defensores vencem seus problemas pessoais e vem atuar. Estamos também com ex-colaboradores.
Rafael Alvarez, defensor
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Quero receberJá foram mais de 500 atendimentos. Ele diz que os defensores identificaram casos, por exemplo, como de crianças que estavam separadas dos pais. "Checamos se há distribuição de insumos e de medicamentos bem coordenada. Tem muitos venezuelanos com documentação perdida também."
Também há situações em que a DPU está emitindo comprovante de residência para o caso de trabalhadores que estão afastados do emprego.
Para isso, o defensor explica que a Prefeitura de Porto Alegre criou um aplicativo (156+POA) que informa o local onde a pessoa mora e se ele foi atingido pela cheia. "Com ele a pessoa tem a declaração de que se encontra desabrigada, para apresentar ao seu empregador."
Até agora, diz, não há caso de demissões em razão de faltas geradas por estar desabrigado; mas há relatos de patrões que estão pressionando o empregado a voltar ao trabalho.
Por isso a nossa preocupação na expedição de declaração para as vítimas terem uma comprovação legal. Os relatos apontam que há uma certa pressão, uma coisa que fere totalmente a dignidade dos desabrigados.
A maior parte das pessoas perdeu tudo. Eram registros de uma vida inteira, desde casa, bens materiais. Pessoas falam que perderam a foto que tinha dos pais, dos avós.
Rafael Alvarez
Humanidade nos atendimentos
Alvarez diz que as pessoas o procuram não apenas para buscar alguma orientação jurídica.
Para muitos, não caiu a ficha, eles ficam vagando pelo abrigo. Muitas vezes, só querem é um abraço, um carinho, não é uma orientação jurídica. Domingo, das 60 pessoas que atendi, umas 25 eram só para conversar, queriam ser ouvidas apenas.
Vendo o cenário de destruição, Alvarez diz que vai ser necessário um conjunto de ações a médio e longo para conseguir recuperar tudo que foi perdido.
Ouço muito sobre a ideia de estado mínimo, mas o caminho para essas pessoas é o poder público. Vamos precisar de Estado máximo, que é quem pode resgatar um pouco da dignidade para as pessoas.
Ele faz ainda um desabafo sobre a onda de fake news que tentam reduzir a importância do serviço e dos servidores públicos.
O estado está ao lado das pessoas, negar isso é um absurdo. A sociedade civil, com voluntários e organizações, está junto em uma soma de forças; É uma cenário de guerra, e as pessoas querem ajuda, não importa de quem. Mas está havendo uma articulação e esforços do poder público.
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