Relator pede Braskem indiciada e poupa órgãos por afundamento em Maceió
O relator da CPI da Braskem, senador Rogério Carvalho (PT-SE), apresentou nesta quarta (15) o relatório final da comissão. Ele pediu o indiciamento da petroquímica e de ex e atuais diretores que, de acordo com o texto, teriam responsabilidade pelo afundamento de solo em Maceió que resultou na remoção forçada de cerca de 60 mil pessoas de cinco bairros.
Além deles, o relator pediu ainda indiciamento de outras quatro empresas e diretores que fizeram estudos e produziram laudos que teriam omitido riscos e afundamentos constatados antes de 2018.
Outro lado: Em nota, a Braskem afirma que "esteve à disposição da CPI, colaborando prontamente com todas as informações e providências solicitadas." "A companhia continua à disposição das autoridades, como sempre esteve."
Concluímos que a Braskem, que responde diretamente pela mineração na região desde 2002, sabia da possibilidade de subsidência do solo e, mesmo assim, decidiu deliberadamente assumir o risco de explorar as cavernas para além de sua capacidade segura de produção. Além disso, para que pudesse manter a continuidade e o ritmo da extração de sal-gema, inseriu informação falsa em documentos públicos, omitiu dados essenciais de relatórios técnicos e manipulou os órgãos de fiscalização.
Relatório CPI da Braskem
O documento deve ser votado pelos membros da CPI na semana que vem.
'Entes federativos'
Apesar de citar as falhas na regulação e de fiscalização, o relatório da CPI não pede indiciamento de diretores de órgãos públicos, como ANM (Agência Nacional de Mineração), Ministério de Minas e Energia IMA (Instituto do Meio Ambiente) de Alagoas.
Para o relator, "todos os entes federativos — ainda que indiretamente, por meio de suas agências próprias e seus agentes — se omitiram no dever de fiscalizar, o que atrairia, em tese, a incidência da figura da omissão imprópria".
O texto considera que as autoridades sabiam "desde o início dos anos 2000, que havia processo de subsidência na região".
O afundamento do solo não se deveu à falta de conhecimento técnico disponível sobre os riscos da atividade extrativista de sal-gema. O fenômeno que aconteceu em Maceió era plenamente conhecido pelos especialistas e vários casos pretéritos foram amplamente divulgados no meio técnico.
Relatório CPI da Braskem
"Conforme fotografias constantes neste relatório, fissuras de dimensão considerável apareceram em edificações na região, sem despertar qualquer tipo de preocupação por parte do poder público municipal", diz o texto. "Ignorando as recomendações e a prudência exigidas, o empreendimento minerário não só foi instado, mas continuou funcionando por mais de 40 anos, recebendo renovações sucessivas de alvarás."
Outras empresas
Além da Braskem, o relatório propõe o indiciamento de oito pessoas — diretores, gerentes, engenheiros e técnicos — que atuaram na empresa em diferentes períodos, desde 2007.
Apesar de algumas condutas criminosas terem ocorrido há bastante tempo, certos crimes imputados -- principalmente aqueles que protegem o meio ambiente -- são de natureza permanente, ou seja, seus efeitos perduram desde o início da prática criminosa, o que fulmina eventual alegação de prescrição e legitima a persecução penal estatal.
Relatório CPI da Braskem
Também foram indicadas empresas — e diretores — que, para o relator, teriam sido omissas em laudos e não fizeram alertas necessários. São elas:
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Recomendações
Entre outros pontos, o relatório recomenda que os acordos individuais firmados entre vítimas e Braskem devem ser revistos — já que não representaram "patamares mínimos incontroversos de indenização".
A sugestão foi feita também para que Ministérios Públicos Federal e Estadual e Defensorias Públicas da União de Alagoas, que firmaram o acordo junto com a Braskem, se posicionem pela repactuação.
Também pede a ampliação do mapa adotado pela Defesa Civil de Maceió para redefinir o conceito de risco que hoje "se restringe ao risco de instabilidade do solo".
A noção de 'risco' deveria ser mais abrangente, e abarcar também o 'risco de ilhamento socioeconômico', definido a partir de parâmetros socioambientais. Não faz sentido desenhar um programa de 'revitalização' para a área sem que, antes, haja uma definição clara sobre a destinação da região, de preferência em consonância com o Plano Diretor de Maceió.
Relatório CPI da Braskem
Uma terceira recomendação é que não se permita que a Braskem seja dona da área afetada e possa fazer uso ou negociar os terrenos afetados quando o solo seja estabilizado novamente.
Nesse caso, a cláusula 58 do Acordo de Reparação Socioambiental "abre perigosa e injustificável brecha para que a Braskem transforme aquilo que hoje é um passivo de sua responsabilidade em um valioso ativo imobiliário", diz o texto. "Seria um ofensa aos 60 mil maceioenses afetados."
Sobre a ANM, o relator afirma que é preciso ampliar orçamento e número de servidores e cita que há:
- Deficiências na transparência, gestão de riscos e controles internos, com impacto no planejamento, regulação e fiscalização do setor minerário;
- Alta exposição à fraude e corrupção da agência;
- Existência de apenas 38 servidores para fiscalizar 911 barragens.
É possível afirmar que durante todo o período examinado, tratou-se, na prática, de hipótese de autorregulação feita pela própria empresa, em que o regulado passou a exercer atribuições fiscalizatórias que seriam do próprio órgão regulador. Esse fato é ainda mais grave do que a 'captura' pelo ente regulado, pois neste caso o órgão ainda, em tese, mantém suas atribuições fiscalizatórias. O que ocorreu aqui foi muito mais grave: uma verdadeira delegação inconstitucional, ilegal e criminosa de atribuições fiscalizatórias, que deveriam ser exercidas pelo Estado brasileiro, para um ente privado.
Relatório CPI da Braskem
Há ainda recomendações:
- À Braskem para mudança de sua fábrica, hoje instalada em área urbana no bairro do Pontal da Barra;
- A órgãos públicos para despoluição do complexo lagunar Mundaú-Manguaba, onde está parte das minas de exploração de sal-gema;
- À Prefeitura de Maceió para a construção de um memorial e para revisão de valores venais dos imóveis próximos ao afundamento, que tiveram perda na avaliação.
Procurado, os MPs informaram que ainda não tinham posicionamento sobre o relatório.
O defensor público estadual Ricardo Melro disse que estava aguardando o relatório para protocolar uma ação civil pública para rever todos danos morais individuais que foram estabelecidos pela Braskem "sem concordância de nenhuma instituição." "Em relação a área afetada, ingressamos com ação para reforçar os valores dos danos morais e sociais coletivos."
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