Carlos Madeiro

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Reportagem

Camarote por R$ 15 mil: festas populares privatizam áreas do São João no NE

As festas juninas mais populares do Nordeste privatizaram parte das melhores áreas para que empresas vendam camarotes e pistas premium a preços mais caros.

Nesses locais, o público tem direito a entrada diferenciada, equipamentos exclusivos e a melhor vista dos shows, sem passar pelos apertos comuns a eventos de rua. Para isso, é preciso pagar ingressos individuais ou comprar espaços com capacidade para 20 pessoas que chegam a custar R$ 15 mil por dia.

Nos últimos anos, os governos têm avançado no modelo de cessão de espaços à iniciativa privada e defendem a medida como forma de arrecadar recursos e reduzir a participação do dinheiro público na festa. Entretanto, esses espaços reduzem a área aberta ao público e, por vezes, muita gente fica de fora da festa.

As festas de São João das cidades-polo ocorrem durante todo o mês de junho e levam até mais de 100 mil pessoas por dia. Nos palcos, as atrações incluem shows de cantores famosos não apenas de forró, mas de todos os gêneros e estilos, o que gera críticas de defensores da tradição.

Carlinhos Brow na abertura do São João de Caruaru (PE)
Carlinhos Brow na abertura do São João de Caruaru (PE) Imagem: Prefeitura de Caruaru

Maranhão entra na onda

Este ano, foi a vez do Maranhão anunciar que vai ter lugares pagos no "maior São João do mundo".

O anúncio foi feito pelo governador Carlos Brandão (PSB), que citou que foi procurado por um empresário "conhecido no Brasil inteiro" com pedido para realizar o evento sem custo para o estado. As festividades ocorrem a partir do dia 13 no espaço Castelão, em São Luís.

Ele disse que tem uma logística de captar o recurso e me disse: 'Só quero o local.' Então nós vamos ter 18 atrações nacionais, e zero centavo do governo do estado. Ele só me perguntou se poderia colocar um camarote, e disse: pode botar, porque tem a classe média, a classe alta. Quer pagar, é um problema deles.
Carlos Brandão

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Caruaru: R$ 15 mil o camarote

Cidades conhecidas por fazerem as maiores festas de rua da região, Campina Grande (PB) e Caruaru (PE) privatizaram áreas em um modelo igual: cederam metade da área em frente ao palco para iniciativa privada vender pista premium e camarotes.

Em Caruaru, um camarote para 20 pessoas para o dia 22 está sendo vendido a R$ 15 mil (mais R$ 2,2 mil de taxas para caso de compra online). A entrada individual para o frontstage para o mesmo dia custa R$ 560.

No sábado eu enfrentei uma fila gigante e chuva para entrar no Pátio [há portões de entrada com revista], e lá dentro estava muito cheio, não lotou. Mas acho errado ter espaço pago se a festa é pública e aperta a gente não pode pagar.
Ana Luiza Cardoso, 19, universitária

Em festas de anos passados, o Pátio do Forró chegou a ser fechado porque atingiu sua lotação máxima, deixando milhares de pessoas de fora da festa.

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Procurada, a Prefeitura de Caruaru não informou o valor da cessão nem respondeu aos questionamentos da reportagem. O espaço segue aberto.

Campina: 8 mil vagas pagas

Em Campina Grande, o camarote montado no Parque do Povo segue modelo semelhante ao da rival pernambucana: privatizou metade da área em frente ao palco. Para o local, ingressos estão sendo vendidos individualmente de R$ 40 a R$ 440, a depender do dia.

Este ano, o Parque do Povo está maior, com 50 mil m² destinados ao público: a capacidade saltou de 57 mil para para 73,5 mil pessoas —sendo 65,5 mil vagas gratuitas.

Dessa área da festa, 6,5 mil m² são do chamado frontstage e 1,5 mil m², de camarotes.

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Espaço dividido, com entrada exclusiva para quem compra frontpage ou camarote em Campina Grande
Espaço dividido, com entrada exclusiva para quem compra frontpage ou camarote em Campina Grande Imagem: Reprodução/Prefeitura de Campina Grande

Em nota, a Prefeitura de Campina Grande afirmou que fez uma "virada de chave ano passado", quando lançou edital para realização do "Maior São João do Mundo" nas edições 2023 e 2024.

"Pela primeira vez a empresa vencedora do pregão eletrônico precisou pagar uma cota de concessão de uso do espaço público para o próximo evento. Até então a Prefeitura ainda precisava investir verba pública na festa."

A empresa que ganhou a cessão é responsável por montar, manter, desmontar toda a infraestrutura, que inclui palcos, som e iluminação, além de projetos de acessibilidade e captação de patrocínios.

Parque do Povo onde ocorre o São João de Campina Grande (PB)
Parque do Povo onde ocorre o São João de Campina Grande (PB) Imagem: Prefeitura de Campina Grande

Modelo se espalha

Outras cidades que realizam grande festa seguem o mesmo modelo. Em Mossoró (RN), a prefeitura cedeu espaço para o camarote da Estação das Artes Elizeu Ventania. Em nota, diz que o local oferece um "serviço de alto padrão."

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A empresa pagou R$ 530 mil pela concessão para captação de patrocínio. A título de comparação, em 2019, o valor pago pela concessão do camarote foi de R$ 34.150,00 - demonstrando o grande ganho para o Município com a medida adotada este ano.
Prefeitura de Mossoró

Em Maceió, que há três anos entrou no circuito de mega festas, a prefeitura destinou 2 mil m² da área para camarotes. Quem compra camarote, também tem um acesso privilegiado de pista para ver o palco. Os ingressos custam de R$ 300 a R$ 440.

Em nota, diz que isso "ocupa apenas 12% do total do pátio de eventos, que tem uma extensão de 16.661,25 m²."

Ou seja, 88% do local destinado a receber os shows musicais será de uso gratuito.
Prefeitura de Maceió

A Prefeitura de Maceió informou ainda que licitou o local à iniciativa privada, o que deve gerar uma receita para o São João 2024 de cerca de R$ 1 milhão.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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