Guerra de facções locais e nacionais leva o Ceará a viver era de chacinas
O Ceará registrou ontem sua quarta chacina do ano, elevando um histórico estatístico recente de múltiplas mortes violentas que estão relacionadas à guerra das diversas facções que lutam por territórios e pelo poder do crime no estado.
Na madrugada desta quinta-feira (20), sete pessoas foram mortas em praça pública de Viçosa do Ceará. Os mortos eram três mulheres, de 16, 23 e 25 anos; e quatro homens, de 18, 21, 24 e 26 anos.
Essa foi a maior chacina, em termos de mortes, desde novembro de 2020, quando sete pessoas de uma mesma família foram mortas em Ibaretama.
Desde fevereiro de 2022, quando quatro homens foram mortos na comunidade do Lagamar, em Fortaleza, as chacinas têm ocorrido no interior do estado e refletem uma guerra por territórios na expansão das facções criminosas no estado.
Guerra de facções gera mortes
Para o sociólogo e pesquisador do LEV (Laboratório de Estudos da Violência) da UFC (Universidade Federal do Ceará) Luiz Fábio Paiva, a dinâmica do crime no estado mudou a partir de 2005. Até então, apenas quadrilhas locais disputavam territórios.
Ele explica que, a partir dali, houve um "reordenamento da dinâmica criminal, com a ascensão de facções criminosas".
O Ceará vive há pelo menos 20 anos situações de conflito armado extremamente violento. Muitas chacinas ocorreram justamente em função do rearranjo das forças de grandes facções no interior e busca pela hegemonia do crime.
Luiz Paiva
Nesse cenário, um fator que agravou a tensão foi a criação da facção GDE (Guardiões do Estado), um grupo local criado em 2014 que ficou conhecido por conta da forma violenta com que costuma agir.
Ela surgiu em um momento em que PCC e CV já atuavam no estado e replicavam, no Ceará, as tensões e disputas nacionais. Um terceiro grupo acabou colocando ainda mais artefatos na guerra.
O CV se consolidou dentro dos territórios, dentro dos bairros ocupando realmente territórios, enquanto o PCC tem uma posição estratégica, inclusive apoiando o grupo local que era a GDE, que disputa os territórios com a o CV: elas invadem territórios inimigos e expulsam os faccionados. Obviamente, isso se tornava suscetível a revanches do outro grupo.
Luiz Paiva
O pesquisador alega que ainda é preciso levar em conta que, nesse período, houve muitos rachas dentro dos próprios grupos. Isso gerou uma nova força no estado, a "Massa".
Ela tem disputado territórios com esses outros grupos, tanto na capital como no interior; isso produz também muitas mortes produzidas em chacinas.
Luiz Paiva
Recentemente, autoridades perceberam outra movimentação: a chegada da TCP, do Rio, e que é rival do CV e é suspeita de ter realizado uma tentativa de chacina em janeiro durante uma festa infantil na Barra do Ceará.
Para ele, a complexidade do problema leva o estado a ter muita dificuldade em combater a guerra dessas facções.
Existem muitos investimentos na área de segurança, com policiamento, mas isso não tem surtido um efeito na redução dos homicídios em longo prazo. É preciso ações em grande escala para uma transformação das realidades periféricas e, consequentemente, o crime não controlando territórios; não é contratando mais policiais que vai ser resolvido.
Luiz Paiva
Estado diz que tem efetuado prisões
Em nota, a SSPDS (Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social) do Ceará afirma que todas as chacinas de 2023 e algumas deste ano já resultaram em prisões.
Segundo a pasta, os casos ocorridos em Camocim, Itarema, Caucaia e Maranguape em 2023 já foram concluídos e remetidos à Justiça. Já no caso de Ibicuitinga, dois suspeitos foram presos, mas o caso ainda segue sendo investigado.
Sobre as chacinas deste ano, diz que as três primeiras já foram concluídas:
Aracoiaba - 11 indiciados e 10 pessoas presas
Caucaia - 4 indiciados e dois presos
Cascavel - Um suspeito indiciado, sem prisões
Sobre o caso de ontem, diz que um trio suspeito de tráfico de drogas já foi preso, e a polícia apura se há envolvimento nas mortes de Viçosa do Ceará.
A pasta ainda diz que vem reforçando as forças de segurança no combate aos grupos criminosos em todo o território cearense.
Além disso, criou o Comitê Estratégico de Segurança Integrada e uma lei de reestruturação, fortalecimento e promoção à integração e à interiorização do Sistema Estadual de Inteligência de Segurança Pública e inaugurou o Centro de Inteligência do Ceará.
O Governo tem realizado um investimento permanente em tecnologia, equipamentos e em valorização e dignidade dos profissionais. Foram entregues na última terça-feira, dia 18 de junho, 68 viaturas para a PM utilizar em Fortaleza e na Região Metropolitana. Na primeira quinzena do próximo mês de julho, serão entregues mais 82 viaturas da PMCE para o interior do Ceará. A PM receberá ainda nos próximos dias um reforço de cerca de 1.100 alunos-soldados.
SSPDS
Sobre as facções, lembra que não é uma realidade apenas do estado e diz que "esses grupos têm atuação interestadual e, até mesmo, internacional."
Por conta disso, o trabalho é feito de forma integrada desenvolvendo ações estratégicas com todas as polícias cearenses, estaduais e federais. Esses trabalhos têm o intuito de reprimir o tráfico de drogas no Estado e, desta forma, descapitalizar grupos criminosos que possuem a comercialização de ilícitos como a principal fonte de renda. Impactando, consequentemente, na redução de crimes em todo o Ceará.
SSPDS
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.