Carlos Madeiro

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Reportagem

Febre oropouche: Brasil apura mortes, e médicos alertam para gravidade rara

O Ministério da Saúde está investigando quatro mortes suspeitas de febre oropouche este ano no país. Se confirmados, serão os primeiros óbitos registrados pela doença no mundo.

A investigação inclui a morte de duas mulheres sem comorbidades, de 21 e 24 anos, moradoras da Bahia.

A coluna teve acesso a um estudo feito pela Secretaria da Saúde da Bahia e assinado por 19 especialistas da pasta e de órgãos como Fiocruz que alertam para uma "evolução rápida" e quadro de alta gravidade nunca visto da doença. O artigo está publicado em versão inicial para revisão de cientistas.

Apesar de a Bahia garantir que as mortes foram pela febre, o Ministério da Saúde afirma que ainda há um processo de investigação para confirmação, junto a dois óbitos de Santa Catarina e Maranhão. "É preciso uma avaliação criteriosa dos aspectos clínicos epidemiológicos considerando o histórico pregresso do paciente e a realização de exames laboratoriais específicos", diz a pasta.

Mortes na Bahia preocupam

As mortes na Bahia ocorreram em março e junho deste ano nos municípios de Valença e Camamu, no sul do estado, e chamaram a atenção dos especialistas em razão da rápida evolução da doença em pessoas sem problemas de saúde anteriores.

Em ambos os casos clínicos apresentados neste estudo, [as vítimas] viviam em áreas de transmissão ativa, em meio a um surto em curso no litoral sul da Bahia. Além disso, eram jovens e não apresentavam doenças crônicas ou outras comorbidades.
Trecho do estudo da Secretaria da Saúde da Bahia

A febre oropouche, explica o estudo, tem um período médio de incubação de 4 a 8 dias, com pico de carga viral nos primeiros quatro dias após o início dos sintomas. Entretanto, a evolução rápida entre o início dos sintomas e a morte das duas mulheres aponta que "nenhum dos dois casos apresentou padrão".

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Imagem: Arte/UOL
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O estudo destaca quatro pontos:

  • As mortes causadas por uma doença sem relato de óbitos no mundo;
  • A rápida evolução desde o início dos sintomas até a morte;
  • Uma coagulopatia grave como provável causa;
  • Grave comprometimento do fígado.

Fica claro que a infecção por oropouche pode levar a fenômenos hemorrágicos, como estudos anteriores demonstraram, e o envolvimento hepático também pode ser esperado nesta infecção.
Secretaria da Saúde da Bahia

Inicialmente, os dois casos apresentaram "sintomas típicos" da doença, como febre e dor de cabeça. Segundo o estudo, os testes laboratoriais confirmaram a infecção por oropouche com "altas cargas virais" e descartaram outras doenças que poderiam causar quadros similares, como a dengue.

Os autores ainda alertam para a semelhança do quadro clínico com a dengue grave, o que pode levar a um diagnóstico equivocado e comprometer as medidas de controle da doença.

Em ambos os casos, o curso clínico foi notavelmente semelhante a uma infecção grave pelo vírus da dengue, com choque, sangramento e coagulopatia extensa. Se não fosse pela extensa avaliação laboratorial associada a um surto de oropouche em curso na região, ambos os casos seriam provavelmente classificados de forma inadequada como mortes por dengue em vez de oropouche.
Secretaria da Saúde da Bahia

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Entenda os casos

A primeira vítima foi uma mulher de 24 anos, sem comorbidades, procedente do distrito de Serra Grande, município de Valença, no sul da Bahia.

A jovem começou a apresentar sintomas em 23 de março, com febre e dores de cabeça, abdominal e no fundo dos olhos, além de diarreia, náuseas e vômitos.

Ela procurou serviços de saúde três vezes até a manhã do dia 26, sempre recebendo alta após o atendimento. Na noite desse dia, voltou, foi internada e rapidamente teve seu quadro de saúde agravado. Três pessoas que moravam com a mulher tiveram sintomas clínicos semelhantes.

Ela então relatou visão turva e dificuldade para enxergar. Sete horas após a internação, a paciente continuava com fortes dores abdominais, hipoativa, com edema ocular. Após 10 horas, a paciente desenvolveu agitação psicomotora e, nas duas horas subsequentes, começou a apresentar hipotensão e dessaturação. Após uma hora, o caso evoluiu para parada cardiorrespiratória e óbito em 27 de março de 2024, 13 horas após admissão na unidade hospitalar.
Secretaria da Saúde da Bahia

A segunda paciente, de 21 anos, procedente de Camamu, apresentou sintomas semelhantes em 5 de junho.

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Após quatro dias, ela desenvolveu manchas avermelhadas e roxas no corpo, além de sangramento nasal, gengival e vaginal. Também se queixou de fraqueza, sonolência e vômitos.

Ela então foi internada em uma unidade de saúde do Hospital Municipal de Camamu e, após nove horas, foi transferida para um hospital em Itabuna. Apresentava-se sonolenta, com cianose de extremidades, relatando vômitos persistentes e jejum prolongado. Ao exame, apresentava sangramento gengival e epistaxe, sangramento vaginal, pele fria e úmida, além de petéquias generalizadas, e faleceu duas horas após a internação.
Secretaria da Saúde da Bahia

Para os especialistas, os casos devem alertar a comunidade médica onde o vírus oropouche circula.

A patogênese dessa doença negligenciada precisa ser melhor estudada para explicar a rápida evolução observada no presente estudo, compatível com febre hemorrágica grave. Além disso, uma rede de vigilância deve ser rapidamente estabelecida para monitorar pacientes com oropouche, e estudos prospectivos devem ser realizados para melhor esclarecer a história natural desta doença.
Secretaria da Saúde da Bahia

A doença

A febre oropouche, causada por vírus de mesmo nome, tem se espalhado pelo país este ano e já tem transmissão confirmada em 16 estados. A doença é transmitida pelo inseto Culicoides paraensis, também conhecido como maruim, meruim ou mosquito-pólvora, dependendo da região.

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Os sintomas são parecidos com os da dengue e da chikungunya: dor de cabeça, dor muscular, dor nas articulações, náusea e diarreia.

Segundo o Ministério da Saúde, até agora foram 7.044 casos confirmados no Brasil, com transmissão autóctone em 16 estados. Outros três estados estão com essa transmissão em investigação.

Não há terapias específicas para o manejo clínico da febre oropouche. O tratamento visa o alívio dos sintomas.
Ministério da Saúde

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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