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Carlos Madeiro

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Reportagem

Justiça suspende obras de parque aquático dentro de terra indígena em AL

A Justiça Federal determinou a suspensão imediata das obras de construção do Parque Aquático Graciliano Ramos, que ocorria sem autorização dentro da Terra Indígena Xukuru-Kariri, no município de Palmeira dos Índios (AL). A decisão foi dada nesta segunda-feira (5) pela juíza da 8ª Vara Federal de Alagoas, Camila Monteiro Pullin.

A ação civil pública foi movida pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) contra a Prefeitura de Palmeira dos Índios e a empresa responsável pelo parque, que já está com obras avançadas e perfil no Instagram com mais de 4.000 seguidores.

O descumprimento da medida resultará em multa diária de R$ 10 mil.

O prosseguimento das obras com a ocupação e urbanização da área pode trazer danos irreversíveis ou de difícil reparação à pretensão autoral e pode aumentar, inclusive, o clima de animosidade e conflito entre os não indígenas e indígenas da região, ocasionando problemas de outras ordens para além do direito de propriedade em si.
Trecho de decisão da juíza Camila Monteiro Pullin

Área declarada

Segundo a Funai, a área em questão é tradicionalmente ocupada pelos indígenas, e a construção dos empreendimentos viola o direito de posse garantido pela Constituição Federal e por tratados internacionais.

A terra em questão tem 7.033 hectares, onde vivem cerca de 2,5 mil indígenas, segundo o censo de 2022.

A área está na quarta etapa de demarcação de terras indígenas, na condição de "declarada" por meio de portaria de 2010 do Ministério da Justiça. Por estar com o processo em andamento, não pode ter qualquer parte registrada ou transferido até a conclusão.

A juíza cita que recebeu vídeos —incluídos dentro do processo—, que revelam que a construção do parque tem gerado tensão com a construção de porteiras dentro de área indígena em processo de demarcação.

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Compra foi irregular, diz Funai

Segundo a documentação apresentada, a prefeitura fez uma compra direta do imóvel em 19 de janeiro de 2023.

A Funai argumenta que a gestão municipal tinha ciência da demarcação da terra indígena, já que participou do processo administrativo de demarcação. Mesmo assim, fez a compra de um pedaço de uma fazenda dentro da área e onde, além do parque, pretendia fazer um polo industrial.

Para a juíza, isso dá "mostras de que tinham ciência da discussão sobre a titularidade da área, da inclusão de parte do imóvel na área declarada como Terra Indígena e de que, no mínimo, a municipalidade deveria ter tomado a cautela de realizar uma consulta prévia à Funai acerca do imóvel e de suas imediações antes da aquisição e da elaboração dos projetos de urbanização do local."

Após a compra e desmembramento da área, a parte foi doada ao Parque Aquático Graciliano Ramos —nome do escritor e ex-prefeito da cidade.

A alegação da prefeitura no processo foi a de que a área poderia ser utilizada para empreendimentos privados com base na Instrução Normativa Funai nº 009/2020. Entretanto, a juíza afirma que a norma foi considerada inconstitucional e, posteriormente, foi anulada.

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Parque foi batizado com nome de Graciliano Ramos
Parque foi batizado com nome de Graciliano Ramos Imagem: Reprodução/Instagram

Povos não foram consultados

A Funai alega que não foi consultada sobre o empreendimento, nem sobre as obras, "o que fere o direito de consulta prévia, livre e informada, previsto na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho)."

O cacique do povo Xukuru-Kariri, José Cícero Santana da Silva, confirma que o povo nunca foi procurado e reclama da postura da prefeitura.

Nunca fomos consultados, e há tempos a gente vem solicitando [a paralisação], mas o poder político acha que pode tudo. Pelo que sabemos, quando uma terra é declarada portaria demarcatória, você tira dos proprietários, não podem vender ou repassar. Isso que a gente considera de má-fé [da prefeitura].
Cacique José Cícero

Prefeitura questiona Funai

O município informou ao UOL que vai recorrer. Segundo a prefeitura, o imóvel "possui registro e é reconhecido como propriedade privada, não homologada como terra indígena pelo presidente da República e, portanto, permitido a sua comercialização."

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Ainda de acordo com a prefeitura, não havia no Cartório de Registro de Imóvel qualquer averbação ou outro ato da Funai.

A prefeitura comprou a terra de um proprietário em 2021 para construir um Polo Multisetorial, um investimento importante para o desenvolvimento econômico de Palmeira dos Índios, e também porque fica próximo da maior indústria de laticínios da região.
Prefeitura de Palmeira dos Índios

Ainda de acordo com a prefeitura, a Funai "não é legalmente, ou tecnicamente, justificável inserir áreas ainda não registradas ou homologadas como terras indígenas no Sistema de Gestão Fundiária Sistema desenvolvido pelo INCRA para gestão de informações fundiárias do meio rural brasileiro."

Em nota, a direção do parque disse que não foi notificada, mas que "jamais deixará de cumprir qualquer decisão judicial!"

Destacamos também que temos posse de todos os documentos legais, registrados em cartórios e estar cumprindo com todas exigências normativas e licenças legais necessárias para construção do parque. Reiteramos nosso respeito e admiração com os povos indígenas e compromisso com o crescimento, geração de renda e preservação da cultura de Palmeira dos Índios.
Parque Graciliano Ramos

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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