Seca e queimada na Amazônia transformam 'rios voadores' em 'rios de fumaça'
A gigante nuvem de fumaça gerada pelas queimadas que toma conta de dez estados do país tem chegado ao centro-sul do país por meio dos chamados "rios voadores", que levam umidade da floresta. Com a seca e o fogo que dominam a região agora, eles viraram um corredor de resíduos dos incêndios, que pode ser visto até do espaço.
O cenário preocupa: a Amazônia enfrenta uma seca intensa desde 2023, e a temporada de queimadas do bioma começou agora em agosto.
Somente nos 20 primeiros dias do mês, o número de queimadas na Amazônia já supera o total do mesmo mês em 2023, segundo dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais):
- Agosto de 2024 (até dia 20): 18.268
- Agosto de 2023: 17.373
Mas o que são rios voadores?
Os "rios voadores" fazem parte de um sistema climático que atua na América do Sul, segundo a climatologista e professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Sâmia Garcia.
'Rios voadores' é o nome dado ao transporte de grandes volumes de vapor d'água pela atmosfera, que se originam na floresta Amazônica e são levados até outras regiões do Brasil pela evapotranspiração. Assim, esse vapor d'água é capturado por correntes de ventos que sopram de noroeste para sudeste, atingindo as regiões Centro-Oeste, Sudeste e até o Sul do Brasil.
Sâmia Garcia
Ao longo dessa trajetória, diz, esse vapor d'água pode condensar e formar nuvens, resultando em chuvas nas regiões por onde passam.
No caso do momento atual, de seca, esses "rios voadores" também podem transportar partículas sólidas, como as de fumaça provenientes das queimadas. "Durante o deslocamento, essas partículas suspensas na atmosfera podem se misturar com o fluxo de vapor", diz.
Isso acontece porque, além do vapor d'água, as correntes de ar carregam aerossóis [partículas muito pequenas], que podem incluir fuligem e outros resíduos de incêndios florestais. Quando essas partículas são transportadas para regiões distantes, elas podem afetar a qualidade do ar e até influenciar na formação de nuvens.
Sâmia Garcia
Mudanças durante o ano
Segundo Ana Paula Cunha, do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), os "rios voadores" atuam com mais intensidade em determinadas épocas do ano, como agora. Eles correm a leste da Cordilheira dos Andes, explica, onde há ventos que trazem o ar de parte da Amazônia até as regiões subtropicais da América do Sul.
Em resumo: é um fluxo de movimento de ar. Se tiver vapor, leva vapor, pois é uma corrente de vento com alta velocidade. Ele circula na baixa troposfera, a no máximo 2 quilômetros de altitude.
Ana Paula Cunha
Por causa da fumaça dos últimos dias, cidades têm sofrido com a qualidade ruim do ar, o que é um risco para a saúde das pessoas, em especial aquelas com problemas respiratórios e idosos.
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Seca preocupa e está longe de pico
Segundo Mariana Napolitano, diretora de Estratégia do WWF-Brasil, a seca extrema que vemos no bioma desde 2023 é uma combinação de um El Niño intenso com mudanças climáticas e desmatamento acumulado na região.
A temporada de chuvas na Amazônia entre 2023 e 2024 foi muito abaixo das médias históricas, o que fez com que o bioma entrasse num novo período de seca, agora com rios em níveis baixos e vegetação mais suscetível aos efeitos das queimadas.
Mariana Napolitano
Ela pontua que, mesmo com o desmatamento em queda, a degradação acumulada nos últimos anos acentua a crise. "A floresta íntegra é uma grande bomba de chuva por meio da evapotranspiração das árvores", diz.
Com mais de 18% de sua cobertura perdida, a floresta perde uma parte significativa de sua capacidade de 'produzir' chuva e umidade, especialmente nas porções sul e sudoeste do bioma.
Mariana Napolitano
Para ela, os impactos observados em 2023 podem se repetir e até mesmo se agravar em 2024, já que os níveis dos rios no sudoeste da Amazônia batem recordes de seca para esta época do ano. "Os impactos envolvem uma série de aspectos que afetam diretamente a vida humana", diz.
Uma das esperanças para aumentar a quantidade de chuvas na Amazônia deve vir com o fenômeno La Niña, que é o resfriamento das águas do Pacífico a partir de -0,5 ºC abaixo da média. O fenômeno favorece chuvas na Amazônia, em especial na parte mais ao centro-norte.
A gente está agora na fase de neutralidade [entre El Niño e La Niña]. O La Ninã deve começar, ainda que de forma irregular, no final de setembro e início de outubro.
Mozar Salvador, meteorologista do Inmet
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