Plantações com incentivo da ditadura: quem era o dono das fazendas de Jeri?
O ano era 1979, quando o empresário José Maria de Morais Machado começou a comprar lotes de terra no município de Acaraú, litoral cearense a oeste de Fortaleza. A ideia era fazer plantações de coco e caju na áreas, incentivadas à época pelo IDBF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal), um órgão criado pela ditadura militar (leia mais sobre ele no fim do texto).
A área, naquele tempo, era barata, mas de lá para cá tudo mudou: a parte onde ele tinha terras deixou de ser Acaraú e se transformou no município Jijoca de Jericoacoara (criado em 1991), e as terras adquiriram grande valor comercial.
Segundo o sobrinho dele, Samuel Machado, o tio comprou lotes durante anos para receber benefícios do programa de reflorestamento.
Ele ficou com essa área até 1995, quando as três fazendas que ele tinha na região passaram para a ex-esposa Iracema Correia, de quem se divorciou após 25 anos de casamento. José morreu em 2008, aos 65 anos.
Parte dessas terras hoje fazem parte de outros processos: uma parte foi sobreposta pela Vila de Jeri, que virou ponto turístico até internacional; e outra foi usada para criação do Parque Nacional de Jericoacoara.
Desconhecimento do nome
A "aparição" de Iracema e seu documento de posse gerou surpresa porque os moradores da vila alegam que nunca ouviram falar nela.
Para isso, Samuel tem uma explicação: apenas seu marido ia ao local, já que chegar às fazendas era algo extremamente trabalhoso na década de 1980.
"Para chegar em Acaraú, era uma viagem de pista de terra batida até a primeira localidade, que era distrito de Caiçara. Era uma viagem longa, não existia vila de Jeri. Lá só tinha algumas casas de pescadores, não tinha energia. Ele nunca fez casa de família, era estritamente comercial", conta.
Além disso, ele lembra que, no passado, a área usada para fins econômicos era a distante do mar, que servia para plantação. "A parte de trás da fazenda, na beira da praia, não tinha utilidade porque não servia para plantações. Hoje é contrário, lá é mais valorizado".
Outro ponto é que Iracema, ao separar, decidiu voltar o sobrenome de solteira e tirou o Machado. "Aí as pessoas não fizeram essa ligação ao Zé Maria", relata.
Segundo ele, as pessoas da região conheciam seu tio. "Naquela região ele era conhecido como Zé Maria, e a área, como firma Machado. Tinha o gerente [Antônio Vidal de Lima] que tomava conta das fazendas, que conhecia todo mundo. Ele faleceu ano passado", explica.
"Todas essas terras eram matriculadas e tinham certificado porque o plantio era incentivado pelo IDBF, não tinha como participar sem a documentação nessa época", explica.
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O IDBF foi criado em fevereiro de 1967, no governo Castello Branco para "proteção e conservação dos recursos naturais renováveis e ao desenvolvimento florestal do país".
A missão era elaborar planos de florestamento e reflorestamento no país para todas as finalidades, inclusive econômicas, dando incentivos fiscais e financeiros para quem tivesse terras com esse intuito.
O órgão existiu até o fim da ditadura militar e só foi extinto em 1989, quando uma reformulação da estrutura federal no governo José Sarney passou as funções do IBDF para a Secretaria Especial do Meio Ambiente, ligada ao Ministério do Interior.
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