Brasil não reduz mortalidade materna neste século; taxa cai em vizinhos
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O Brasil é um dos poucos países da América do Sul que viu a taxa de mortalidade materna estagnar no século 21. O dado consta no relatório "Tendências 2000-2023" da OMS (Organização Mundial de Saúde), que aponta estimativas globais e nacionais. O documento foi divulgado anteontem.
De acordo com o estudo (leia a íntegra, em inglês), houve uma queda global de 40% nas mortes maternas nesse período de 23 anos —o que é atribuído, em grande parte, à melhoria do acesso a serviços essenciais de saúde.
No Brasil, essa taxa passou de 69 para 67 mortes por cada 100 mil nascidos vivos, entre 2000 e 2023 —uma redução de apenas 2,9%.
A morte materna ocorre quando uma mulher morre durante a gestação ou até 42 dias após o término da gravidez —seja por parto ou aborto— devido a qualquer causa relacionada à gestação ou agravada por ela ou por intervenções relacionadas.
O relatório da OMS avaliou o número dessas mortes em 195 países e territórios. A taxa global estimada de mortalidade materna em 2023 foi de 197 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos.
O documento aponta imensa desigualdade regional: o país com a maior taxa estimada foi a Nigéria, com 993 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos. Na outra ponta, 28 países têm taxas igual ou menor que 5.

América do Sul e seus avanços
A estagnação do Brasil é uma contramão das tendências dos demais países sul-americanos, que comemoraram reduções significativas no século —com exceção da Venezuela, que viu a taxa explodir devido à crise política e humanitária.
O caso que mais chama a atenção no continente é o do Paraguai, que tinha o segundo maior índice de mortalidade em 2000, mas reduziu 72% sua taxa em 2023 e passou a ter índice 58, melhor que o do Brasil.
Em 2023, a taxa brasileira foi menor apenas que as de Venezuela, Bolívia, Guiana e Suriname.
Veja comparação no período:
Brasil
- 2000 - 69 mortes por 100 mil nascidos vivos
- 2023 - 67
Argentina
- 2000 - 58
- 2023 - 33
Bolívia
- 2000 - 287
- 2023 - 146
Chile
- 2000 - 33
- 2023 - 10
Colômbia
- 2000 - 95
- 2023 - 59
Equador
- 2000 - 123
- 2023 - 55
Guiana
- 2000 - 171
- 2023 - 75
Paraguai
- 2000 - 207
- 2023 - 58
Peru
- 2000 - 115
- 2023 - 51
Uruguai
- 2000 - 23
- 2023 - 15
Venezuela
- 2000 - 86
- 2023 - 227
Suriname
- 2000 - 282
- 2023 - 84
Comparação com outros países latino-americanos:
Cuba
- 2000 - 48 mortes por 100 mil nascidos vivos
- 2023 - 35
México
- 2000 - 56
- 2023 - 42
Honduras
- 2000 - 82
- 2023 - 47
Panamá
- 2000 - 64
- 2023 - 37
Porto Rico
- 2000 - 22
- 2023 - 11
Por que não houve avança no Brasil?
Segundo Jordana Parente, chefe do Comitê de Mortalidade Materna da Maternidade Escola da UFC (Universidade Federal do Ceará), ligada à Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), as mortes maternas no Brasil têm relação direta com três tipos de demora no serviço de saúde das gestantes:
- a gestante conseguir identificar que está com algo grave e precisa de assistência;
- locais de pré-natal distantes, e pacientes demora a buscar o serviço;
- ao chegar ao serviço, há algumas vezes demora do profissional em reconhecer o risco e começar o cuidado.
Uma coisa importante é a mulher discernir o grau de gravidade do problema que ela tem. E também é preciso a capacitação dos profissionais.
Jordana Parente, da UFC

Para Rossana Francisco, professora titular de obstetrícia da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora de obstetrícia do Observatório Obstétrico Brasileiro, o Brasil está atrasado na implementação de medidas de redução da mortalidade.
"Em 2015, quando foram determinados os ODS [objetivos do desenvolvimento sustentável], o Brasil colocou como meta para 2030 ter valores inferiores a 30 para 100 mil nascidos vivos. Nós estamos muito longe, são 25 anos aí praticamente sem avanço", comenta.
Ela cita que as três principais causas direta de mortalidade materna são:
- hemorragias;
- hipertensão específica da gravidez;
- pré-eclâmpsia.
As três causas podem ser, na maioria dos casos, evitadas ou tratadas durante a gestação. Há ainda as mortes indiretas, geradas por problemas que a mulher tinha antes da gravidez, como diabetes e cardiopatias.
Segundo dados do painel de mortalidade materna do Ministério da Saúde, em 2023 morreram 1.325 mulheres no país em decorrência direta do parto. Não há dados ainda de 2024.
Rede deve melhorar serviço
Para melhorar o cenário, Rossana diz que a aposta do país é a rede Alyne, criada em setembro de 2024 para substituir a rede Cegonha e que está fazendo planos regionais para reduzir essa mortalidade.
Essa rede, diz ela, traz um "olhar mais atento" para mulheres pretas, pardas e indígenas. "Essas grávidas têm duas vezes maior chance de apresentar uma morte materna quando engravida do que as brancas, é preciso uma atenção especial."
Segundo o Ministério da Saúde, a mortalidade materna média nos últimos anos no Brasil para a população preta foi 110 por 100 mil nascidos vivos, enquanto entre a população branca é 50.
Mortes maternas por raça no Brasil (2023):
- parda - 54,6% das mortes maternas
- branca - 30,1%
- preta - 10,9%
- indígena - 3,5%
- amarela - 0,1%
- ignorada - 0,8%
Uma novidade da rede é criar ambulatórios de gestação de alto risco. Eles são importantes porque a nossa população está se engravidando cada vez mais tarde, muitas vezes acima de 35 anos, o que tem levado essa população a ter mais riscos.
Rossana Francisco, professora da USP
Outra questão que ela aponta é que a rede fará parte da regulação dos atendimentos. "Nós precisamos fazer com que essas mulheres cheguem aos detalhes corretos em tempo oportuno para que possam ser tratadas", finaliza.
Segundo o Ministério da Saúde, a rede tem investimento previsto para 2025 de R$ 1 bilhão, com o objetivo de reduzir em 25% a mortalidade materna até 2027 e 50% de queda para mulheres pretas.
O programa promete ampliar em três vezes os recursos para pré-natal, ampliar capacidade de UTIs para cuidado materno e habilitação de leitos regionais para gestante de alto risco.
Para isso, foram desenhados quatro pontos:
- distribuição mais equitativa dos recursos para reduzir desigualdades regionais e raciais;
- incremento nos valores de exames de pré-natal e leitos de alto risco e intermediário;
- maior integração entre os serviços para o fim da peregrinação da gestante e qualificação da regulação pelo Samu 192;
- expansão dos serviços de saúde para assistência a gestante e ao bebê.

SUS, crise, pandemia e cesárea
O obstetra Marcos Nakamura, do Instituto Fernandes Figueira da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e vice-presidente da comissão nacional especializada de mortalidade materna da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), explica que o Brasil teve avanços na década de 1990, quando houve a implantação e expansão do SUS. "A gente conseguiu dar acesso a mulheres que não tinham nenhum", cita.
Marcos explica que a partir daí o país não conseguiu novas reduções significativas, mesmo adotando iniciativas importantes, como o pacto nacional de 2004, que pretendia reduzir as taxas de mortalidades materna e neonatal.
A crise econômica a partir de 2015 causou problemas de financiamento do SUS, que vão impactar o sistema. Dali até a pandemia tivemos um momento difícil. A crise também aumenta a pobreza, e isso se expressa em piores indicadores de saúde. Sem contar que a taxa de cesáreas aqui é muito alta [60%], algumas feitas de forma indiscriminada, o que aumenta risco.
Marcos Nakamura, obstetra da Fiocruz
Curiosamente, ele aponta que a criação de mais maternidades, especialmente em pequenos municípios, esconde um problema, já que a maioria das mortes ocorre em locais com menos de 2.000 partos por ano.
O prefeito resolve abrir uma maternidade em um local com pouquíssimos partos: isso faz com que a estrutura necessária não seja continuada por muito tempo. Sem contar que há plantões com equipes incompletas e que, como lidam com poucos partos, têm maior dificuldade nas emergências.
Marcos Nakamura
Ele também aponta que a estabilidade no número de mortes pode, em parte, ser explicada pela diminuição da subnotificação no país. "Houve avanços na investigação de óbitos com a criação de comitês responsáveis por analisar todas as mortes de mulheres em idade fértil. Isso reduziu a taxa de correção, que já foi de 10%, para cerca de 3% atualmente. Os números de hoje refletem melhor a realidade", explica.
4 comentários
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Caio Marcelo Picolo
Culpa do Bozo... não, péra, foi Lula e Dilma quem mais governou o país neste século.. que comece o mi mi mi da militância
Pedro Luiz Dall Oglio
Observaram Venezuela e o o Brasil do. Pt só aumentaram. fora pt ,fora lula
Tanisio Benedito de Araujo
UOL não encontrei nenhuma notícia do Lula e seu governo? No governo anterior o UOL era cheio de notícias sobre o governo do capitão reformado. Onde está Lula?