Livro mostra como STF deixou anonimato e foi parar na mira de golpistas
Quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas por uma turba golpista em 8 de janeiro deste ano, choveram explicações de momento para a catarse social transmitida ao vivo pela televisão. Uma particularidade indicava que não se tratava de um fenômeno simples: o STF (Supremo Tribunal Federal), desconhecido por boa parte dos brasileiros até o início dos anos 2000, era atacado com a mesma virulência com que a multidão destruía o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto.
A despeito do susto inicial, a pesquisadora Grazielle Albuquerque sabia que as imagens eram resultado de um processo iniciado há pelo menos quatro décadas. Jornalista, doutora em ciência política e mestre em políticas públicas, Grazielle conta no livro "Da lei aos desejos: o agendamento estratégico do STF" a gênese de como o tribunal se abriu para o público para construir sua imagem e acabou apedrejado.
Por que o Supremo tornou-se alvo preferencial dos golpistas de 8 de janeiro, ainda que seja o único Poder não eleito diretamente pelo povo? A pesquisadora pontua uma série de marcos históricos que contribuíram para inserir o Judiciário na agenda do interesse público e tornar o STF pop.
O primeiro deles é o julgamento do ex-presidente Fernando Collor, que foi absolvido pelo STF em 1994. Em 1998, o escândalo do superfaturamento do Fórum Trabalhista de São Paulo ganhou as manchetes e, no ano seguinte, foi instaurada no Congresso a CPI do Judiciário.
Não por acaso, o então presidente do STF, Marco Aurélio Mello, inaugurou a TV Justiça em 2002. O Judiciário passou a ser agente ativo na construção de sua imagem para o público. "Era preciso que a comunicação da instituição respondesse de forma adequada às novas demandas", escreve Grazielle, que entrevistou os primeiros assessores de imprensa que atuaram na comunicação do Supremo, bem como os jornalistas encarregados da cobertura do dia a dia do tribunal ao longo das últimas décadas.
O estudo se atém ao recorte temporal entre 1988 e 2004, que representam a data de promulgação da Constituição Federal e a Reforma do Judiciário. O livro ressalta que os acontecimentos desse período foram a antessala do mensalão e da sucessão de fatos que catapultaram o Supremo para o centro das atenções nacionais.
"O período da pesquisa revela como a institucionalidade e a contenção do Tribunal junto aos holofotes, nos anos 1980 e 1990, foram dando lugar à necessidade de estar em uma agenda midiática e pública de forma mais profissional a partir das demandas dos anos 2000. O Supremo estava aprendendo a jogar", diz a pesquisadora.
"A explosão veio com a Ação Penal 470, o Mensalão. Logo após, a Lava Jato e tudo o mais que se seguiu. O início desse processo está aqui. Os elementos nascentes do que seria catarse depois", completa.
Grazielle também mostra como a atenção em torno do STF foi crescente nos últimos anos, não apenas pelos julgamentos que realizava. Em meio à crise do governo Michel Temer, a frase dita pelo então ministro do Planejamento, Romero Jucá, "Com Supremo, com tudo", resumia o cenário nacional.
Ao mesmo tempo, em 2016, a alusão aos ministros da corte crescia em manifestações de rua em apoio à Lava Jato. "Uma cena que, dentre várias outras análises, atesta o nível de exposição do STF - o que seria impensável há alguns anos", afirma a pesquisadora.
"Apesar dos ataques deliberados ao Tribunal, em certa medida, o espaço que o STF passou a ocupar na agenda pública como um ator político contribuiu para esse processo", diz a conclusão do livro.
O jornalista Rodrigo Haidar, dono da editora Amanuense, que publica o livro, resume a importância da obra: "Para entender as cenas horrorosas do ataque ao Supremo em 8 de janeiro é necessário estudar sua superexposição, a transformação do Tribunal de um ilustre desconhecido a um ator dos mais populares do desenho da República. A Grazielle explica a gênese disso com um livro que une rigor acadêmico e texto simples".
Ou, nas palavras da autora: "O livro compõe o prelúdio de uma história que segue em pleno curso".
"Da lei aos desejos: o agendamento estratégico do STF"
Lançamento: 9 de novembro, no Conbrascom (Congresso Brasileiro dos Assessores de Comunicação do Sistema de Justiça), no Tribunal de Justiça do Pará
Editora Amanuense. O livro está em pré-venda.
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