Carolina Brígido

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Mesmo fora do TSE, Moraes seguirá visto por bolsonaristas como algoz

Nos dois anos que ocupou a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o ministro Alexandre de Moraes alçou o posto de inimigo número um do bolsonarismo, assumiu papel de importante interlocutor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Judiciário e articulou no Congresso Nacional formas para amenizar atritos recentes entre os Poderes.

De saída do TSE na próxima segunda-feira (3), Moraes participa hoje (29) da última sessão como presidente do tribunal e vê parte do poder que amealhou ao longo dos últimos anos diminuir. Ainda assim, não o suficiente para retirar-lhe o protagonismo político e judicial.

Como integrante do STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro é relator dos processos com maior potencial para gerar polêmica do país — entre eles, a investigação sobre a atuação de milícias digitais na propagação de fake news e as ações contra golpistas que invadiram as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. Entre os investigados, estão o ex-presidente Jair Bolsonaro e militares de alta patente.

Foi sob a batuta de Moraes que o TSE atestou a inelegibilidade de Bolsonaro. Nas eleições de 2022, o ministro, que já era alvo de ataques de bolsonaristas, passou a ser ainda mais atacado. Foi acusado, sem qualquer tipo de comprovação, de ter tramado a derrota do ex-presidente nas urnas.

Ainda que esteja no centro dos holofotes no STF, a expectativa é que Moraes perca o foco das atenções em breve. O mais provável é que os processos de mais destaque dos quais é relator se encerrem em até um ano. Ele mesmo afirma a intenção de julgar boa parte dos casos relativos ao 8 de janeiro até o fim do ano.

Junto com Moraes, Gilmar Mendes, Cristiano Zanin e Flavio Dino são os principais interlocutores de Lula no Judiciário. Foi com o quarteto que o presidente jantou na noite de 15 de abril. Na casa de Mendes, a conversa foi sobre estratégias para debelar os ataques do Congresso em direção ao Supremo.

O presidente do tribunal, Luis Roberto Barroso, não foi convidado para o evento. Embora tenha a porta sempre aberta para o diálogo institucional com Lula, não é o forte do ministro a articulação política.

Na gestão Bolsonaro, o cenário era outro. O presidente da República atacava a nata do Judiciário diariamente. Um dos efeitos desse movimento foi a união de integrantes do STF em torno da defesa institucional do tribunal. O estilo de Lula é o oposto: ele quer se aproximar dos ministros. Como nem todos são convidados para os convescotes, isso provoca ciúme de parcela da Corte.

A interlocução de Moraes não é proficiente apenas com o Executivo. Na crise do Judiciário com o Legislativo, Moraes tomou a iniciativa de conversar com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Barroso também procurou Lira, mas por telefone, para tentar desarmar o Congresso nas medidas planejadas para reduzir os poderes do Supremo.

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Moraes começou a alçar voo em 2019, quando recebeu de mão beijada de Dias Toffoli, então presidente do tribunal, a relatoria do inquérito das fake news. Não se sabia naquele momento que o caso completaria cinco anos de duração ainda sem previsão de chegar ao fim.

Estava acertado nos bastidores do STF que os inquéritos das fake news e das milícias digitais terminariam no início de 2023. Com a derrota de Bolsonaro nas urnas e a vitória de Lula, a relação entre o Judiciário e o governo federal distensionou. O encerramento dos inquéritos serviria para colocar um ponto final nos quatro anos de atrito entre os Poderes vistos na gestão Bolsonaro.

Mas veio o 8 de janeiro e os planos mudaram. Dentro do Supremo, apesar das críticas dos colegas aos métodos heterodoxos de Moraes conduzir os processos, o apoio às medidas adotadas por ele ainda é majoritário. Tanto que o plenário costuma legitimar todas as decisões do ministro nas investigações.

Fora do STF, a realidade é outra. Especialmente no Congresso Nacional, a pressão é no sentido do encerramento das investigações e do corte das asas de Moraes. Parte do que os parlamentares consideram abuso de poder do Supremo vem do gabinete de Moraes.

O clima azedou entre o Supremo e o Congresso depois que o ministro ordenou a prisão do deputado federal Chiquinho Brazão, suspeito de mandar matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. Em contrapartida, os parlamentares ameaçaram retaliar com projetos que limitam o poder do tribunal.

Por obra do acaso — e do algoritmo do STF responsável por sortear a relatoria de processos —, Moraes também é relator do caso Marielle. Mais um para completar seu arsenal de poder. A expectativa é que a investigação do caso termine também até o fim do ano.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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