Carolina Brígido

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Opinião

STF é o maior privilegiado com vaivém na regra do foro

Ao longo dos últimos anos, a regra do foro privilegiado sofreu mudanças interpretativas no STF (Supremo Tribunal Federal). Um novo julgamento sobre o tema, agendado para sexta-feira (20) no plenário virtual, deve resultar em ajuste no entendimento atual. Como ocorreu em outras ocasiões, o maior beneficiado tende a ser o próprio tribunal.

A mais nova discussão sobre o foro privilegiado surge com dois panos de fundo. O mais recente é a acusação de assédio sexual contra o ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida. A partir da decisão que se ensaia, Almeida pode ter um inquérito aberto no Supremo mesmo já fora do cargo.

Outro fator, porém, fala mais alto: os ataques que o STF tem sofrido por parte do Congresso Nacional - ora manifestado, pela ameaça de abertura de processo de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, ora pelas votações de propostas que minam a autonomia do tribunal.

A Constituição Federal lista uma série de cargos ocupados por autoridades com direito ao julgamento em foro especial. Embora pareça linear, a regra tem sido interpretada de formas diferentes ao longo dos anos.

Em 2007, no julgamento da denúncia do mensalão, o relator Joaquim Barbosa, hoje aposentado, sugeriu que ficassem no STF apenas processos contra autoridades com direito ao foro especial. A maioria rejeitou a sugestão e abriu-se uma ação penal contra 40 réus - inclusive contra pessoas sem direito ao foro, mas que tinham cometido crimes conexos aos das autoridades.

A interpretação ampliativa conferiu superpoderes ao Supremo, mas também prejudicou o funcionamento da corte. Muitas ações tiveram o julgamento adiado porque o processo do mensalão monopolizou as atividades do plenário.

Em 2014, passado o julgamento do mensalão, os ministros decidiram mudar o regimento interno e passaram a julgar ações penais nas turmas - são duas, cada uma com cinco ministros, sem a participação do presidente.

No ano seguinte, chegou ao STF uma enxurrada de inquéritos das Lava Jato e novamente o tribunal se viu sobrecarregado. Os ministros da Segunda Turma, onde ocorriam os julgamentos, passaram a ter dificuldade para dar vazão a outros processos. Começou a ser discutida nos bastidores mais uma mudança na regra do foro. Dessa vez, para desafogar o tribunal.

Em 2018, o plenário do tribunal chegou a um consenso: reduzir o foro privilegiado a autoridades investigadas por fatos relacionados ao cargo e em decorrência dele. Uma avalanche de processos deixou o STF rumo a instâncias inferiores.

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A mudança, pensada para esvaziar os gabinetes, acabou gerando outra consequência: a redução de poderes da corte. Na época, era vantagem ter menos autoridades sob o manto do Supremo. Agora, diante das ameaças do Congresso, soa interessante para o tribunal ter como atribuição conduzir investigações sobre o maior número de parlamentares possível.

E é algo nesse caminho que vem sendo delineado no julgamento que começa na sexta-feira. Já existe maioria para a manutenção da prerrogativa de foro para ex-autoridades, nos casos de crimes cometidos quando a pessoa ainda ocupava o cargo e em razão dele.

Segundo a maioria dos ministros, se a investigação já está aberta no tribunal, ela não pode ser transferida para outra instância quando a autoridade perde o foro, para não prejudicar o andamento das apurações. Na prática, a interpretação devolve ao tribunal o poder de julgar mais parlamentares.

Quanto ao foro indicado para julgamento das ações penais, o tempo mostrou que as mudanças acontecem ao sabor da ocasião. Em 2020, encerrada a Lava Jato, as ações penais voltaram a ser examinadas pelo plenário principal, formado pelos onze ministros.

No ano passado, diante dos mais de 1.300 acusados da tentativa de golpe de 8 de janeiro, as ações penais foram devolvidas para as turmas, como forma de não sobrecarregar o plenário.

O episódio também serviu para novamente ampliar a interpretação sobre quem tem direito ao foro especial. Havia inicialmente apenas cinco deputados federais entre os acusados. Os demais responderam a processos no STF por conexão com os crimes praticados pelas autoridades.

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A aposta da coluna é que, encerrados esses casos, a depender dos próximos acontecimentos, será possível assistir novamente a julgamentos de ações penais no plenário do STF.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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