Carolina Brígido

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Opinião

Gilmar Mendes, as convicções sobre José Dirceu e o vento

Há decisões judiciais que envelhecem mal. Ou pior: nem têm a chance de envelhecer. Logo vem o mesmo tribunal e decide em sentido oposto.

José Dirceu é um personagem que, a depender da época, pode ser condenado ou descondenado pela opinião pública. Nesta terça-feira (29), o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), demonstrou que não apenas a opinião pública oscila com o vento, mas também os próprios juízes.

Em uma decisão de 24 páginas, Mendes reescreveu não somente a história de Dirceu, mas também sua própria percepção sobre o réu.

Em 2012, Mendes era convicto da responsabilidade de Dirceu para garantir o sucesso do mensalão, o esquema de compra de apoio político instalado no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sem titubear, votou pela condenação do então chefe da Casa Civil.

Assinalou que o PT tinha um projeto de poder que combinava dois objetivos: a expansão do partido e a formação da base aliada. "Havia um entrelace entre projetos partidários e de governo, e José Dirceu tinha a responsabilidade de coordenação", afirmou em plenário.

"Evidentemente que não é ilícito ao ministro-chefe da Casa Civil realizar reuniões, em caráter reservado, ou receber empresários e dirigentes de instituições financeiras. A ilicitude advém do contexto em que os fatos se entrelaçam, na medida em que o chefe da Casa Civil se reúne exatamente com os dirigentes das instituições financeiras que advogam interesses privados alheios a sua competência e que concedem, inclusive com coincidência temporal, os malsinados empréstimos utilizados para irrigar, ao que tudo indica, a corrupção de parlamentares", completou.

Em 2016, já no governo Dilma Rousseff, mas ainda na mesma toada, Mendes suspendeu a nomeação de Lula como ministro da Casa Civil. Para ele, ficou claro que houve tentativa de fraude às investigações da Lava Jato. "O objetivo da falsidade é claro: impedir o cumprimento de ordem de prisão de juiz de primeira instância. Uma espécie de salvo conduto emitida pela Presidente da República", escreveu.

Na mesma decisão, o ministro determinou que a investigação de Lula fosse mantida nas mãos do então juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba.

Aproveitou a ocasião para dizer que a conversa entre Dilma e Lula interceptada pela Lava Jato e divulgada por Moro poderia caracterizar crime de responsabilidade, o que poderia motivar um processo de impeachment contra a então presidente.

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"Se houver avaliação de que se trata de medida para descredenciar a Justiça, obstrução de Justiça certamente está nos tipos de crime de responsabilidade. Pode ter outros dispositivos aplicáveis da legislação penal", afirmou Mendes há oito anos.

Nesta terça-feira, o mesmo ministro usou a decisão tomada em favor de Dirceu para criticar os vazamentos da Lava Jato.

"As iniciativas exóticas por ele (Moro) tomadas nesses processos, ao monitorar advogados, vazar ilegalmente conversas telefônicas, divulgar documentos sigilosos na véspera da eleição e atuar proativamente para manter o paciente preso em meio às eleições de 2018, somente se explicam pelo desejo de impulsionar movimentos sociais e forças de oposição ao partido político liderado pelo paciente - forças estas a que ele mesmo, em seguida, viria a aderir, quando aceitou o convite para integrar o governo de Jair Bolsonaro", escreveu Mendes.

Também na decisão divulgada hoje, Mendes critica a Lava Jato por ter enfraquecido intencionalmente o PT - o mesmo partido que foi alvejado no julgamento do mensalão. "Nestes autos, a defesa de José Dirceu alega que, assim como ocorreu com o paciente, sua investigação, prisão e condenação decorreram de uma estratégia concebida, organizada e executada pela força-tarefa da Lava Jato e pelo ex-Juiz Sérgio Moro para debilitar o partido político criado, em 1980, pelo requerente e pelo atual Presidente da República. Os argumentos da defesa são consistentes", escreveu Mendes.

O pedido de Dirceu chegou ao STF em fevereiro e a decisão foi tomada apenas ontem, um dia após as eleições municipais. A decisão é uma extensão do habeas corpus concedido a Lula em 2021, quando a Segunda Turma do STF reconheceu que Moro foi parcial na condução de investigações da Lava Jato.

Cinco anos depois da divulgação das mensagens da Lava Jato, no que ficou conhecido como Vaza Jato, Mendes chega à conclusão de que os investigadores de Curitiba citaram José Dirceu no processo do triplex do Guarujá apenas para respaldar a condenação de Lula. E concluiu: "Quem acha que essa sincronia é simples coincidência decerto não tem compromisso com fatos nem com o devido processo legal!"

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Mendes também ressaltou que "os membros da força-tarefa da Lava Jato se especializaram na utilização de estratégias midiáticas, baseadas na espetacularização do processo penal, para influenciar a opinião pública contra os investigados e seus defensores".

Hoje, considerar que Dirceu foi uma vítima da Lava Jato coincide com o vento da opinião pública. Em 2016, o cenário era diferente. Naquele ano, o ministro Luís Roberto Barroso assinou o indulto de Dirceu. O réu havia recebido da presidente Dilma o perdão da pena imposta pelo STF no julgamento do mensalão.

Como relator das execuções penais do processo, Barroso não tinha alternativa senão assinar o documento. Chamou a imprensa para explicar a decisão. Ainda assim, apanhou - de Gilmar Mendes, inclusive.

Já em 2017, em um julgamento sobre a extinção do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará, a prosa mudou de rumo e virou discussão áspera entre os dois ministros no plenário do STF.

"Nós os prendemos, tem gente que solta", disse Barroso. Gilmar respondeu: "Veja o caso... Solta cumprindo a Constituição. Quem gosta de prender? Vossa excelência quando chegou aqui soltou o José Dirceu". Barroso explicou que o réu tinha recebido induto presidencial e emendou: "Não transfira para mim essa parceria que vossa excelência tem com a leniência em relação à criminalidade de colarinho branco". Mendes respondeu: "Hehehe, imagine".

Barroso concluiu: "Vossa excelência vai mudando a jurisprudência de acordo com o réu. Isso não é estado de direito, é estado de compadrio. Juiz não pode ter correligionário".

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Em tempo: hoje, os dois ministros têm relação de cordialidade no tribunal.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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