Golpe, Musk, eleição: STF chega fortalecido para regulamentar redes sociais
Ao menos três fatores recentes incentivaram o STF (Supremo Tribunal Federal) a ignorar a leniência do Congresso Nacional e regulamentar, ele mesmo, o funcionamento das redes sociais e das plataformas de internet no Brasil. Entre os motivos estão a difusão de ideias golpistas, a briga de Elon Musk com o Judiciário e as campanhas eleitorais.
O motivo mais premente é a tentativa de golpe que dominou o alto escalão do governo Bolsonaro, passando pelo 8 de janeiro de 2023, pela bomba que explodiu em frente ao Supremo há duas semanas e culminando nos novos indícios trazidos pelo relatório da Polícia Federal divulgado ontem (26).
O julgamento começa nesta quarta-feira (27), um dia após o ministro Alexandre de Moraes levantar o sigilo do relatório da PF que indiciou Bolsonaro e outras 36 pessoas por participação na tentativa de golpe.
No texto, a PF vincula o movimento golpista à atuação das chamadas milícias digitais bolsonaristas, que teriam utilizado as redes sociais para difundir desde 2019 questionamentos à credibilidade do sistema eleitoral eletrônico.
Para PF, essa dinâmica de difusão intensa de informações falsas reforçadas por autoridades contribuiu para o radicalismo de parte da população que protestou em frente aos quartéis, resultando no 8 de janeiro.
Ainda segundo o relatório, os discursos inflamados contribuíram para o florescimento de um radicalismo que segue em estado de "latência" - e que teria impulsionado o ataque com bombas em frente ao STF.
"Para o desenvolvimento da empreitada criminosa, os investigados durante todo o processo se utilizaram do modus operandi da denominada milícia digital. Nesse sentido, os produtores de dados falsos, difundiram em alto volume, por multicanais, de forma rápida, contínua e repetitiva a ideia de que tanto nas eleições de 2018 quanto nas eleições de 2022 foram identificadas diversas vulnerabilidades nas urnas eletrônicas, que "teriam revelado" a arquitetura de uma grande fraude para prejudicar unicamente o então presidente da República Jair Bolsonaro, culminando com sua derrota no pleito de 2022", anotaram os investigadores.
O contexto reforça entre os ministros do STF a urgência de se regulamentar as redes sociais e confirma a tendência já delineada no primeiro semestre para o julgamento: colocar um freio na atuação das plataformas.
Será analisada a constitucionalidade do artigo 19 do chamado Marco Civil da Internet. Com a justificativa de "assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura", a norma diz que as plataformas somente serão responsabilizadas por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se não cumprirem decisão judicial de remover conteúdo específico.
A tendência do julgamento é que o Supremo obrigue as plataformas a removerem, por conta própria, publicações de fatos manifestamente inverídicos feitas por usuários, ou mensagens de incitação ao ódio e ao cometimento de crimes, mesmo que não haja ordem judicial específica nesse sentido.
No tribunal, o julgamento é tratado como o grande tema da atualidade, com potencial para mudar parâmetros na comunicação na internet. Por isso, é pouco provável que as discussões não se encerrem ainda neste ano.
Serão analisadas três ações em conjunto. Primeiro, três ministros vão apresentar relatórios: Dias Toffoli, Luiz Fux e Edson Fachin. Antes de começar a votação, os advogados das causas vão se manifestar em plenário, bem como a PGR (Procuradoria-Geral da República).
Até o recesso de fim de ano do STF, que começa em 20 de dezembro, estão previstas oito sessões plenárias. Entre os ministros, a avaliação é de que não seria tempo suficiente para encerrar os debates. Há também expectativa de pedido de vista, o que adiaria a conclusão do julgamento.
Outros fatores impulsionaram o STF a agendar o julgamento, a começar pela omissão do Congresso Nacional. A Corte chegou a marcar a discussão do tema em plenário em outras ocasiões, mas acabou adiando, para dar mais tempo para os parlamentares legislarem sobre os limites da atuação das plataformas, mas a estratégia falhou.
A situação se agravou no primeiro semestre, quando o bilionário Elon Musk passou a usar o X, de sua propriedade, para atacar o ministro do STF Alexandre de Moraes. A disputa entre os dois resultou na retirada da rede social do ar.
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Quero receberEm seguida, postagens de candidatos às eleições municipais em redes sociais atacando adversários, muitas vezes com fake news, deixaram ainda mais claro para ministros do Supremo que a regulamentação das plataformas era um tema inadiável.
A avaliação de que o STF precisaria agir logo foi aguçada pelo episódio das bombas. Antes das explosões, Francisco Wanderley Luiz, o autor dos ataques, publicou em redes sociais mensagens ameaçadoras dirigidas à Polícia Federal e ao STF. O catarinense costumava divulgar ideias típicas da extrema direita nas redes sociais, com ênfase para a retórica anticomunista e críticas frequentes ao STF.
Nos últimos meses, ministros do Supremo têm dado declarações públicas alertando para a necessidade de regulamentação das redes. Cármen Lúcia, que também é presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), resumiu o sentimento da Corte quando disse, ao fim do primeiro turno das eleições municipais: "As redes precisam cada vez mais de ser aprimoradas. No caso das plataformas, que precisam de ter regulamentação, porque não há espaço para ausência de norma".
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