Carolina Brígido

Carolina Brígido

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Golpe, Musk, eleição: STF chega fortalecido para regulamentar redes sociais

Ao menos três fatores recentes incentivaram o STF (Supremo Tribunal Federal) a ignorar a leniência do Congresso Nacional e regulamentar, ele mesmo, o funcionamento das redes sociais e das plataformas de internet no Brasil. Entre os motivos estão a difusão de ideias golpistas, a briga de Elon Musk com o Judiciário e as campanhas eleitorais.

O motivo mais premente é a tentativa de golpe que dominou o alto escalão do governo Bolsonaro, passando pelo 8 de janeiro de 2023, pela bomba que explodiu em frente ao Supremo há duas semanas e culminando nos novos indícios trazidos pelo relatório da Polícia Federal divulgado ontem (26).

O julgamento começa nesta quarta-feira (27), um dia após o ministro Alexandre de Moraes levantar o sigilo do relatório da PF que indiciou Bolsonaro e outras 36 pessoas por participação na tentativa de golpe.

No texto, a PF vincula o movimento golpista à atuação das chamadas milícias digitais bolsonaristas, que teriam utilizado as redes sociais para difundir desde 2019 questionamentos à credibilidade do sistema eleitoral eletrônico.

Para PF, essa dinâmica de difusão intensa de informações falsas reforçadas por autoridades contribuiu para o radicalismo de parte da população que protestou em frente aos quartéis, resultando no 8 de janeiro.

Ainda segundo o relatório, os discursos inflamados contribuíram para o florescimento de um radicalismo que segue em estado de "latência" - e que teria impulsionado o ataque com bombas em frente ao STF.

"Para o desenvolvimento da empreitada criminosa, os investigados durante todo o processo se utilizaram do modus operandi da denominada milícia digital. Nesse sentido, os produtores de dados falsos, difundiram em alto volume, por multicanais, de forma rápida, contínua e repetitiva a ideia de que tanto nas eleições de 2018 quanto nas eleições de 2022 foram identificadas diversas vulnerabilidades nas urnas eletrônicas, que "teriam revelado" a arquitetura de uma grande fraude para prejudicar unicamente o então presidente da República Jair Bolsonaro, culminando com sua derrota no pleito de 2022", anotaram os investigadores.

O contexto reforça entre os ministros do STF a urgência de se regulamentar as redes sociais e confirma a tendência já delineada no primeiro semestre para o julgamento: colocar um freio na atuação das plataformas.

Será analisada a constitucionalidade do artigo 19 do chamado Marco Civil da Internet. Com a justificativa de "assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura", a norma diz que as plataformas somente serão responsabilizadas por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se não cumprirem decisão judicial de remover conteúdo específico.

Continua após a publicidade

A tendência do julgamento é que o Supremo obrigue as plataformas a removerem, por conta própria, publicações de fatos manifestamente inverídicos feitas por usuários, ou mensagens de incitação ao ódio e ao cometimento de crimes, mesmo que não haja ordem judicial específica nesse sentido.

No tribunal, o julgamento é tratado como o grande tema da atualidade, com potencial para mudar parâmetros na comunicação na internet. Por isso, é pouco provável que as discussões não se encerrem ainda neste ano.

Serão analisadas três ações em conjunto. Primeiro, três ministros vão apresentar relatórios: Dias Toffoli, Luiz Fux e Edson Fachin. Antes de começar a votação, os advogados das causas vão se manifestar em plenário, bem como a PGR (Procuradoria-Geral da República).

Até o recesso de fim de ano do STF, que começa em 20 de dezembro, estão previstas oito sessões plenárias. Entre os ministros, a avaliação é de que não seria tempo suficiente para encerrar os debates. Há também expectativa de pedido de vista, o que adiaria a conclusão do julgamento.

Outros fatores impulsionaram o STF a agendar o julgamento, a começar pela omissão do Congresso Nacional. A Corte chegou a marcar a discussão do tema em plenário em outras ocasiões, mas acabou adiando, para dar mais tempo para os parlamentares legislarem sobre os limites da atuação das plataformas, mas a estratégia falhou.

A situação se agravou no primeiro semestre, quando o bilionário Elon Musk passou a usar o X, de sua propriedade, para atacar o ministro do STF Alexandre de Moraes. A disputa entre os dois resultou na retirada da rede social do ar.

Continua após a publicidade

Em seguida, postagens de candidatos às eleições municipais em redes sociais atacando adversários, muitas vezes com fake news, deixaram ainda mais claro para ministros do Supremo que a regulamentação das plataformas era um tema inadiável.

A avaliação de que o STF precisaria agir logo foi aguçada pelo episódio das bombas. Antes das explosões, Francisco Wanderley Luiz, o autor dos ataques, publicou em redes sociais mensagens ameaçadoras dirigidas à Polícia Federal e ao STF. O catarinense costumava divulgar ideias típicas da extrema direita nas redes sociais, com ênfase para a retórica anticomunista e críticas frequentes ao STF.

Nos últimos meses, ministros do Supremo têm dado declarações públicas alertando para a necessidade de regulamentação das redes. Cármen Lúcia, que também é presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), resumiu o sentimento da Corte quando disse, ao fim do primeiro turno das eleições municipais: "As redes precisam cada vez mais de ser aprimoradas. No caso das plataformas, que precisam de ter regulamentação, porque não há espaço para ausência de norma".

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes