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Chico Alves

Bolsonaro ficou inconformado e furioso com setor de inteligência limitado

Presidente Bolsonaro tornou pública a insatisfação com o serviço de inteligência na reunião de 22 de abril - Reprodução/UOL
Presidente Bolsonaro tornou pública a insatisfação com o serviço de inteligência na reunião de 22 de abril Imagem: Reprodução/UOL

Colunista do UOL

22/08/2020 15h05

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Uma das principais decepções de Jair Bolsonaro ao se tornar presidente da República foi constatar que o serviço de inteligência do governo está longe de ser o que esperava. Trazendo na cabeça a referência das práticas da ditadura militar (1964-1985), período muitas vezes elogiado por ele, o ocupante do Palácio do Planalto imaginou que as possibilidades de monitoramento fossem muito maiores.

Foi surpreendido pelas limitações impostas na legislação ao Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), algo que motivou vários rompantes de fúria de Bolsonaro em um ano e oito meses de gestão. A insatisfação tornou-se pública com a divulgação da reunião ministerial de 22 de abril, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

"O meu (serviço de informação) particular funciona. O que tem oficialmente, desinforma", criticou presidente, na ocasião. Dias depois da exibição do vídeo da reunião ministerial nas TVs e sites, ele admitiu usar informações privilegiadas, repassadas por policiais civis e militares do Rio de Janeiro — o que é ilegal.

Os limites da ação dos agentes da Abin (Agência Brasileira de inteligência) foram demonstrados à equipe de Bolsonaro já no período de transição, em fins de 2018. Os bolsonaristas não gostaram do que ouviram.

Tanto que o ex-ministro Gustavo Bebianno, morto em março, disse em entrevista ao programa Roda Viva que Carlos Bolsonaro propôs no início do governo a criação de uma "Abin paralela". Segundo contou Bebianno, foram os generais Carlos Alberto dos Santos Cruz, à época na Secretaria de Governo, e Augusto Heleno, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), que bloquearam a ideia.

Ministério da Justiça produziu dossiê

Nesse clima, integrantes do governo tentam se mostrar afinados com a preocupação de Bolsonaro e seus filhos. Isso explica em parte a iniciativa de funcionários do Ministério da Justiça que produziram o dossiê sobre 579 policiais antifascistas e quatro professores universitários. Nesta semana, o STF ordenou o encerramento da produção do dossiês sobre servidores.

O levantamento ficou pronto em junho, quando o presidente referiu-se como "terroristas" a jovens que participaram de uma passeata antifascista em Curitiba, onde uma bandeira do Brasil foi queimada.

Os policiais antifascistas e os professores citados no dossiê, porém, não têm qualquer relação com os manifestantes do Paraná.

A fixação do presidente levou à recente reformulação da Abin. Em portaria publicada na segunda-feira (17) no Diário Oficial da União, o governo remanejou 97 servidores da agência para criar o Centro de Inteligência Nacional (CIN).

"Não houve aumento de gastos com pessoal", explicou no Twitter o general Augusto Heleno, sobre esse remanejamento. "Houve reorganização da Abin para melhor integração do Sistema Brasileiro de Inteligência; aperfeiçoamento da inteligência na proteção de autoridades".

CIN deve priorizar trabalho de agentes na rua

O UOL ouviu um agente da Abin e um funcionário qualificado da agência, sob garantia de anonimato. Para eles, essas mudanças têm como objetivo tornar o serviço menos analítico incrementar o trabalho de campo. Por isso, vários cargos de melhor remuneração foram desmembrados para que haja maior número de agentes com menor salário. Ou seja: as análises estratégicas perdem importância.

"A Abin serve ao presidente dados para análise estratégica dos cenários interno e externo, mas Bolsonaro quer mesmo saber de ações mais agudas", diz o funcionário da agência.

Esse objetivo do presidente, no entanto, esbarra nos limites da lei brasileira. Na prática, o único recurso de que a Abin lança mão com mais frequência é a infiltração de agentes ou informantes nas organizações suspeitas. Para isso é usada inclusive uma verba secreta, prevista no Orçamento da União.

Abin não pode grampear, função da polícia

Ao contrário do que muitos imaginam — o próprio presidente Bolsonaro imaginava —, a agência é proibida por lei de lançar mão de recursos como interceptação telefônica ou escuta ambiental, mesmo com autorização judicial. Isso é tarefa exclusiva da polícia.

Como a legislação não permite esse tipo de trabalho, a agência não pode inclusive adquirir equipamentos para fins de interceptação telefônica, grampo de internet ou escuta ambiental.

Mesmo o trabalho de infiltração não é devidamente regulamentado. Agentes reclamam que um deles pode ser preso caso a Polícia Federal faça um flagrante contra o grupo criminoso em que está infiltrado.

Há vários projetos tramitando no Congresso para regulamentar o trabalho dos agentes e para tornar mais efetiva a ação dos órgãos da Abin. Não há, porém, perspectiva de que sejam apreciados pelos deputados.

Generais da reserva apostam no CIN

Mesmo assim, Bolsonaro não desiste de turbinar a inteligência do governo. Como mostrou o jornalista Vinicius Sassine, no jornal O Globo, o Gabinete de Segurança Institucional teve em 2019 gastos 68% maiores do que a média anual do que foi desembolsado nos três anos anteriores. O gasto com diárias e passagens dos agentes da Abin nos primeiros 18 meses do governo Bolsonaro é 51% maior que no mesmo período de Michel Temer e 550% maior que nos primeiros 18 meses de Dilma Rousseff.

Na visão dos militares, sempre muito preocupados com o trabalho da inteligência, tanto o aumento de gastos quanto a criação do Centro de Inteligência Nacional se justificam.

Para o general da reserva Maynard Santa Rosa, que comandou a Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo Bolsonaro até novembro, quando pediu demissão, a alta nas despesas objetiva compensar a defasagem na estrutura de funcionamento. "Considerando a paralisia anterior, esses dados não me surpreendem", diz ele.

Sobre a criação do CIN, ele é favorável. "A Inteligência é o principal mecanismo de defesa do Estado. Enquanto a comunidade federal de Inteligência brasileira não chega a cinco mil pessoas, a dos Estados Unidos, somando os setores público e privado, chega a seis milhões".

O general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz, que foi ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro, acha que a criação do CIN pode dar bons resultados. "Tudo vai depender da regulamentação, da doutrina, dos métodos de aquisição de conhecimento, da qualidade das análises", diz ele.

Para senador Randolfe, há uma "estrutura antidemocrática"

Nos meios civis, a reestruturação que Bolsonaro promove na área é vista com desconfiança.

Estudioso dos serviços de inteligência, o doutor em ciência política pela Universidade de Chicago e professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco Jorge Zaverucha diz que, pela lei, a Abin não pode ser operacional, como parece querer o presidente.

"A agência foi criada para recolher, organizar e analisar informações disponíveis", diz ele. "É a diferença da Abin para o Mossad, por exemplo, que coleta informações e é operacional". Para ele, se o presidente realmente quiser operacionalidade terá que mudar a legislação.

Sobre o CIN, Zaverucha diz que o texto do decreto que cria o órgão é nebuloso. "Não são definidos os conceitos com precisão, nem as áreas de atividade. Tudo pode se encaixar, qualquer coisa que eu quiser vou dizer que é subversão", critica. "A Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência deveria perguntar ao general Augusto Heleno o que querem com isso, mas o Congresso se omite".

Integrante da comissão, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) acha que o grupo terá que acelerar suas atividades. "Nunca a comissão de inteligência teve tanto trabalho como vai ter agora", prevê Randolfe. "Temos que convocar a comissão para trabalhar mais, tem uma estrutura antidemocrática sendo montada".

Para o senador, nada justifica o aumento de gastos na área. "Essa Abin com estrutura menor funcionou para a Copa, para a Olimpíada, para a Rio +20. Nos últimos 20 anos tivemos eventos que pediam aparatos de Estado para evitar ações terroristas, o que não há agora", diz ele. "Só uma coisa justifica a montagem dessa estrutura: espionagem interna contra cidadãos, contra opositores".