Com 200 mil mortos, Pazuello tenta (em vão) dar ordem unida à imprensa
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No dia em que o Brasil ultrapassou a trágica marca de 200 mil mortos pela covid-19, o general da ativa Eduardo Pazuello, que ocupa o Ministério da Saúde, fez um pronunciamento em que foi mais general do que nunca. Cara fechada, cenho franzido, tom de repreensão, o chefão da pasta dirigiu-se à imprensa como um oficial que fala aos seus comandados.
Disse o que os veículos devem ou não reportar, bradou que meios de comunicação não têm atribuição de interpretar os fatos e falou em tom de ordem unida: "Deixem que o povo tire suas próprias conclusões".
Pouco antes da reprimenda, já tinha criticado várias vezes a imprensa pela suposta parcialidade no noticiário relativo ao Ministério da Saúde. Na sua visão, a pasta está fazendo tudo certo e a ideia de que haja atraso ou confusão na compra de vacinas e insumos é falácia criada pelos jornalistas.
Entre outras coisas, o general disse que não entende a dúvida sobre se o ministério fará ou não a compra da CoronaVac, já que essa iniciativa foi anunciada em outubro.
Parece ter esquecido que a autoridade máxima do país, seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, foi quem o desmentiu.
Menos de 24 horas depois de Pazuello anunciar a intenção de comprar 46 milhões de doses, Bolsonaro disse a um de seus seguidores nas redes socais que o imunizante da Sinovac não seria comprado. Nas semanas seguintes, o presidente fez várias declarações nesse sentido.
Aí está, ministro, o motivo da dúvida.
Pazuello reclamou também do termo "fracasso" usado para definir o resultado da recente tentativa de compra de 330 milhões de seringas e agulhas, que terminou com a compra de menos de 3% dessa quantidade. Argumentou que o processo de aquisição ainda está em andamento e que municípios e estados podem suprir o fornecimento desses insumos.
Tudo muito bom. Mas em qualquer órgão público ou empresa privada uma licitação que consegue adquirir apenas 3% do produto pretendido será, sim, tachada como fracasso.
Também não se sustenta a explicação de que seringas e agulhas não foram compradas em nome da economia de recursos públicos. Se fosse mesmo o craque da logística, como foi apresentado à opinião pública, Pazuello saberia que quanto mais cedo procurasse os fabricantes, melhor teria sido o preço.
Como não o fez, teve que se submeter às implacáveis leis do mercado.
Em outro momento, o irritado ministro lamentou que a imprensa esteja informando que vários países estão à frente do Brasil na corrida pela vacinação. Em sua contabilidade, o número de 4 milhões de pessoas vacinadas no mundo, algo inferior à população do Rio de Janeiro, seria pequeno o que mostraria que a vacinação em massa não está acontecendo.
Menos de duas semanas depois do início da vacinação, ninguém imaginou que os países já tivessem perto de fazer cobertura total. Mas o fato é que várias nações já deram a largada nesse processo e o Brasil não tem ainda data estabelecida.
Estamos, portanto, atrasados.
O Pazuello que tentou recitar aos jornalistas o que devem ou não escrever é o mesmo que aceitou as ordens de Bolsonaro para liberar o uso da cloroquina contra o coronavírus, tentou esconder os números diários de casos e mortes na pandemia, atrasou a compra de remédios essenciais para intubação e deixou passar a data de validade para milhões de testes de covid-19.
A única falha que o ministro admite é a de comunicação, atividade que avalia ser muito complexa. Em meio a uma pandemia como a que vivemos, realmente é importante que as autoridades de Saúde se comuniquem bem. Não é tão difícil.
Bastaria que Pazuello mantivesse as entrevistas coletivas que seus antecessores faziam diariamente, respondendo a perguntas e tirando dúvidas.
O general, no entanto, optou por mergulhar em longos períodos de silêncio e falar aos jornalistas apenas episodicamente.
Esse contato com a imprensa é necessário para que os cidadãos saibam o que está acontecendo, entendam como se prevenir e possam se tranquilizar.
A volta desses esclarecimentos feitos pelo próprio Pazuello seria útil ao Brasil. Não um pronunciamento emburrado como o de hoje, em que o ministro fez sua catarse e saiu do recinto sem responder a nenhuma pergunta.
Talvez porque já soubesse de antemão que, apesar da cara amarrada, nenhum jornalista iria obedecer às suas ordens.
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