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Chico Alves

REPORTAGEM

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Ex-ministro da Defesa: 'Bolsonaro aposta em dividir as Forças Armadas'

Aldo Rebelo - Reprodução de vídeo
Aldo Rebelo Imagem: Reprodução de vídeo

Colunista do UOL

24/05/2021 15h53

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Ex-ministro da Defesa do governo Dilma Rousseff, Aldo Rebelo analisa com muita preocupação a participação do general Eduardo Pazuello no ato político em apoio ao presidente Jair Bolsonaro, algo que vai contra as normas das Forças Armadas. Nesse episódio, observa Rebelo, foram quebrados dois princípios de ouro da instituição militar: a hierarquia e a disciplina. Tudo fica pior diante da constatação de que a participação de Pazuello foi incentivada pelo próprio presidente.

"Se uma instituição dessas é penetrada pela anarquia política isso é uma tragédia", disse o ex-ministro à coluna. "Quem conhece Bolsonaro sabe que isso para ele não tem a menor importância, ele aposta em dividir as Forças Armadas, desde que fique com uma parte delas".

Rebelo teme que as discussões políticas invadam os quartéis, com debates entre grupos bolsonaristas, antibolsonaristas e outras correntes. Com isso, os militares deixariam de ser uma opção de solução para os problemas do país e passariam a ser um problema a mais. E bem grave.

Nessa entrevista, o ex-ministro reconhece que a encrenca criada por Pazuello e Bolsonaro é delicada para a cúpula das Forças Armadas, mas lembra que ao desobedecer os princípios constitucionais o presidente deve ser confrontado.

"Se Bolsonaro viola os princípios da Constituição, ele perde legitimidade de comandante", afirma.

UOL - Como o sr. analisa a participação do general Eduardo Pazuello no evento político ao lado do presidente Bolsonaro?

Aldo Rebelo - É claro que quem acompanha a história do Brasil só pode contemplar um episódio desses com a mais elevada preocupação. Pois instituições como as Forças Armadas assentam a sua existência em princípios universais, que valem para qualquer país. São os princípios da disciplina e o da hierarquia, que se combinam para subordinar as decisões, o comando, a uma orientação única.

Quando alguém rompe com um desses princípios, seja o da disciplina ou da hierarquia, isso não se dá em caráter individual. Não há nas Forças Armadas disciplina ou hierarquia para um indivíduo ou para parte da instituição. Isso tem que valer para todos. Se o coronel rompe a disciplina em relação ao general, ele deverá saber que um major poderá rompê-la em relação ao coronel.

Um general da ativa incorpora na farda a representação da instituição, do Estado, do país. Se um general acha que pode subir em um palanque e fazer proselitismo e aderir a um partido político, quem vai impedir que um sargento faça o mesmo? Ou um cabo, um soldado?

As opiniões, a pluralidade das ideias políticas podem entrar nos quartéis e daqui a pouco você vai ter assembleia dos bolsonaristas, assembleia dos antibolsonaristas, assembleias de todas essas correntes políticas. Isso seria ruim para a instituição Forças Armadas. Ao invés de ser parte da solução dos problemas que o país enfrenta, elas seriam um problema a mais. E um problema grave, porque é uma instituição de Estado, fundadora da nacionalidade.

Se uma instituição dessas é penetrada pela anarquia política isso é uma tragédia. Quem conhece Bolsonaro sabe que isso para ele não tem a menor importância, ele aposta em dividir as Forças Armadas, desde que fique com uma parte delas.

O erro inicial não foi permitir que Pazuello assumisse o ministério sem passar para a reserva?

Um oficial não é automaticamente encaminhado para a reserva por ocupar um cargo no governo. O general Fernando Azevedo foi indicado por mim, quando era ministro do Esporte, para presidir a Autoridade Pública Olímpica e ele não foi para a reserva. O problema não é esse.

O problema é que quando ele volta para a ativa, ele é reincorporado às Forças Armadas e se comporta como um militante político. Aí é que está o problema, aí reside a quebra dos princípios que regem essas instituições e que podem desencadear um processo irreversível e estimulado pelo presidente da República.

Qual a resposta que o Exército deve dar ao ato irresponsável do general Pazuello?

As normas que regem esses dois princípios nas Forças Armadas, hierarquia e disciplina, preveem punição para todos os casos. Eles (integrantes da cúpula do Exército) têm que examinar, sei que não é um problema fácil. Pazuello participou de um ato levado pelo presidente da República.

Mas a vida pregressa do presidente nesse aspecto, disciplina e hierarquia, não é bem um exemplo. Ele foi expulso das Forças Armadas exatamente por ferir esses princípios. A sua atividade como deputado foi sempre em confronto com esses princípios. Agiu como sindicalistas de parcela das Forças Armadas, sempre fez esses movimentos em porta de quartel, nunca teve apreço pelas normas militares. Nunca teve uma atitude respeitosa com relação à hierarquia das Forças Armadas. Isso tudo faz parte da vida dele.

Os chefes militares sabem disso e precisam se precaver. Claro que os comandantes devem obediência ao presidente da República. Mas eles e o presidente devem obediência à Constituição. Se o presidente viola os princípios da Constituição, ele perde legitimidade de comandante.

Ele não pode querer transformar as Forças Armadas em parte de uma milícia política, de uma gendarmeria política a serviço dos interesses dele.

Bolsonaro criou uma situação complicada para os comandantes das Forças Aramadas...

O presidente da República tem que ser respeitado porque foi eleito, mas quando se arvora em violador da Constituição ele dever ser confrontado. Ninguém pode aceitar isso da parte de ninguém, nem do presidente da República. Deve ser confrontado com os gestos de irresponsabilidade dele.

Se todos no país devem respeitar a Constituição, o primeiro dever é do presidente da República. A atitude do presidente é sempre educativa, pedagógica, para o bem ou para o mal. Se é para o mal, ele deve ser confrontado, não se deve aceitar.

Ele deveria ser o líder político da nação nesse momento difícil, não se comportar como um aventureiro, irresponsável. Deveria dar exemplo, unir o país para enfrentar as dificuldades, a pandemia, a crise. Mas ele age no sentido contrário. Não para unir, mas para dividir; não para pacificar, mas para semear o ódio, a discórdia, o conflito. Não pode ser.

Acredita que esse é o momento-limite para evitar a ruptura institucional definitiva?

Eu não creio que Bolsonaro tenha autoridade, liderança, para impor qualquer solução extraconstitucional. Não tem capacidade para isso. Mas cria uma confusão, desorienta o país, que deveria concentrar energias materiais, políticas e espirituais para enfrentar a crise. Ele, pelo contrário. Foi eleito dividindo o país e acha que pode governar assim, dividindo. É uma situação muito difícil.