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No deserto da polarização política no Brasil, um instituto semeia o diálogo
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Não é desafio fácil definir a linha ideológica de uma instituição que promove debates com personalidades tão díspares quanto Fernando Haddad, Kim Kataguiri, Sérgio Etchegoyen, Guilherme Boulos, Marina Silva e Gilmar Mendes, entre vários outros. Esse enigma proposital é um dos trunfos que levou o Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) a figurar entre os mais importantes espaços de discussão e reflexão sobre os problemas do país.
Nesse tempo de polarização, em que qualquer palavra fora do receituário de um lado ou de outro pode transformar alguém em adversário, não são muitos os que estão dispostos a mexer em vespeiro tão grande. "Gostaria de mostrar que o diálogo é possível entre as diferentes vertentes políticas do Brasil", explica à coluna o advogado paulista Walfrido Warde, presidente do IREE.
Desde 2016, quando criou o instituto, Warde procura se manter fiel a essa proposta. É imensa a variedade de seminários, debates e cursos oferecidos pela instituição, sempre contemplando visões divergentes e até opostas sobre um mesmo assunto. Centenas de figuras como parlamentares de quase todos os partidos, ex-presidentes, militares, sociólogos, filósofos, economistas, produtores de cultura que podem colaborar para planejar políticas públicas já passaram por lá.
Unindo teóricos, políticos e gestores que já estiveram à frente dos destinos do país, as discussões travadas resultam em momentos relevantes. Foi em um webinar do IREE, por exemplo, que o ex-comandante do Exército, general Edson Pujol, criou um dos primeiros pontos de atrito com o presidente Jair Bolsonaro, ao dizer, em novembro do ano passado, que a força não é instituição de governo. Questões candentes como essa estão sempre em pauta.
"Achei fundamental criar a partir da sociedade civil e de um método de metapolítica, de formação de opinião, uma base para realizar mudanças efetivas, mas democraticamente postas", observa o presidente do IREE. Cinco anos depois, a criatura tomou proporções que surpreendem o criador.
Warde acumula a direção do instituto com o trabalho como sócio de um bem-sucedido escritório em São Paulo que atua junto a gigantes empresariais, frequentemente em disputas que envolvem bilhões de reais. Assim como o instituto que dirige, ele procura se manter equidistante também no campo pessoal. Define-se politicamente como "democrata".
Não deixa, porém, de expor opiniões agudas sobre vários assuntos. "Está claro que os governos se afastaram do povo nos últimos anos no Brasil", lamenta. "Discutem aspectos centrais do país como se o povo não existisse".
O advogado tem sérias objeções à Operação Lava Jato, que responsabiliza pela crise econômica que o país atravessa. "Desse posto de observação privilegiado do capitalismo e do poder econômico, concluí, na virada de 2014 para 2015, que a Operação Lava Jato poderia destruir as empresas brasileiras", recorda. "Sobretudo aquelas que representavam a espinha dorsal da economia do país".
Essa convicção foi uma das inspirações para Warde criar o IREE, uma oportunidade de apontar novos caminhos para a relação entre empresas e o Estado.
Além disso, ele reclama do desprezo de integrantes da Lava Jato por garantias constitucionais que são a base de uma doutrina liberal, fruto do Iluminismo: "O garantismo virou sinônimo de leniência com bandidos".
As críticas ao trabalho de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e cia. levaram o advogado a escrever o livro "O Espetáculo da Corrupção", uma análise que destaca os pontos negativos da força-tarefa de Curitiba.
Warde procura, no entanto, não misturar suas convicções pessoais com os posicionamentos do IREE.
Costuma dizer que o país não terá revolução socialista e nem golpe militar, mas o medo dessas duas coisas cria o imobilismo. É essa apatia que Warde pretende quebrar.
Ele faz analogia do clima de aridez política no Brasil com o processo de plantio e colheita. "O que sugerimos com essa proposta de consenso mínimo é permitir que a terra se refaça, que os nutrientes voltem a alimentar as plantas e as flores, para termos um jardim minimamente aceitável", compara.
Debates sobre temas como reforma administrativa, combate às desigualdades, direitos humanos, Amazônia, pandemia, Forças Armadas são usados como sementes para fertilizar novas propostas.
O subproduto mais recente do instituto é a Kope, uma espécie de escola aberta, que tem conteúdo igual ou melhor que o das grandes universidades, com professores que muitas instituições acadêmicas não podem ter.
São 11 mil alunos, em 18 cursos à distância a cargo de 300 mestres como o doutor em Direito e professor de filosofia Silvio Almeida, o sociólogo Boaventura Souza Santos, o jornalista Reinaldo Azevedo (colunista do UOL), o historiador Luiz Antonio Simas e a professora de filosofia Carla Rodrigues, entre muitos outros.
É fazendo circular ideias dessa forma que Warde acredita contribuir para quebrar a barreira da incomunicabilidade entre as várias forças políticas e econômicas do país. "Precisamos de capitalistas com os quais o povo consiga operar e de organizações da sociedade civil que organizem o povo para operar dentro do razoável", sugere.
A opção pela diversidade ideológica cobra seu preço. A instituição já foi identificada por alguns como sendo de esquerda, por outros como um braço da direita, houve quem a vinculasse ao centro e até quem diga que ela é amorfa. Se escolhesse um lado, aposta o criador do instituto, a adesão ao projeto seria maior.
Mas ele pretende manter o enigma.
Para o advogado, a polarização é o resultado da intoxicação pelas certezas, uma praga nacional. Por isso, direciona o IREE para o caminho inverso.
"O que queremos é instilar a dúvida, o questionamento saudável", define Warde.
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