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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Desmonte do Enem é mais uma obra de Bolsonaro, especialista em destruição

O presidente Jair Bolsonaro em evento em Russas, no Ceará - Alan Santos/PR
O presidente Jair Bolsonaro em evento em Russas, no Ceará Imagem: Alan Santos/PR

Colunista do UOL

14/11/2021 11h12

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A principal especialidade do governo Jair Bolsonaro é destruir políticas públicas que funcionavam bem há muitos anos. Conseguiu bagunçar o Ibama, o Bolsa Família, a Funai, a Conitec, o COAF e por aí vai? Um dos pontos de resistência vinha sendo o Enem. Desde o início do mandato, a equipe de Bolsonaro faz o possível para bombardear o exame criado em 1998 para servir a milhões de estudantes como acesso à universidade gratuita. Na edição de 2021, o padrão de esculhambação almejado pelo presidente da República está bem perto de ser alcançado.

O colombiano Vélez Rodriguez, primeiro entre os ministros da Educação da atual gestão, começou a desmontar a organização do exame. Não teve tempo de concluir a obra, já que ficou somente quatro meses no cargo. O substituto, Abraham Weintraub, fez um belo trabalho: a edição 2019 do Enem foi um festival de confusões.

Naquele ano, houve de tudo um pouco. O Inep, instituto responsável pela elaboração, logística e correção da prova, teve quatro presidentes. Um deles ficou apenas 18 dias no posto. De denúncia de contratação sem licitação da gráfica que imprime as provas a vazamento das questões, passando por erro na correção de 6 mil candidatos, houve um show de erros.

O famigerado Weintraub voltou à carga em 2020, em plena pandemia. Aconteceram problemas na inscrição e candidatos do Enem digital tiveram dificuldade de saber o local das provas. Por causa da covid-19, o exame foi transferido de novembro para janeiro de 2021 e, mesmo tendo tempo a mais para organizar tudo, muita coisa saiu errada. Com um número menor de pessoas nas salas, por causa do distanciamento social, alunos inscritos foram barrados. A desordem teve fecho de ouro com a impossibilidade de acesso ao site com os resultados.

Chegamos a 2021 com 35 servidores do Inep pedindo demissão a 13 dias do início das provas. Reclamam de assédio moral, de interferência no trabalho técnico e antecipam problemas no sistema de correção das questões. O presidente do instituto, Danilo Dupas, foi ao Congresso garantir que está tudo sob controle. Veremos.

A cereja desse bolo indigesto foi a forma negligente como o ministro atual, Milton Ribeiro, lidou com as dificuldades causadas pela pandemia. Estudantes de escolas públicas de todo o Brasil reclamam que o conteúdo ensinado em aulas remotas não supriu a necessidade de aprendizado - até porque muitos alunos sequer têm acesso à internet.

Mesmo diante desse quadro dramático, o Ministério da Educação teve em 2020 o menor orçamento desde 2011 e, ainda assim, gastou menos do que poderia. Acabou devolvendo R$ 1 bilhão aos cofres públicos, dinheiro que poderia reduzir os obstáculos dos alunos de baixa renda que não conseguiram ter aulas remotas de qualidade.

Com tantos motivos de desestímulo, somente 3,1 milhões de candidatos confirmaram participação no Enem 2021, a menor adesão desde 2005. Será a edição mais desigual do exame, como mostra a reportagem de Ana Paula Bimbati.

Esse resultado trágico estava nos planos do ministro Milton Ribeiro, que em agosto disse com todas as letras que "universidade deveria, na verdade, ser para poucos". Ele está conseguindo o objetivo.

Mas é preciso reconhecer que a estratégia não é de Ribeiro. O primeiro responsável pela pasta, Vélez Rodriguez, disse em janeiro de 2019 que "universidade não é para todos".

Do primeiro ao atual ministro, todos defenderam a exclusão - é uma estratégia de governo.

Pelo que se vê no Enem 2021, Jair Bolsonaro está completando com sucesso mais uma obra de destruição.