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Chico Alves

REPORTAGEM

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Ocupação do Jacarezinho tem muita violação e pouco benefício, diz advogado

Joel Luiz Costa - OAB/RJ
Joel Luiz Costa Imagem: OAB/RJ

Colunista do UOL

14/02/2022 11h38

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Em maio do ano passado, depois que uma operação da Polícia Civil resultou em 28 mortes na favela do Jacarezinho, o advogado Joel Luiz Costa, 32 anos, gravou um vídeo que viralizou nas redes sociais. Nascido e criado no local, ele lamentava aos prantos o interminável clima de guerra que transforma o cotidiano dos moradores em uma sucessão de tragédias.

"É desanimador fazer a gente pensar que não tem solução. Entraram no Jacarezinho, mataram 25 pessoas ou mais, e isso acabou com o tráfico de drogas? A partir de amanhã não vai ter mais?", questionou.

Há pouco menos de um mês, a polícia voltou ao Jacarezinho, desta vez para ficar. É o projeto Cidade Integrada, uma espécie de UPP repaginada que o governador Claudio Castro (PL) quer apresentar como uma de suas realizações. Depois da ocupação pelas armas, a promessa era de que o governo levaria à comunidade serviços públicos que estavam em falta.

Nessa entrevista à coluna, Joel, que faz parte da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (RJ) e é coordenador do Instituto de Defesa da População Negra, avalia qual efeito a iniciativa teve no cotidiano dos moradores.

Denúncias de truculência policial e desrespeito aos direitos básicos dos residentes no Jacarezinho são a tônica, sem a contrapartida da melhoria dos serviços sociais, segundo ele. "Até aqui só teve fuzil e violações - a gente tem muita denúncia sobre isso - e meia dúzia serviços para enganar os bobos", diz Joel.

UOL - Como você avalia esse período de implantação do projeto Cidade Integrada? Foi benéfico para a comunidade ou não?

Joel Luiz Costa - Nesse primeiro momento, a comunidade se deparou com uma ocupação policial espetaculosa e apenas serviços pontuais, como por exemplo Detran (emissão de documentos) e uma assistência básica que não demandaria uma ocupação nesses moldes para serem ofertados à comunidade. Ainda estamos tentando entender se sai algum benefício disso. Porque até aqui só teve fuzil e violações - a gente tem muita denúncia sobre isso - e meia dúzia serviços para enganar os bobos. A política do pão e circo é o que tem acontecido até o presente momento.

Moradores têm reclamado da truculência policial e de abordagens que muitas vezes não obedecem as leis. Essas denúncias têm chegado à OAB?

Essas denúncias têm chegado em profusão e elas são as mais variadas possíveis. Teve um pico na última quinta-feira (10) em que um morador foi morto sem a princípio ter acontecido nenhum confronto ou operação. Ele morreu em uma rua e vídeos de moradores mostram claramente a polícia removendo o corpo dele. A gente não sabe se foi prestação de socorro ou adulteração do local do crime.

Tem denúncias que chegaram a mim de violência física, que vamos encaminhar quando oportuno, violação de domicílio e abusos dos mais diversos. A gente sabe como a favela é tida como território sem lei, um território que tem um "um mal a ser coibido" e a sociedade fecha os olhos a qualquer abuso em prol dessa coerção genérica e falaciosa. Então, as violações acontecem em grande quantidade.

Não há um controle social efetivo, não há um controle da mídia, não há um acompanhamento tal qual no asfalto. Por isso, as denúncias de violação têm se repetido, a ponto de moradores colocarem aviso no portão de casa quando saem para trabalhar, dizendo: "Eu moro sozinho aqui, trabalho o dia inteiro e a casa vai ficar fechada. Se o policial precisar abrir, pegar a chave no número tal". Isso para evitar que na ausência dessa pessoa a casa seja violada.

O que se tem é um grande mandado genérico, ainda que obviamente não oficial, que dá margem a abusos nessa comunidade que, vale mencionar, é um território racializado, com uma população majoritariamente negra.

O governador disse que o programa Cidade Integrada levaria também benefícios sociais à comunidade. Isso aconteceu?

Os benefícios ainda não chegaram. O que a gente tem ainda é basicamente uma ocupação territorial militar e a prestação de serviços pontuais que não demandariam toda essa pirotecnia para serem executados. Então, a população ainda espera. Sobre os serviços, os futuros benefícios prometidos, ainda há poucos detalhes. A população espera no escuro.

O Brasil acompanhou o episódio do Yago Corrêa, preso em uma padaria do Jacarezinho sem motivo algum. O que esse caso revela sobre o projeto de ocupação?

O caso do Yago mostra a facilidade que é prender um jovem negro em qualquer periferia desse país. Um mero depoimento do policial, sem qualquer prova suplementar, material, para dar robustez àquele depoimento, é válido para tirar a liberdade de um jovem no Rio de Janeiro. Sobretudo um jovem preto, da periferia. Isso independente de ter passagem pela polícia ou não. A gente está falando de qualquer jovem negro na periferia do Rio.

Isso mostra como o sistema de Justiça tem a sua parcela de culpa. Aquele tipo de prisão frágil, bizarra, não seria possível se o policial não tivesse convicção de que o sistema de Justiça iria endossar a sua acusação genérica e abstrata. A leitura é essa: a polícia sobe o morro para caçar bandido e todo o jovem negro é um bandido em potencial. Não há segurança pública que se faça na lógica do nós contra eles, bandidos contra mocinhos, do policial herói contra o favelado vilão. Isso é controle de corpos, controle de grupos indesejados. A gente sabe que a polícia do Rio de Janeiro faz isso historicamente.

Essa cidade não é partida à toa. Ela vive um apartheid social, uma separação implícita de corpos. Esse tipo de leitura, de quem é bandido e quem é mocinho, de quem traz risco para a sociedade e quem não traz, permite esse apartheid, permite a separação dos indesejados contra os desejados.

E os indesejados precisam ser controlados não só no discurso, mas também na força bruta. É isso que mostra esse tipo de ocupação militarizada, acéfala, sem nenhum debate com a comunidade envolvida: vamos lá reprimir, controlar, sufocar os indesejados, para que os desejados, os do asfalto, possam existir na sua plenitude e na sua paz.