Topo

Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Decisão da ONU sobre Moro e Lula deve servir de alerta à imprensa

Lula e moro -
Lula e moro

Colunista do UOL

29/04/2022 10h18

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A imprensa brasileira prestou e presta valiosos serviços ao país. Para ficar apenas no que acontece nos dias atuais, foi graças a jornalistas dos grandes veículos de comunicação que a população ficou sabendo de casos importantes como o orçamento secreto, o gabinete paralelo de pastores no MEC e da empreiteira que ganhou a maior parte das obras de pavimentação do governo de Jair Bolsonaro.

Também foi por causa da imprensa que o Brasil pôde ter uma contagem confiável de vítimas e casos da covid-19 e recebeu orientações seguras sobre como lidar com a pandemia, prestadas por inúmeros especialistas em saúde que durante dois anos se revezaram em uma esclarecedora maratona de entrevistas. Se dependesse do governo, ninguém teria informação correta.

Da mesma forma que tem grandes acertos, o jornalismo brasileiro também erra. Como todas as instituições.

O dramático é que os erros da imprensa têm enorme repercussão e podem causar gigantescos prejuízos. Muitas vezes, esses estragos têm consequências históricas.

Foi o que aconteceu com o tratamento dado à cobertura da operação Lava Jato e às acusações feitas contra o ex-presidente Lula. Difícil encontrar caso recente em que jornalistas tenham abdicado tão fortemente do senso crítico para idolatrar um grupo de procuradores e um juiz que por vários anos foram apresentados como heróis justiceiros.

Abuso do recurso da delação premiada, perseguição a advogados de defesa, prisões coercitivas arbitrárias, acusações sem provas, interceptações telefônicas ilegais, concessão de privilégios à acusação, egolatria, tudo isso estava bem claro na atuação do grupo de Deltan Dallagnol e do magistrado Sergio Moro mesmo antes das revelações feitas pelo The Intercept Brasil, na série Vaza Jato.

Nada disso predominou no noticiário durante os seis da operação Lava Jato.

Tomada por um sentimento de antipetismo, a imprensa acabou tendo papel fundamental para potencializar a demonização da legenda e seus integrantes.

Os bilhões de reais recuperados em dinheiro desviado pela corrupção são o principal argumento de quem defende a força-tarefa. É preciso lembrar, porém, que foi passando por cima das leis para combater criminosos que nasceram as milícias no Rio de Janeiro. Deu no que deu. Antes vistos como paladinos, os milicianos agora se sentem acima das leis para praticar todo tipo de ilegalidades.

Fazer justiça equivale a punir cada um exatamente na medida dos crimes cometidos. Nem mais, nem menos. Se entre 20 condenados há três inocentes, houve injustiça. Se para condenar os culpados houve desobediência ao processo legal, houve injustiça. Se alguém deveria ter sido condenado a dois anos e foi punido com cinco, houve injustiça.

Essas premissas básicas foram quebradas pela Lava Jato, com o apoio e aplauso da imprensa. Como uma das principais consequências dessa coleção de arbitrariedades, Lula, o favorito dos eleitores em 2018, foi preso e alijado da corrida à Presidência.

O resultado está aí, o desgoverno de Jair Bolsonaro.

Mesmo com o reconhecimento pelo STF da parcialidade de Moro e das ilegalidades cometidas pelo grupo de Dallagnol, parte do jornalismo ainda se recusa a mudar de conceito sobre os justiceiros de Curitiba. Tanto que os pré-candidatos Moro e Dallagnol continuam sendo tratados com deferência e não como os autores do maior embuste jurídico da historia do Brasil.

Quem não reconhece "autoridade moral" no STF para rever as decisões da Lava Jato, terá que se desdobrar para argumentar agora contra a decisão da ONU, reconhecendo que Lula teve julgamento parcial e fora das leis. Dirão que a ONU é petista?

Lula tem razão em cobrar um pedido de desculpas da mídia, mas no fundo sabemos que ele não o terá.

Mais útil será se nós da imprensa usarmos esse momento para uma revisão de rota.

O próprio colunista, que nunca foi entusiasta da Lava Jato, reconhece que deveria ter sido ainda mais enfático nas críticas às práticas de Moro, Dallagnol e cia. nos tempos em que eles ainda estavam em ação.

Nas redações, jornalistas que discordavam dos métodos lavajatistas por muito tempo silenciaram suas críticas, por receio de serem rotulados como militantes do PT.

Agora que há o reconhecimento internacional das ilegalidades da Lava Jato e diante das consequências nefastas da atuação desses personagens, a imprensa precisa fazer autocrítica. Mesmo que interna.

É bom também lembrar aqueles jornalistas que resistiram e, mesmo em minoria, não abriram mão de apontar os absurdos da "República de Curitiba".

O Brasil caótico de hoje é, em parte, resultado da fé cega que o jornalismo depositou durante anos nesses falsos heróis.

A nós, jornalistas, resta reconhecer que o país não precisa de justiceiros. Seja nos tribunais, seja nas redações.