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Chico Alves

REPORTAGEM

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É cegueira moral, diz Julio Lancellotti sobre Bolsonaro minimizar a fome

Retrato do padre Júlio Lancelotti durante distribuição de alimentos na Paróquia Sao Miguel Arcanjo, no bairro da Móoca - Ricardo Matsukawa/UOL
Retrato do padre Júlio Lancelotti durante distribuição de alimentos na Paróquia Sao Miguel Arcanjo, no bairro da Móoca Imagem: Ricardo Matsukawa/UOL

Colunista do UOL

27/08/2022 11h34

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O padre Julio Lancellotti reagiu à declaração do presidente Jair Bolsonaro de que o problema da fome no Brasil não é tão grave quanto se diz. "Já viu alguém pedindo pão na porta da padaria? Você não vê, pô", disse ontem Bolsonaro, em entrevista ao programa Pânico, da rádio Jovem Pan. Padre Julio rebateu em sua conta no Twitter: "Eu vejo todos os dias".

O religioso, que é reconhecido pelo trabalho na Pastoral do Povo de Rua de São Paulo, onde distribui alimentos e roupas aos sem-teto, falou à coluna sobre a gravidade da afirmação do presidente.

O padre acredita que a afirmação seja parte da retórica política ou que então o presidente vive em uma "bolha". Seja como for, Julio Lancellotti avalia que a frase caiu muito mal no meio do povo brasileiro.

"Negar uma realidade tão dura, tão triste, como a fome é doloroso demais", lamenta.

UOL - Como o sr. encara a declaração do presidente, que tentou minimizar o problema da fome no país?
Julio Lancellotti - É uma fala que causa um certo impacto, porque qualquer que seja a linha ideológica nesse momento polarizado, todos veem a fome. O que muda é a reação que você tem em relação a isso. Uns sentem indiferença, outros preferem a negação. Mas todo mundo vê.

A gente recebe notícias do Brasil todo. Hoje, até quem está nas cidades de pequeno porte percebe o aumento de demanda de pessoas pedindo socorro porque não têm o que comer.

Mesmo aqueles que têm acesso aos benefícios, ao auxílio, contam que não é suficiente para alimentar adequadamente o grupo familiar.

Então, ao que sr. atribui essa afirmação do presidente de que não se vê pessoas pedindo pão nas padarias?
Eu acho que é mais uma retórica política ou então ele está em uma bolha, falta informação. Eu não conheço ninguém na vida diária que diga que não percebe a fome. Até pode ter julgamentos inadequados, morais, sobre isso. Mas dizer que não há, que isso não existe, é impossível. Isso é uma miopia, é uma cegueira moral como diria o [escritor José] Saramago.

Qual a gravidade da afirmação, levando-se em conta que o presidente da República deveria ser o principal responsável por reverter essa situação?
Eu acho que quem deve estar muito preocupado com essa afirmação é a assessoria dele, é o marketing político. Porque é uma afirmação que cai muito mal nesse momento. Qualquer candidato diria que existem muitas pessoas que não têm acesso à alimentação e se comprometeria a fazer melhor ou lutar para que isso desapareça do meio do nosso povo.

Nenhum assessor de marketing político vai dizer para o candidato que não existe fome no Brasil. Pode minimizar ou maximizar os dados, mas todos vão dizer que se comprometem a lutar contra a fome.

Fora isso, é a negação da realidade. Ou é miopia social ou desumanidade. Negar uma realidade tão dura, tão triste como a fome é doloroso demais. Eu acredito que uma afirmação como essa caiu muito mal para o povo brasileiro.

É uma frase que fica para a história.