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Para defender democracia, STF arrisca criar mártires bolsonaristas
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* Vinícius Rodrigues Vieira
A crise institucional que o Brasil vive desde que Jair Bolsonaro assumiu o posto de Chefe de Estado chega àquele que pode ser o ponto de fervura em que o já combalido edifício constitucional se dissolverá nas águas turvas do autoritarismo.
A prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) por ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tem o potencial de tornar realidade o desejo do presidente e seus fanáticos seguidores: uma ruptura institucional para acabar com leis corruptas que supostamente beneficiam apenas aqueles que, segundo os radicais de direita, afrontam a vontade popular.
Nesta quarta-feira de cinzas, espera-se que, pautado pelo presidente da Câmara dos Deputados e aliado de Bolsonaro Arthur Lira (Progressistas-AL), o plenário da casa vote a prisão do deputado. Lira promete serenidade — apenas se espera que isso não seja sinônimo de que a Câmara virou um puxadinho do Planalto, que já deve estar agindo para livrar seu correligionário.
Se os deputados atuarem conforme o corporativismo parlamentar, Silveira será solto. Se por um milagre o bom senso prevalecer, o deputado, que ganhou notoriedade nacional ao rasgar em ato na campanha de 2018 uma placa de rua em homenagem a Marielle Franco, poderá se rotular um preso político, fornecendo ao bolsonarismo gás adicional para uma ruptura institucional tal e qual já foi ensaida outras vezes, como em maio passado.
A última mensagem de Silveira antes de ser preso, via Twitter, dá o tom do que virá nos próximos dias. Falando para Moraes, o parlamentar disse: "Você está entrando em uma queda de braço que você não pode vencer. Você acha que vai me assustar e calar? Só vai me motivar, isso é combustível para que eu continue a provar para o povo brasileiro quem são vocês que ocupam o cargo de ministros do STF. Tenha certeza: a partir daqui, o jogo evoluiu um pouquinho".
Ou seja, na visão do bolsonarismo, o jogo deu um passo rumo à ruptura institucional — ou, em português claro, a um golpe de Estado ou guerra civil. Silveira arrematou a mensagem com uma fala digna de um participante de suicídio coletivo: "Vou dedicar cada minuto do meu mandato a mostrar quem é Alexandre de Moraes, Fachin, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, [José Dias] Toffoli, [Ricardo] Lewandowski. Vou colocar um por um de vocês em seus devidos lugares. Pelo meu país estou disposto a matar, morrer ou ser preso. Você acabou de rasgar a Constituição mais uma vez".
Os fanáticos — à esquerda e à direita — são assim: querem matar ou morrer em nome de um ideal. Hoje, no Brasil, o radicalismo está na extrema direita. Houvesse extrema esquerda por aqui, a prisão de Lula em 2018 teria suscitado nesse lado do espectro político a gritaria que começou na última madrugada — e que deve se seguir até que os poderes retomem a suposta harmonia que, segundo a Constituição, existe entre eles.
Cabe, porém, lembrar que já houve no lado petista quem defendesse o fechamento do Supremo após a prisão do ex-presidente, sendo o caso mais notório o do então deputado federal Wadih Damous (PT-RJ). Diferentemente de Silveira, entretanto, ele não incitou a violência contra membros da corte.
Para Bolsonaro e sua matilha, porém, a lógica fascista impera: não há instituições dignas de respeito — apenas interesses que devem ser sufocados em nome da suposta vontade coletiva da nação. Nada melhor, portanto, que um ou mais mártires para despertar a centelha que falta ao início de uma muito esperada intervenção militar supostamente constitucional conclamada pelo presidente contra os demais poderes.
Se houver tentativa de golpe, o alvo, sem dúvida, será o Judiciário, haja vista que o Legislativo é hoje presidido por aliados de Bolsonaro. Num contexto em que STF e o ex-comandante do Exército — porém ainda influente na caserna — general Eduardo Villas Bôas trocam farpas por conta do tuíte publicado pelo último em 2018, com uma ameaça de golpe caso Lula fosse solto, todo cuidado é pouco.
Membros do alto comando do Exército e seus egressos que hoje integram o governo devem ter passado a madrugada de terça-feira para quarta-feira coçando os dedos, com vontade de puxar o gatilho que vai ferir de morte nossa agonizante democracia. O infravermelho dos snipers já deve estar mirando a "cabecinha" do nosso regime político e opositores do maior basculho da história do Brasil: o bolsonarismo.
* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em Relações Internacionais por Oxford e professor na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e na pós-graduação da FGV
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