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Entendendo Bolsonaro

OPINIÃO

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De olho em 2026, bolsonaristas fazem vista grossa ao golpismo do presidente

Arthur Lira - Elaine Menke/Câmara do Deputados
Arthur Lira Imagem: Elaine Menke/Câmara do Deputados

Colunista do UOL

28/10/2022 11h10

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* Vinícius Rodrigues Vieira

Roberto Jefferson jogando granadas contra a polícia, 'radiogate' no Nordeste e em Minas, reunião de emergência com ministros militares, proposta inconstitucional de adiar o segundo turno: desde o último domingo, vivemos praticamente uma tentativa de golpe a cada 24 horas.

Assim, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vai encerrando sua busca por um segundo mandato. Os que sempre subestimaram o atual chefe de Estado tendem a dizer que os insucessos dele refletem limitações intelectuais e políticas. A realidade, porém, parece-me mais complexa: com os resultados do primeiro turno demonstrando que o bolsonarismo é maior que Bolsonaro, aqueles aliados já eleitos têm poucos incentivos para se engajar, hoje, numa subversão da ordem. Eles estão em condições de mudá-la por dentro, em especial no legislativo federal.

Na prática, portanto, o capitão começa a ser abandonado por seus partidários. Na coletiva do radiogate, o presidente evitou elevar o tom contra Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por falta de apoio dos aliados. Não, caro leitor, cara leitora: nem Bolsonaro, nem o bolsonarismo — este entendido como um movimento de extrema direita —estão mortos. Todavia, a criatura — o fenômeno de massas de direita mais bem-sucedido da história do Brasil — pode tranquilamente sobreviver e impor sua agenda à sociedade sem que seu criador comande o governo federal.

Para quê aliados mais ideológicos, com mandato garantido para os próximos quatro anos, vão apoiar o adiamento do calendário eleitoral, sob o risco de colocar em xeque seus mandatos? A troco de quê aqueles mais pragmáticos vão perder a oportunidade de barganhar apoio com Lula, ainda mais com orçamento secreto disponível? O presidente da Câmara, Arthur Lira, já disse que vai cumprimentar o petista caso eleito.

Confirmadas as expectativas, Lula deve ser eleito neste domingo para um terceiro mandato, vestindo não mais a roupa de líder sindical convertido em político social-democrata, mas o traje que no pós-ditadura caberia a Tancredo Neves e foi usurpado pelo destino. Será a oportunidade para consolidar as conquistas sociais da Constituição de 1988 em meio à luta para reindustrializar o país. Espero que o ex-presidente, diferentemente do que fez em seus dois primeiros mandatos, não seja pragmático a ponto de empoderar ainda mais o agro e os pastores evangélicos, hoje alicerces do bolsonarismo e seus inimigos declarados.

Nesse cenário, Bolsonaro continuará a bradar "Deus, pátria, família e liberdade", a defender que foi vítima de fraude, e arrastar seguidores no pântano das redes sociais, disputando a primazia à direita com gente que terá acesso ao cofre, a começar por Romeu Zema, governador mineiro eleito pelo Novo, que tende a se tornar o queridinho do PIB que hoje enche os cofres da campanha fascista com doações milionárias.

Não duvido, porém, da capacidade de outros atores de extrema direita ganharem força no pós-Bolsonaro, notadamente o vice-presidente e senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e o ex-juiz Sergio Moro (União Brasil-PR), representando respectivamente as alas militar e lavajatista que levaram Bolsonaro ao poder.

Caso seja defenestrado do Planalto, o atual presidente, por sua vez, deve manter força entre pastores, o que lhe dará grande vantagem para buscar novamente o poder em 2026. Nesse cenário, a manutenção de sua capilaridade política vai, porém, depender da vitória cada vez menos certa de Tarcísio de Freitas (Republicanos) no governo de São Paulo, o segundo maior orçamento do país.

Ou seja, o desespero de Bolsonaro não se dá apenas pelo temor de perder o poder, mas de jamais retomá-lo, pos não se dá golpe sozinho. Os pilares do governo Bolsonaro — agronegócio, evangélicos, empresários nacionais e militares — terão acesso a recursos políticos para se opor a Lula sem o capitão. Resta-lhe, assim, a plateia de seguidores fanáticos e torcer para que, em 2026, a extrema direita — seja ela raiz ou oportunista — ainda precise dele.

* Vinícius Rodrigues Vieira é doutor em relações internacionais por Oxford e leciona na Faap e em cursos MBA da FGV.