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Crise Climática

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nova meta climática brasileira decepciona ao repetir pedalada

Incêndio florestal em área degradada em processo de desmatamento, em Novo Aripuanã (AM) - Victor Moriyama/Amazônia em Chamas
Incêndio florestal em área degradada em processo de desmatamento, em Novo Aripuanã (AM) Imagem: Victor Moriyama/Amazônia em Chamas

Colaboração para o UOL, em São Paulo

14/04/2022 11h00

Esta é parte da versão online da edição desta quinta-feira (14) da newsletter Crise Climática, que discute questões envolvendo a emergência climática, como elas já afetam o mundo e quais são as previsões e soluções para o futuro. Para assinar o boletim e ter acesso ao conteúdo completo, clique aqui.

Na última quinta-feira (7), a atualização da meta climática brasileira ficou disponível no site da ONU. O Brasil já tinha submetido uma revisão em 2020 que, segundo uma análise de 2021 das Nações Unidas, diminui a ambição climática do país em relação a 2016. Para isso, o país se valeu de uma "pedalada climática" que altera a base de cálculo de suas emissões. Embora a promessa apresentada agora tenha aumentado a meta para 2030, a linha de base continua permitindo ao Brasil emitir mais do que o compromisso assumido há 6 anos.

O Acordo de Paris de 2015 - e agora também o Pacto de Glasgow firmado no ano passado, durante a COP26 - determina que os países não podem enfraquecer as metas estabelecidas nas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas, como são formalmente chamadas as metas climáticas).

O novo plano foi apresentado no final de março, durante a visita ao Brasil do presidente da COP26, Alok Sharma. No texto, a diplomacia brasileira afirma que esta é "uma das mais ambiciosas metas climáticas do mundo".

Nela, o Brasil se compromete a reduzir as emissões em 50% entre 2005 e 2030 —mais do que os 43% prometidos em 2020— além de uma meta de 37% de redução de emissões até 2025. O novo compromisso utiliza o inventário de emissões mais recente e preciso para 2005, que é inferior ao utilizado para o "truque" de 2020, mas superior ao de 2016.

Isto significa que, apesar da melhora, o novo compromisso permite que as emissões do Brasil aumentem além da meta que ele mesmo estabeleceu em 2016. Segundo análise do Instituto Talanoa, essa manobra admitiria uma emissão adicional, até 2030, equivalente às emissões anuais da Colômbia, e até 2025, às da Polônia. O site especializado Climate Home deu destaque a esta análise.

"A recorrência de metas climáticas de baixa ambição apresentadas pelo governo brasileiro à comunidade internacional consolida a imagem de pária", avalia Natalie Unterstell, presidente do Talanoa. "Somente será possível reverter isso e recuperar nossa credibilidade com mudança política de alto nível."

Ainda pior do que apresentar metas climáticas fracas é não cumpri-las. O Brasil foi o único a aumentar suas emissões no primeiro ano da pandemia, em 2020, devido ao crescimento acelerado do desmatamento, sua principal fonte de emissão. O país é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa, seus compromissos climáticos estão classificados como altamente insuficientes, e o setor de energia está aumentando a participação de termelétricas caras e poluentes.

O Itamaraty foi procurado para avaliar a recepção internacional da nova meta brasileira, mas não respondeu até o fechamento desta coluna.

E o que mais você precisa saber

bacia de campos - Marcelo Sayão/Efe - Marcelo Sayão/Efe
Imagem: Marcelo Sayão/Efe

Liquida tudo!

Incentivado pelas sanções contra a Rússia e pelo aumento da demanda, o governo promoveu o que os ambientalistas apelidaram de "mega liquidação do petróleo", com a oferta de 379 áreas de exploração no mar e em terra em dez estados. Foram leiloadas 59 áreas. A maior parte delas saiu quase de graça. Dos R$ 422,4 milhões arrecadados no total, 98% foram oferecidos por apenas oito áreas na Bacia de Santos arrematadas por Shell, Ecopetrol e Total, informou a Folha.

ativismo climático - David Gray/Reuters - David Gray/Reuters
Um grupo 'enterra' a cabeça na praia de Bondi, em Sydney (Austrália) em protesto contra as mudança climáticas
Imagem: David Gray/Reuters

Não olhe pra cima

Uma das cenas mais emblemáticas do filme "Não Olhe Para Cima" (EUA, 2021) ganhou vida na televisão britânica na segunda-feira (11). A ativista Miranda Whelehan, do movimento Apenas Pare o Petróleo (Just Stop Oil), explicava a urgência de interromper o uso de combustíveis fósseis quando sofreu um verdadeiro ataque de bullying dos três apresentadores do programa "Good Morning Britain". Ela pagou um preço por ser uma jovem mulher - seu ativismo foi chamado de "criancice" e até mesmo suas roupas foram questionadas. Apesar de constrangida, Whelehan foi capaz de usar cada pergunta agressiva para reforçar sua mensagem.

Os combustíveis fósseis são a principal causa das mudanças climáticas, e seu uso deve ser interrompido com a máxima urgência para estabilizar o clima global segundo todas as autoridades científicas do mundo.

ativismo climático - Andy Buchanan / AFP - Andy Buchanan / AFP
COP26 -Ativistas pintam mensagens contra a crise climática durante um protesto em frente á empresa de investimento BlackRock, em São Francisco, nos EUA
Imagem: Andy Buchanan / AFP

Narrativas

Também na segunda (11), um estudo publicado na revista Environmental Politics revelou novos detalhes sobre as origens da desinformação climática. A pesquisa analisa documentos da Global Climate Coalition, que existiu de 1989 a 2001 e foi a primeira organização criada para refutar informações sobre a crise do clima. Entre as principais táticas, os documentos indicam a cooptação de políticos e profissionais de comunicação e a contratação de falsos estudos para refutar os verdadeiros, sobretudo na área econômica.

Yanomami sob ataque

A Hutukara Associação Yanomami divulgou esta semana um relatório sobre os impactos do garimpo para suas comunidades - um documento impressionante que descreve crimes graves, incluindo estupro de mulheres e crianças. O texto descreve como a atividade ilegal levou a covid-19 para as aldeias, causando mortalidade em massa. Trata também da contaminação por mercúrio, das tentativas de usar bebida e drogas para desestabilizar as comunidades, enquanto fotos áreas dão dimensão dos estragos causados à floresta.

Segurando o Céu

Termina hoje a 18ª edição do evento que é considerado a maior mobilização indígena do mundo: o ATL (Acampamento Terra Livre), também chamado de Abril Indígena. Na terça-feira (12) o ex-presidente Lula esteve no encontro e afirmou que se eleito, revogará medidas anti-indígenas do atual governo e criará um ministério para o tema. Na quarta (13) os participantes promoveram o ato "A Queda do Céu", inspirado no livro de David Kopenawa e Bruce Albert que descreve a crise climática a partir da cosmovisão yanomami. O ato contou com projeções e intervenções artísticas.

LEIA MAIS NA NEWSLETTER

No começo do ano, Madagáscar, Malawi e Moçambique foram atingidos por três ciclones tropicais e duas tempestades tropicais em apenas seis semanas. Um estudo de atribuição lançado agora não conseguiu apresentar uma quantificação precisa de como as mudanças climáticas tornaram as chuvas naquela região mais severas e frequentes devido ao apagão de dados meteorológicos - um alerta para todo o Sul global.

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