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Crise Climática

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Financiamento expõe racha entre norte e sul globais na COP do Egito

9.Nov.22 Mesa Ministerial sobre finanças na COP27 - Kiara Worth /  UNFCCC
9.Nov.22 Mesa Ministerial sobre finanças na COP27 Imagem: Kiara Worth / UNFCCC

Colaboração para o UOL, em Sharm el Sheikh

10/11/2022 11h00

Esta é parte da versão online da newsletter Crise Climática "Especial COP27" enviada hoje (10). A versão completa, apenas para assinantes, mostra que a sociedade civil brasileira tem um plano em várias frentes que poderia tornar o Brasil um país carbono negativo em 2045. Esse conjunto de propostas foi apresentado em um evento na COP27 nesta quarta-feira (9). Quer receber o boletim completo na semana que vem, com a coluna principal e informações extras, por e-mail? Clique aqui e se cadastre.

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Não existe planeta B. Nem atmosfera B. A única atmosfera deste planeta foi colonizada por um pequeno grupo de países, que depositou nela a poluição gerada por décadas de um modelo insustentável de geração de riquezas. Os gases de efeito estufa emitidos nesse processo fizeram a Terra aquecer, alterando seu clima. Isso prejudica mais aqueles que menos contribuíram para o problema e que já foram objeto de outras formas de colonização que os tornaram pobres e vulneráveis demais ao clima instável. É pelo multilateralismo que essa injustiça deve ser corrigida, e uma das ferramentas é o financiamento.

A Conferência do Clima da ONU é o principal esforço da humanidade para corrigir essa injustiça e evitar a destruição da estabilidade climática que permitiu ao homo sapiens desenvolver seus muitos modos de vida ao longo de cerca de 300 mil anos. COP27 quer dizer que faz 27 anos que as Nações Unidas tentam frear o aquecimento progressivo do planeta limitando a emissão de gases de efeito estufa. Pode parecer que foi muito tempo para nenhum resultado, afinal as emissões, o termômetro e o mar continuam subindo. Se for levado em conta que esta é uma luta contra as principais indústrias do mundo, as conquistas até agora são heroicas.

Neste estágio, os países estão enfrentando o desafio de tirar o dinheiro dos problemas para colocar nas soluções. No setor de energia, por exemplo, este caminho significa interromper o financiamento de projetos de combustíveis fósseis - a maior causa isolada da mudança climática - e promover as fontes renováveis. Na agricultura, é trocar um modelo que desmata, usa produtos derivados de combustíveis fósseis e químicos tóxicos e cultiva uma única planta em enormes latifúndios, por uma produção diversa de alimentos que preserva a água, a biodiversidade, a saúde e o clima. É uma escolha fácil, mas o dinheiro ainda está concentrado na resposta errada.

Os países mais ricos e que mais se beneficiaram desse modelo problemático de desenvolvimento têm a obrigação de liderar a mudança. Na COP27, eles estão sendo cobrados a mudar os fluxos financeiros de várias maneiras: pagar pelos danos que já afetam os países que menos emitiram (Perdas e Danos); financiar um caminho de baixa emissão e frear a destruição das áreas naturais que capturam gases estufa nesses mesmos países (Mitigação); e garantir recursos para uma complexa adaptação ao clima extremo. Eles já chegaram a prometer o equivalente hoje a R$ 519 bilhões ao ano (100 bilhões de dólares) para isso, mas passaram longe dessa meta.

Com a COP sendo realizada em um país africano, a pressão dos anfitriões - um país desértico, pobre e muito interessado em estabilizar o clima - pode levar as negociações para uma implementação mais efetiva dos objetivos em finanças do Acordo de Paris, obtido na COP21 em 2015. Ontem, o enviado especial de Clima dos EUA, John Kerry, apresentou um instrumento para custear a transição energética nos países pobres, uma espécie de lição de casa do país neste tema. Mas a medida foi recebida com desconfiança por se tratar de mais uma aposta em mercados voluntários de carbono.

Mercado de carbono é o assunto climático preferido dos grandes poluidores porque cria a perigosa ilusão de que se pode pagar para continuar emitindo gases de efeito estufa. Mas com a atmosfera saturada, a ação inadiável dos maiores emissores é parar de emitir, depois, liderar o caminho para que outros países não elevem suas emissões.

Isso é o que defendem os cientistas, defensores da natureza de variadas origens, os jovens que estão vendo seu futuro ameaçado, profissionais de saúde e organizações religiosas e de direitos humanos, todos muito atuantes nesta Conferência. Os representantes das empresas que colonizam a atmosfera - petroleiras, mineradoras, produtores de commodities agrícolas e outros - também estão sempre presentes nos corredores das COPs para evitar isso, juntamente com os banqueiros, que emprestam dinheiro para eles.

Quem vai ganhar? Nos próximos dias esta coluna observará este embate e a posição do Brasil e do governo eleito nesta disputa.

E o que mais você precisa saber sobre a COP27

VOCÊ ME DEVE

As nações em desenvolvimento, carregadas de dívidas externas e muito afetadas pelo clima, querem mudar o desenho do sistema financeiro global para receber em vez de pagar. A COP deste ano será a primeira onde as esferas de "financiamento climático" e "arquitetura financeira global" estão se fundindo. Mia Mottley, a primeira-ministra de Barbados, um pequeno país-ilha do Caribe muito ameaçado pela mudança climática, está acompanhando atentamente a Iniciativa Bridgetown, que pode gerar essa mudança, além das Parcerias para Transição de Energia Justas.

PERDAS E DANOS

As inundações no Paquistão este ano mudaram a conversa sobre os prejuízos da crise climática. Para que a COP27 seja considerada um sucesso, os líderes precisarão acordar um roteiro para um claro progresso no tema de perdas e danos. As negociações estão apontando para um mosaico de soluções, que pode englobar desde um fundo de resposta a eventos extremos, passando pela criação de uma "facility" que também apoiaria financeiramente a adaptação e a mitigação, até o setor de seguros.

BRILHA UMA ESTRELA

A chegada de representantes do governo eleito no Brasil à Sharm el Sheikh está gerando uma expectativa que vem surpreendendo até participantes brasileiros experientes em COP. As perguntas dos jornalistas para os especialistas nesta primeira semana são parecidas: como uma nova política climática sob Lula poderá reverter o atual nível de desmatamento e em quanto tempo? O Congresso, governos estaduais e municipais, além de setores da indústria podem atrapalhar? O que ele vai anunciar aqui? Ele vai se alinhar às reivindicações dos países mais pobres? As respostas devem começar a surgir após a chegada do petista ao Egito, prevista para 14/11.

DIREITOS HUMANOS

As questões de direitos humanos nesta COP são gritantes, e estão colocando as Nações Unidas em uma situação de incoerência. Ao mesmo tempo em que as mesas da Conferência falam da importância da equidade de gênero para a resolução da crise climática, os postos de trabalho gerados localmente pelo evento são quase exclusivamente para os homens. O incidente reportado na terça-feira (8) e a situação do ativista preso são um caso entre milhares de abusos cometidos contra cidadãos que ousam ter uma opinião que discorda do governo egípcio. E os problemas estruturais chocantes da Conferência são um lembrete de que ditaduras, principalmente as militares, afugentam cérebros e mão de obra qualificada.