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Diálogos Públicos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

É necessário fazer melhor com menos no combate à pobreza

Colunista do UOL

20/09/2022 04h00

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Denise Direito*

Natália Massaco Koga**

Elaine Licio***

A pandemia de covid-19 acirrou a situação de desigualdade socioeconômica em nosso país. Além disso, a crise fiscal não dará trégua para o próximo governo. Reconhecendo que não são mais suportáveis os índices de pobreza e de exclusão brasileiros no patamar atual, serão necessários inteligência, esforço e criatividade para reformular as políticas sociais. A boa notícia é que há acúmulo, experiência e instrumentos no Estado para isso. A coordenação e a integração de programas sociais, potencializadas pelo Cadastro Único, são um caminho para fazer mais com menos.

Os tradicionais e bem instituídos programas de transferências de renda, especialmente o Bolsa Família - do qual o atual Auxílio Brasil é discípulo - passaram por aprimoramento contínuo nas últimas décadas. O desafio nestes programas é estabelecer o valor adequado para manter mínimos sociais e propiciar melhoria das estratégias de saúde e educação de modo que o cumprimento das condicionalidades não seja punição, mas meio para o rompimento da pobreza intergeracional ao garantir melhores condições ofertadas aos filhos das famílias vulneráveis. No caminho das proteções sociais básicas, destaca-se também o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que fornece proteção de renda a idosos e pessoas com deficiência.

Podemos pensar esses programas como condições mínimas de sobrevivência, e, portanto, fundamentais em um país tão desigual. No entanto, eles não são suficientes, nem se propuseram a isso. Há outras variáveis que impedem a superação da pobreza, como baixa escolaridade e qualificação profissional, desnutrição, bem como questões estruturais como a falta de saneamento básico e acesso à terra e insumos, entre outras tantas questões.

Muito já foi dito sobre um país rico e continental que apresenta algo em torno de 15,5% da sua população, ou 33,1 milhões de pessoas, em situação de fome, conforme dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19. Na raiz do problema há questões estruturais e multidimensionais que devem ser atacadas em conjunto para garantir a perenidade na melhoria da condição de vida, especialmente da segurança alimentar, dessa população.

Nos idos de 2014, era possível identificar pelo menos três dezenas de políticas federais voltadas para esse público, instituídas para combate de alguns dos aspectos que levaram à fragilidade na renda das famílias (Direito et al, 2016). No entanto, mesmo nos momentos de forte incremento orçamentário e programático, a falta de integração e coordenação entre essas políticas dificultava o alcance e o combate mais permanente da situação de pobreza.

Para compreender melhor o que estamos tratando, basta pensarmos na pobreza no campo. Para a sua superação, ou seja, para que as famílias conquistem a autonomia financeira, além do acesso à terra, é preciso contar com assistência técnica rural que ajude a identificar e explorar a vocação da região, além de água para viabilizar a sobrevivência e a produção. O país tem ou teve programas - reforma agrária, cisternas, assistência técnica e extensão rural - que atacaram essas questões, mas que raramente tiveram atuação articulada.

Uma tentativa nesse sentido foi o Plano Brasil sem Miséria, lançado em junho de 2011, que fez um esforço de coordenação dessas e outras políticas. No entanto, teve vida efêmera, perdendo fôlego logo no início de 2014, com a crise que assolou o governo Dilma Rousseff. Essa experiência mostrou que era necessária enorme vontade política para superar a atuação usualmente fragmentada do Estado e a visão de alguns gestores públicos que entendem políticas públicas como feudos pessoais, muitas vezes se afastando da real necessidade do cidadão e do que os dados e evidências informam sobre o problema público a ser enfrentado.

Superada a questão política, o Brasil conta com um aliado central para viabilizar a integração e a coordenação de ações contra a pobreza e vulnerabilidades sociais, o Cadastro Único para Programas Sociais. O Cadastro é o registro administrativo das famílias pobres e sua excelência está exatamente em tornar o cidadão/cidadã e sua família identificados e várias de suas vulnerabilidades mapeáveis para as políticas públicas. Portanto, ele não apenas permite selecionar as famílias que podem participar dos programas existentes, como também produzir diagnósticos, análises e avaliações integradas do conjunto desses programas, apontando melhorias de focalização, atendimento dos beneficiários e geração de subsídios para remodelagem ou desenho de novas ações (Direito e Koga, 2020).

Ao se partir de uma base única, como efeito colateral positivo, se tem a condição de analisar efetivamente quem recebe o quê. Esse já é um primeiro passo para avaliar se há impacto na situação de pobreza a partir dos múltiplos acessos aos programas. Isso oferece inúmeras vantagens, sendo a mais evidente seu aspecto viabilizador da coordenação e da integração dos programas sociais e até mesmo desses com outras áreas de políticas públicas, em especial com a assistência social.

Para caminhar nesse rumo, o Estado brasileiro dispõe de experiências prévias e capacidades acumuladas pela burocracia que construiu tal ferramenta e os programas sociais. No entanto, isso não se dará de forma espontânea. É necessário colocar intencionalidade e inteligência no processo. O Cadastro oferece as condições objetivas, mas construir uma governança de políticas de combate à pobreza para que caminhem juntas, a partir da identificação de vulnerabilidades comuns, é o próximo desafio. Só a ação pública coordenada e integrada é que atacará efetivamente os problemas estruturais da pobreza e permitirá o enfrentamento consistente da desigualdade social. É necessário unir e articular duas pontas para o avanço da proteção social, considerando as potencialidades do CadÚnico. Primeiro, a simplificação do processo de entrada, via uso das tecnologias em benefício do cidadão e o fortalecimento da rede de atendimento presencial, para se dar previsibilidade ao acesso aos benefícios sociais e equacionar as filas físicas e virtuais existentes. Concomitantemente, é necessário construir uma governança de todas as políticas de proteção social, por meio da construção de uma nova camada de informações e governabilidade, de forma a analisar e corrigir eventuais hiatos, superposições e ineficiências do sistema protetivo. Assim, fazer melhor, apesar dos limites fiscais.

*Denise Direito é integrante da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Doutora em Ciência Política pela Universidade de Brasília.

**Natália Massaco Koga é integrante da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Doutora em Ciência Política pela University of Westminster.

***Elaine Licio é integrante da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Doutora em Política Social pela Universidade de Brasília.

****Esse texto é fruto de parceria entre a Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP) e a Coluna Diálogos Públicos.