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Diogo Schelp

Número de mortes por covid-19 está sendo maquiado, diz prefeito de Manaus

Colunista do UOL

20/10/2020 13h23

Resumo da notícia

  • Em entrevista à coluna, Arthur Virgílio Neto diz que acusação de homicídio contra enteado não o prejudicou
  • "Salles é uma figura estranha", diz prefeito sobre ministro do Meio Ambiente
  • Órgão do governo do estado do AM divulga números falsos da covid-19, acusa prefeito

Arthur Virgílio Neto (PSDB), prefeito de Manaus, encerra seu segundo mandato em um ano de caos na capital do Amazonas. A pandemia se abateu sobre a população da cidade como em nenhuma outra no país. Mais de 4.300 manauaras já morreram de covid-19 e, no auge, foram feitos sepultamentos coletivos em valas.

Na política, os adversários do prefeito tucano exploram escândalos familiares, o que inclui um assassinato ocorrido na casa do seu enteado, Alejandro Valeiko, em setembro de 2019. Na noite do crime, havia várias pessoas na casa de Valeiko. O segurança dele, policial que trabalhava para a prefeitura, é acusado de ter removido o corpo da vítima, o engenheiro Flavio Rodrigues dos Santos, abandonando-o em um terreno baldio.

Valeiko foi colocado em prisão domiciliar para aguardar julgamento. Virgílio Neto diz, nesta entrevista à coluna, que o enteado não estava na casa no momento do crime.

O prefeito de Manaus discorre, também, sobre as eleições municipais, nas quais o PSDB conseguiu emplacar apenas uma candidata a vice, Conceição Sampaio, em coligação com o PL. A chapa, encabeçada por Alfredo Nascimento, tem 3% das intenções de voto segundo a última pesquisa Ibope.

Virgílio Neto também critica duramente o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que ele acusa de estar a serviço de grandes empresas do agronegócio.

Sobre a pandemia, o prefeito de Manaus afirma que os números de mortos pela covid-19 são subestimados pelo governo do estado e que não se pode, ainda, falar em "segunda onda" de contaminações.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

O PSDB não tem candidato próprio à prefeitura para sucedê-lo. Apenas conseguiu emplacar a deputada Conceição Sampaio como candidata a vice de Alfredo Nascimento, do PL, que está com somente 3% de intenção de voto na última pesquisa Ibope. A que fatores o senhor atribui essa incapacidade de fazer um sucessor?

Essa pesquisa do Ibope é a coisa mais imoral que eu já vi na minha vida. Eu arriscaria dizer que é uma pesquisa vendida, desonesta, com coisas escusas correndo por trás. Nós temos um tracking que acabou de sair, segundo o qual o ex-governador Amazonino Mendes (Podemos) tem cerca de 30%; em segundo lugar, em queda livre, com 12,5%, está David Almeida (Avante), aí tem um capitão, deputado Alberto Neto (Republicanos), com 8,8%, depois disso vem o Alfredo, com 7,9%. Depois do Alfredo vem o rapaz do PT, o Zé Ricardo, com 7,4%, depois vem o deputado Ricardo Nicolau (PSD) com 6,1%.

Não é a primeira vez que isso acontece. Eu ganhei a eleição em 2012, e o Ibope chegou a colocar minha adversária, apoiada por todos os caciques locais, 18 pontos, 17 pontos percentuais na minha frente, quando eu estava entre 17 a 20 pontos na frente dela. Eu achei que não valia a pena brigar com eles. Ninguém aqui leva a sério. Na boca do povo, o Ibope é uma entidade mentirosa.

Alguns de seus adversários atribuem a falta de protagonismo do PSDB na campanha à denúncia de assassinato envolvendo seu enteado, Alejandro Valeiko, e a uma investigação de enriquecimento ilícito que cita a primeira-dama. O que o senhor tem a dizer sobre esses episódios?

Contra ela, infâmia pura. As pessoas têm que ter muito cuidado ao fazer certas acusações. Quanto ao meu enteado, a perícia mostra que é uma pessoa que tem problemas com drogas. O assassino se entregou, disse "fui eu o culpado", enfim. E ele precisa de tratamento, não de punição.

Eu não conheço nenhuma denúncia de improbidade contra a minha esposa. A gente vê um certo terrorismo feito por pessoas do governo do Estado, que tem metade dos seus quadros na cadeia, preocupados de alguma maneira em manchar a minha vida, manchar a vida das pessoas que estão próximas de mim. E usando esse episódio, essa coisa infeliz que aconteceu na casa do meu enteado, sem que ele tivesse sido o protagonista, para torcer a lei. Uma coisa muito triste.

Mas não é nada disso, não. O David Almeida tinha um grande recall, tinha sido candidato a governador, Amazonino está aqui desde que Pedro Álvares Cabral se instalou no Brasil, ele chegou junto. O candidato Alfredo Nascimento estava há muito afastado de Manaus. Muito afastado do cotidiano de Manaus, exercendo cargos de senador, deputado e tudo mais.

Eu poderia ter lançado a Conceição, ela faria um papel muito bom. Mas eu entendi que ela, que é um quadro em amadurecimento administrativo, ainda tem o que aprender no campo da gestão pública. Já o Alfredo me pareceu assimilar completamente o método que nós usamos para ser talvez a economia mais ajustada fiscalmente do país, octacampeões em responsabilidade previdenciária. Nossa previdência aqui é independente.

Eu tenho um saldo [nas contas da prefeitura] que nunca houve na nossa história. Eu tenho conversado com o meu pessoal aqui pensando em deixar um bom dinheiro para o nosso sucessor, mas não demais, até porque você não sabe nem quem é.

Não acredito que essa coisa do meu enteado tenha feito tanto dano assim.

Qual é a origem das críticas ao senhor, então?

Quem me critica é o bolsonarista radical, aquele que queria que eu elogiasse o presidente. Algumas vezes acontece de eu aprovar alguma coisa que ele faz. Eu tenho uma boa relação com o ministro [da Economia] Paulo Guedes, penso bastante a economia como ele pensa, tenho uma enorme amizade com o presidente da Caixa Econômica, Pedro Guimarães, que eu acho que é um quadro valiosíssimo para o Brasil, responsável por nós não termos mergulhado em uma recessão mais profunda com aquela ideia da ajuda dos 600 reais e que movimentou bastante a economia.

Agora não me peça para elogiar o [ministro do Meio Ambiente] Ricardo Salles, pelo amor de Deus. Ricardo Salles é uma figura estranha. Quem olha, diz: "Trata-se de um imbecil." Mas não é bem imbecil, não. Ele é ligado a grandes empresas rurais que querem implantar agronegócio aqui para obter com soja, com algo que dá bom preço, mas que dura, na Amazônia, dadas as condições do nosso solo, 20 ou 30 anos, depois desertifica. Se desertificar tudo, os rios secam.

O mundo exige da gente o compromisso de enfrentarmos o aquecimento global. Isso vai acabar resultando em boicote de produtos de exportação Made in Brazil.

Sobre a pandemia: um estudo recente apontou que Manaus pode ter atingido a imunidade de grupo para covid-19, com 66% da população com anticorpos. Isso significa que o vírus passa a ter menos condições de se propagar com eficácia. Mas isso foi obtido às custas de picos descontrolados de contágio em abril e maio, provocando o colapso do sistema de saúde do município. Qual foi a parcela de responsabilidade da prefeitura nesse cenário de caos?

A prefeitura não trabalha com hospitais. Fizemos hospitais de campanha, uma coisa de emergência, para ajudar a enfrentar aquela situação. Nós crescemos na estrutura de assistência primária, graças ao teste a que fomos submetidos durante o período mais grave da pandemia.

Mas a pandemia continua, as mortes são diárias. Eu denunciei desde o primeiro dia que nada acabou, que continua o perigo do vírus. A Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas fez uma coisa meio mancomunada com o governo do Estado, uma coisa esquisita, minimizando as mortes, dizendo: "41 mortes, nenhum covid".

Agora estão ajeitando, então já aparecem 6 [pacientes com] covid, 7 covid, 8 covid, 4 covid. E aparecem eufemismos: crise respiratória/suspeita de covid, mas eles anunciam na estatística como crise respiratória. A gente sabe que crise respiratória, pneumonia, é a covid.

Eu não acredito em imunidade. E imunidade de rebanho é vergonhosa, é típica de quem não se defendeu.

Com o sistema de saúde em colapso, Manaus enfrenta falta de UTIs para pacientes de covid-19 - Bruno Kelly/Reuters - Bruno Kelly/Reuters
Imagem: Bruno Kelly/Reuters

Mas o que explica um caos tão grande como o que se verificou em Manaus?

A saúde aqui [no estado] é saqueada há diversos governos. Então é óbvio que estava com a guarda completamente baixa quando aconteceu a pandemia.

Aqui não se conseguiu distanciamento. Lockdown teria que ser uma decisão que contasse com as polícias, que são supostamente impostas às ordens do governador do estado, além de multar quem está sem máscara. O povo não aderiu. Uns por necessidade de trabalhar e eu compreendo muito isso, por isso a ajuda da Caixa Econômica veio em boa hora.

Eu pensava em fazer uns 15 dias de lockdown, pesado mesmo, que dói, mas que resolve. Mas não ocorreu, o governo do estado não quis. O governador [Wilson Lima, do PSC] queria abrir, mas eu dizia: "Abrir o quê, se não fechamos nada?".

O gestor verdadeiro tem uma única opção: ele evita o desastroso, sendo desagradável.

A recente alta no número de casos parece estar atingindo principalmente as classes A e B de Manaus, o que pode indicar que a tal imunidade de grupo concentrou-se nas classes mais baixas. Que medidas a prefeitura tomou para evitar uma nova onda de contaminados?

Eu não vejo ainda essa história de nova onda. Eu acompanho todos os dias a relação das cremações e dos sepultamentos e as causas de morte. Você vai morrer de rir, ou de chorar, porque não tem como rir disso. Tem um caso que diz assim: "Morreu de exame de covid". Então o sujeito estendeu o bração e caiu duro. Uma mistificação nojenta.

O número de mortos é bem mais alto. E com casos que são, claramente, de covid-19 travestidos com outro nome.

Mentir [no número de mortes por covid-19] é ruim, e mentir afasta dinheiro federal de uma eventual necessidade que se tem aqui. Tem que admitir que não tem nova onda. Não chegamos àqueles picos de mais de 160 mortos por dia.

O que nos leva a outra questão em que a hipocrisia preponderou. Eu não tenho medo de lembrar as coisas que supostamente são negativas para mim. Lembra daquelas valas em que se enterravam as pessoas? Hoje estão todas registradas, estamos fazendo um belo mural com o nome de cada pessoa que está ali, dizendo em que local ela está enterrada. Mas naquele momento [de pico de mortes], eu tinha duas alternativas: deixar o cadáver insepulto, para não colocar em vala, e aí ele espalharia o novo coronavírus, ou enterrar. E também aí fui desagradável para não ser desastroso.