Direita antibolsonarista patina e esquerda come pelas beiradas em SP
Uma semana depois do início da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV, a campanha para a prefeitura de São Paulo ganha corpo, confirma tendências e revela surpresas. A disputa pela liderança se dá entre a continuidade e o bolsonarismo de conveniência. Com superlotação nos polos ideológicos, as estratégias dos candidatos do pelotão intermediário e retardatário estão se provando mais eficazes à esquerda do que à direita. O voto antipetista pulverizado entre os diversos candidatos de centro e de direita está permitido à esquerda comer pelas beiradas, evitando o fogo amigo.
A seguir, uma análise do cenário eleitoral até agora em oito pontos:
Russodoria ou Bolsomanno?
Celso Russomanno (Republicanos) conseguiu cavar o apoio de Bolsonaro à sua candidatura em São Paulo em grande parte porque o presidente quer enfraquecer o grupo político do governador paulista João Doria, que tem planos de se cacifar para a corrida presidencial em 2022.
Na última pesquisa Ibope, divulgada na quinta-feira (15), Russomanno aparece com 25% das intenções de voto, tecnicamente empatado com o atual prefeito Bruno Covas (PSDB), que tem 22% (a margem de erro é de 3% para mais ou para menos). Em um eventual segundo turno entre os dois, o empate se mantém (Covas com 40%, Russomanno com 39%).
Para Bolsonaro, contribuir para a derrota de Covas, que herdou a administração municipal de Doria quando este se elegeu governador, seria uma forma de atrapalhar o adversário tucano. Não que Doria morra de amores pelo neto do ex-governador Mario Covas. Mas manter o comando da maior cidade do país nas mãos do PSDB ajudará a dar sustentação ao seu projeto político.
Ocorre que o Republicanos, partido de Russomanno, apoia o governo Doria em São Paulo e ocupa inclusive cargos em sua administração.
Além disso, à parte o apoio do presidente e uma promessa inspirada no auxílio emergencial pago pelo governo federal na pandemia, a campanha de Russomanno pouco lembra as pautas do bolsonarismo raiz. Algumas das declarações do deputado federal parecem ter sido elaboradas sob medida para que ele se pareça um pouco mais como seu padrinho político nessas eleições, como no episódio em que ele disse que os moradores de rua são imunes ao novo coronavírus porque não tomam banho (uma variante da afirmação feita por Bolsonaro, ao minimizar a pandemia, de que os brasileiros pulam no esgoto e "não acontece nada").
As pautas do conservadorismo que ajudaram a eleger Bolsonaro estão, ironicamente, mais presentes no discurso de candidatos da direita que romperam com o presidente, como Joice Hasselmann (PSL) e Arthur do Val (Patriota), que apelam para o público lavajatista, liberal-econômico e antipetista.
O líder nas pesquisas em São Paulo estaria mais para Russodoria do que Bolsomanno?
Efeito Lula
Segundo o Ibope, Jilmar Tatto (PT) saltou de 1% para 4% entre os dias 2 e 15 de outubro. Entre uma pesquisa e outra, houve o início da propaganda eleitoral gratuita, em que a campanha petista usou e abusou da aparição, em vídeo, do ex-presidente Lula pedindo voto para Tatto.
Pesquisas anteriores ao início da campanha já mostravam que Lula teria grande capacidade de angariar votos para os candidatos à prefeitura que ele apoiasse — mais até do que Bolsonaro.
Conforme os eleitores vão tomando conhecimento de que Tatto é o candidato de Lula, a tendência é seu nome crescer nas pesquisas, como já ocorreu nas últimas duas semanas.
A questão é que, para Tatto, a distância a percorrer é muito grande para chegar ao segundo turno. Considerando a votação do PT na corrida para o governo do Estado, em 2018, é razoável considerar que ele tem potencial para, no mínimo, alcançar mais de 10% na votação.
Tatto está avançando sobre os votos dos outros candidatos de esquerda? Aparentemente, não. Ele come pelas beiradas o eleitorado do candidato de Bolsonaro.
Onde bolsonaristas e PT se encontram
Nas eleições do pós-petismo, em que se apostava na completa irrelevância do candidato do PT, eis que o Tatto pode ter um papel decisivo em seu resultado. No lugar da polarização vivida na campanha de 2018 em nível nacional, entre petismo e antipetismo (travestido de bolsonarismo), o que se tem em São Paulo é uma sobreposição entre o PT e o candidato bolsonarista na disputa pela mesma fatia do eleitorado.
Desde o início da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV, Jilmar Tatto cresceu entre os eleitores mais pobres — justamente o grupo populacional que compõe o grosso do apoio a Russomanno, popular nessa faixa por suas aparições na TV aberta em programas sobre direitos do consumidor.
Tenta-se vender a ideia de que Guilherme Boulos (PSOL) é o candidato que mais se beneficia com a drenagem de votos de Russomanno para Tatto. O motivo para isso é que Boulos possui melhor desempenho com eleitores de renda mais alta, e portanto não tem seus votos fagocitados pelo candidato petista.
Mas há outros dois possíveis beneficiados: Bruno Covas e Márcio França (PSB).
Covas tem distribuição relativamente equilibrada de intenção de votos em todas as faixas de renda. No período em que Tatto cresceu 3 pontos percentuais na pesquisa Ibope, Covas subiu 4 pontos percentuais, o que sugere que o avanço petista não lhe roubou apoio.
França, por sua vez, manteve-se estável nas pesquisas (está em 7%, tecnicamente empatado com Boulos, com 10%). Dos quatro primeiros colocados, ele é o que tem a menor taxa de rejeição (14%). Russomanno tem 30%, Covas tem 23% e Boulos tem 18%.
Além disso, o ex-governador tem histórico de crescimento nas pesquisas. Em 2018, quando perdeu o governo do Estado para Doria, França começou a campanha com 5%, cresceu rapidamente na preferência dos eleitores e foi para o segundo turno.
Na última pesquisa Ibope, ele tem sua melhor votação na faixa de renda familiar de 1 a 2 salários mínimos (11% das intenções de voto nesse grupo de eleitores). Esse eleitorado é alvo do assédio petista e é uma das razões pelas quais França está sob ataque da trindade esquerdista, formada pelos candidatos Boulos, Tatto e Orlando Silva (PCdoB).
A esquerda contra França
Nas eleições deste ano em São Paulo, a esquerda está fragmentada, mas não desunida. Boulos, Silva e Tatto mantêm um pacto de não agressão. "Por que eu vou ter o PT como adversário?", disse Boulos recentemente, em pergunta retórica. "Tenho uma relação muito tranquila com o Orlando", disse Tatto em entrevista ao UOL, antes do início da campanha. Em seguida, o petista anunciou, referindo-se a Boulos e Silva: "Temos que deixar as portas abertas para nos juntar no segundo turno."
Enquanto o segundo turno não chega, os três se unem para atacar França, que detém parte dos votos úteis da esquerda que não quer nem Russomanno, nem Covas na prefeitura.
Em julho, França se definiu como "a direita da esquerda". Depois de uma tentativa fracassada de aproximar-se de Bolsonaro, em agosto, ele tem investido no voto progressista.
"Eu não vejo o Márcio França no campo da esquerda, ele é aquela velha biruta de aeroporto", disse Boulos recentemente. O candidato do PSOL também desencavou declarações de França que pegam mal junto ao eleitorado feminino.
França rebate afirmando que o "campo da esquerda", numa referência velada a Boulos, Tatto e Orlando Silva, tem mais dificuldade de vencer no segundo turno e que as pessoas acabam indo "naquele que tem mais chance" — segundo França, ele próprio, claro.
Líder dos sem teto, candidato dos abastados
Coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), quando se trata de intenção de voto Boulos é o candidato dos artistas e dos moradores do eixo Vila Madalena - Santa Cecília.
Na pesquisa Ibope, ele recebeu 19% das citações entre eleitores com renda familiar de mais de 5 salários mínimos (Bruno Covas recebeu 25% e Russomanno, 18%). Além disso, Boulos está praticamente empatado com Bruno Covas como candidato preferido dos eleitores com nível superior: o psolista tem 20% dos votos dessa faixa de escolaridade, contra 21% do tucano.
Entre os eleitores com renda familiar até 1 salário mínimo, Boulos tem apenas 3% das intenções de voto. Russomanno, o candidato de Bolsonaro, é quem lidera entre os eleitores nesta faixa, com 33% das citações. Russomanno também é o preferido do eleitorado com escolaridade mais baixa, reunindo 31% da intenção de voto de quem completou no máximo o nível fundamental.
Direita antibolsonarista na lanterna
Joice Hasselmann (PSL), com 1%, e Arthur do Val (Patriotas), com 2%, que se apresentam como a "direita raiz" nessas eleições, não ganharam impulso nesse início de campanha, apesar de a primeira contar uma estrutura e uma estratégia de marketing exuberante e de o segundo ser um hábil comunicador nas redes sociais.
Joice tem rejeição alta (24%) para alguém com votação tão baixa, o que significa que ela tem menos espaço para crescer. A estratégia de ambos tem sido a de atacar tanto os candidatos de esquerda, como os de centro (Covas e França). Mas o fogo cerrado, mesmo, é direcionado a Russomanno, candidato de Bolsonaro. Afinal, tanto Joice quanto Arthur do Val pertencem à direita que rompeu com o bolsonarismo.
Além de Joice e Arthur do Val serem menos conhecidos do eleitorado, dois outros fatores podem estar contribuindo para a dificuldade que eles demonstram em crescer nas pesquisas: o primeiro é que o voto conservador, da direita identitária, é superestimado e o segundo é que o lavajatismo, como força política, perdeu impulso.
Atenção, Sergio Moro.
Campanha virtual, eleitores reais
Numa campanha atípica, marcada por limitações em relação às atividades presenciais para empolgar eleitores, aposta-se muito na importância do engajamento com os paulistanos nas redes sociais. Os candidatos mais populares no mundo virtual, porém, não são os que teriam o maior número de votos no mundo real, segundo as pesquisas.
No Twitter, Facebook e Instagram, os campeões de seguidores e interação com os eleitores são Guilherme Boulos, Arthur do Val e Joice Hasselmann. Juntos, eles têm cerca de 4 milhões de seguidores no Facebook. Desses três candidatos, porém, apenas Boulos está no pelotão intermediário da corrida eleitoral, com 10% das intenções de voto, segundo o Ibope.
Bolsodoria sem Bolsonaro e sem Doria
Boulos alcunhou de "Bolsodoria" a candidatura de Bruno Covas. Trata-se de uma referência ao fato de João Doria, de quem Covas foi vice-prefeito, ter deixado a administração municipal para se eleger governador na esteira da ascensão do bolsonarismo, em 2018.
O atual prefeito de São Paulo, que busca a reeleição, cresceu 4 pontos percentuais nas últimas duas pesquisas Ibope, enquanto Russomanno oscilou apenas 1 ponto percentual para cima.
Com uma campanha focada em sua superação pessoal (o tratamento contra o câncer) e na sua gestão, Covas é o candidato com capilaridade mais equilibrada entre os eleitores de diferentes perfis econômicos. Sua gestão na prefeitura é bem avaliada (ótima/boa) quase na mesma proporção por eleitores mais abastados, com renda familiar superior a 5 salários mínimos (31%), e pelos mais pobres, aqueles que vivem com até 1 salário mínimo (33%).
Já a avaliação de João Doria no governo do Estado não é das melhores. Nada menos que 44% dos entrevistados pelo Ibope a consideram ruim ou péssima, uma proporção bem maior do que a dos que a consideram boa ou ótima (19%).
Covas, crítico do governo Bolsonaro, tem usado bastante a imagem do avô, o ex-governador Mario Covas, na propaganda eleitoral gratuita, mas manteve Doria de fora, ao menos por enquanto. Os adversários não pretendem deixar essa ausência desapercebida, e ele já está sendo cobrado por isso.
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