O dedo podre de Sergio Moro para novos empregos
Tem gente com dedo podre para relacionamentos. Recorrentemente, escolhe namorar com pessoas que depois se revelam tóxicas, abusivas ou ciumentas. As coisas acabam sempre mal, com brigas, decepções e ódio eterno. Sergio Moro, ex-juiz e ex-ministro da Justiça, por sua vez, ao ser anunciado esta semana como sócio-diretor da consultoria Alvarez & Marsal, demonstrou ter dedo podre para novos empregos.
Uma decisão desastrosa de gestão de carreira pode ser colocada na conta do azar ou de equívoco eventual. Duas seguidas já caracterizam comportamento recorrente.
A primeira vez em que o dedo podre de Moro para empregos entrou em ação foi em 2018, quando ele abandonou a carreira de juiz federal, do alto da sua fama por ter sido o responsável pelos julgamentos da Operação Lava Jato em Curitiba, para compor o gabinete ministerial do então recém-eleito presidente Jair Bolsonaro, na pasta de Justiça e Segurança Pública.
Deixemos de lado a ideia de que Moro ajudou a eleger Bolsonaro. Isso é mérito do PT — dos dois megaescândalos de corrupção ocorridos nos anos do partido no poder, da administração inepta do governo Dilma Rousseff e da polarização política extrema iniciada pelos petistas.
Mas Moro não tem a desculpa de poder dizer que não sabia o que ou como seria um governo Bolsonaro, cujos traços autoritários e populistas já eram bem evidentes desde antes da campanha presidencial.
Depois de engolir diversos sapos ao longo de quinze meses, em abril deste ano Moro acabou pedindo demissão, indignado com o que considerou ser uma indevida tentativa do presidente de interferir na Polícia Federal para defender interesses pessoais.
Moro tem todo o direito
Agora, Sergio Moro vai para a iniciativa privada, assumindo o cargo de sócio-diretor da filial brasileira da consultoria americana Alvarez & Marsal. Vai atuar na divisão de Disputas e Investigações e, segundo ele próprio, terá como missão desenvolver políticas internas contra fraude e corrupção em grandes empresas.
Moro tem todo o direito de trabalhar na iniciativa privada, de ganhar rios de dinheiro e de desapontar seus fãs que o queriam ver na Presidência.
Causou estranhamento, porém, o fato de a consultoria ter como clientes a Odebrecht e outras empreiteiras atingidas pela Operação Lava Jato e que, por conta disso, estão quebradas. O ex-juiz usará informações privilegiadas para recuperar empresas que ajudou a quebrar?
Não necessariamente. Pode até ser que o setor de compliance em que Moro vai atuar não se envolva diretamente nos assuntos das construtoras da Lava Jato, um risco que ele afirma ter sido afastado por cláusula de seu contrato com a consultoria. Mas é difícil explicar isso para a opinião pública — que tem todos os motivos para não acreditar em uma única palavra da explicação.
A&M e o "vale-tudo" em processos
É preciso diferenciar os serviços que a Alvarez & Marsal presta às empresas. A consultoria foi contratada como administradora nos processos de recuperação judicial da Odebrecht e da OAS. Trata-se de uma função burocrática, de interface entre a empresa que tenta evitar a falência e seus credores. A administradora judicial garante, por exemplo, o fluxo de informação entre empresa e credores, organiza assembleias para aprovação dos planos de recuperação, etc.
Mas a administradora judicial não se envolve diretamente nas estratégias de gestão da empresa em recuperação. Isso a Alvarez & Marsal faz, por exemplo, junto à Queiroz Galvão, que contratou a consultoria para cuidar de sua reestruturação financeira. Aí, sim, o risco de conflito de interesses se torna mais presente, pois cabe à consultoria aconselhar, definir estratégias, decidir como cortar custos, como se proteger de processos judiciais futuros e como enfrentar os credores.
Os consultores da Alvarez & Marsal são conhecidos no mercado pelas técnicas de vale-tudo com que buscam atingir suas metas — dentro das regras legais, mas com muito dedo no olho, puxão de cabelo e golpes pelas costas.
Editora Abril
Um exemplo emblemático foi a estratégia elaborada pela Alvarez & Marsal para a recuperação judicial da Editora Abril, em 2018. Os donos da empresa entregaram a administração do grupo para a Alvarez & Marsal em julho daquele ano, para fazer uma "reestruturação operacional". Um mês depois, a Abril demitiu 804 funcionários e, após dez dias, entrou com pedido de recuperação judicial — antes de encerrado o prazo para pagar as indenizações trabalhistas. Com isso, não precisou pagá-las.
Ou seja, a Alvarez & Marsal desenvolveu uma estratégia, inédita no Brasil, de fazer uma demissão em massa seguida de calote trabalhista em massa, pois a partir do pedido na Justiça nenhuma dívida podia ser cobrada fora do processo de recuperação judicial. Uma manobra supostamente legal, mas definitivamente imoral.
Mais de 400 colaboradores que haviam sido demitidos antes e que estavam recebendo suas indenizações parceladas também levaram calote. Ex-funcionários morreram antes de receber seus direitos. Operários da gráfica ficaram sem ter do que viver. Muitos entraram em depressão.
Conheço bem essa história pois fui um dos mais de 1200 credores trabalhistas da recuperação judicial da Abril. Nos bastidores, os consultores da Alvarez & Marsal comportavam-se mal, muito mal. Executivos e diretores de redação eram recebidos com escárnio e arrogância pelos representantes da consultoria, que comemoravam abrindo garrafas de espumante quando alguém pedia demissão ou quando uma das etapas do seu plano para espremer os centavos dos funcionários demitidos era cumprida conforme o previsto.
Essa é a cultura da nova casa do ex-juiz Sergio Moro. Ele diz que vai ajudar as empresas "a fazer a coisa certa". Espera-se que consiga.
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