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Diogo Schelp

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Para além dos depoimentos no Senado, a CPI que importa

Fabio Wajngarten, ex-chefe de Comunicação de Bolsonaro, depõe na CPI da Covid - Sergio Lima/AFP
Fabio Wajngarten, ex-chefe de Comunicação de Bolsonaro, depõe na CPI da Covid Imagem: Sergio Lima/AFP

Colunista do UOL

14/05/2021 15h37

Quem se deu o trabalho e teve estômago para assistir a todos os depoimentos até agora na CPI da Covid, no Senado, talvez fique se perguntando o que de concreto pode ser extraído daquela série de respostas aparentemente desconexas das testemunhas a perguntas muitas vezes confusas dos parlamentares, de referências repetitivas a fatos para lá de conhecidos da população bem informada e das previsíveis tentativas dos membros governistas da comissão de vender a ideia de que a comunidade científica "está dividida" quanto a questões como a eficácia da cloroquina contra covid-19.

Em meio à cacofonia de versões, do ânimo exaltado de alguns senadores e do contraste entre depoentes escorregadios (como o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o ex-secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten) e outros mais diretos e precisos (como o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, e o representante da Pfizer, Carlos Murillo), o que de concreto a CPI está conseguindo revelar sobre a atuação do governo federal na pandemia?

Alguns pontos estão ficando mais cristalinos e confirmam acusações que vinham sendo feitas com base em reportagens e na simples análise das declarações e do comportamento do presidente Jair Bolsonaro e de seu entorno político desde o início da pandemia.

O primeiro é que o governo apostou em charlatanismo médico por meio da promoção da hidroxicloroquina e da imunidade rebanho como estratégias para lidar com a pandemia, ignorando os alertas de que isso resultaria em centenas de milhares de mortes.

Isso foi endossado pelos depoimentos dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich e do presidente da Anvisa.

Segundo, o governo não deu à compra de vacinas contra covid-19 a prioridade necessária. O depoimento do executivo da Pfizer evidenciou isso pela combinação de quatro informações: 1) a farmacêutica começou a oferecer o imunizante a todos os países simultaneamente; 2) entre a primeira oferta e a decisão de compra por parte do governo passaram-se mais de 6 meses; 3) as dificuldades logísticas (de armazenamento) e jurídicas não eram incontornáveis; 4) o então ministro Eduardo Pazuello em nenhum momento engajou-se ativamente nas negociações.

O terceiro ponto é o acúmulo de evidências de que o que norteava a postura de Bolsonaro diante da pandemia não eram as informações técnicas trazidas pelo Ministério da Saúde e a avaliação de seus ministros, mas o aconselhamento de um gabinete paralelo — formado, suspeita-se, por Carlos Bolsonaro, filho do presidente, e pela oncologista Nise Yamaguchi, entre outras pessoas sem cargo no governo.

Paralelamente à CPI mais visível, essa dos depoimentos televisionados, ocorre a CPI das investigações de bastidores, de compilação de dados, de análise de documentos e de quebra de sigilos, que devem ocorrer nas próximas semanas tendo como alvos alguns dos nomes citados acima.

Essa é a CPI que importa: a que vai dar materialidade às revelações feitas nos depoimentos e mais além deles.