Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
STF expõe mitomania de Bolsonaro às vésperas de mais uma possível mentira
O presidente Jair Bolsonaro prometeu apresentar, na sua live semanal desta quinta-feira (29), as tão faladas provas que diz ter de fraudes no sistema de votação eletrônica vigente no Brasil. Demorou tanto para apresentar as tais evidências que, com razão, foi acusado de estar mentindo.
Foi em março de 2020, durante viagem aos Estados Unidos, que Bolsonaro fez sua primeira acusação mais direta de supostas fraudes eleitorais no Brasil. "Eu acredito, pelas provas que eu tenho nas minhas mãos, que vou mostrar brevemente, eu fui eleito em 1º turno. Mas, no meu entender, houve fraude. Nós temos não apenas uma palavra, nós temos comprovado", disse o presidente, na ocasião.
Se ele já tinha tais provas em mãos, como disse, por que não apresentou? A resposta está embutida na própria pergunta: porque não as tinha, claro.
Bolsonaro levanta dúvidas em relação ao sistema de votação no Brasil porque precisa de um álibi caso não consiga se reeleger em 2022.
Seus embates atuais com o Supremo Tribunal Federal (STF) estão concentrados justamente no tema do sistema de votação, em parte porque acusa os magistrados da corte de articular nos bastidores para impedir a aprovação do voto eletrônico com comprovante impresso, em parte porque o ministro Luís Roberto Barroso, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), vem se dedicando a desmentir que as urnas eletrônicas não são auditáveis ou que as eleições não são limpas e seguras.
"O discurso de que 'se eu perder houve fraude' é de quem não aceita a democracia", disse Barroso nesta quinta-feira (29), rebatendo a declaração dada por Bolsonaro mais cedo de que achava "estranho" a defesa que o presidente do TSE faz do atual sistema de votação.
Bolsonaro é desmentido tantas vezes por Barroso que fica a impressão de que o Brasil tem um presidente mitômano — alguém que mente compulsivamente, a ponto de acreditar nas próprias mentiras.
Não é apenas na questão do voto que os integrantes da mais alta corte do país se veem obrigados a desmentir o presidente. Isso também ocorre com frequência quando o assunto é a decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6341, de abril de 2020, em que os ministros reconheceram a "competência concorrente" da União, dos estados e Distrito Federal e dos municípios na adoção de medidas para conter a pandemia do novo coronavírus.
Bolsonaro insiste na versão de que a decisão do STF deixou-o de mãos amarradas, tirando o poder do governo federal de fazer qualquer coisa para impedir o avanço da covid-19.
Diferentes ministros do STF deram declarações dizendo que não era nada disso. No início do ano, o STF divulgou uma nota, via assessoria de comunicação, afirmando mais uma vez que a decisão da corte não impediu Bolsonaro de atuar.
Mas Bolsonaro e seus apoiadores sequem repetindo a falácia, pois é uma forma de isentá-lo de responsabilidade pelas mais de 550.000 mortes de brasileiros pela covid-19.
No sábado (24), Bolsonaro afirmou que, se ele estivesse "coordenando a pandemia, não teria morrido tanta gente". A verdade é que, se só ele estivesse coordenando a pandemia, teríamos muito mais mortes.
Mas, por sorte e graças à decisão do STF, estados e municípios também tinham essa competência e puderam adotar medidas sanitárias para tentar evitar, ainda que aos trancos e barrancos e com o boicote do governo federal, que a montanha de mortos e o número de sequelados pela covid-19 fossem ainda maiores.
Nesta quarta-feira (28), dias depois da nova fala nonsense do presidente, o STF divulgou nas suas redes sociais o mais contundente desmentido sobre a ADI 6341, na prática chamando o presidente de mentiroso em série. "O STF não proibiu o governo federal de agir na pandemia! Uma mentira contada mil vezes não vira verdade!", afirma a narradora do vídeo.
É no mínimo curioso que o STF tenha exposto a mitomania de Bolsonaro às vésperas de mais uma possível mentira do presidente — mentira cujo propósito é corroer a confiança dos cidadãos no processo eleitoral.
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