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Biden se arrisca ao tentar resgatar os EUA como líderes do 'mundo livre'
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Biden não faz questão de esconder as inúmeras referências que faz, em seu governo, à liderança exercida por Franklin Delano Roosevelt, o 32º presidente dos Estados Unidos. Em matéria de política externa, já comentamos anteriormente nessa coluna, de sua disposição em defender o "internacionalismo wilsoniano" de FDR e de alguns de seus sucessores.
Após a recente viagem para a Europa, na qual reuniu-se com aliados para tratar da crise no leste europeu envolvendo Rússia e Ucrânia, Biden disse, em discurso na Polônia, que a guerra na Ucrânia envolve uma "nova batalha pela liberdade" e que o mundo deve se preparar para uma "longa luta entre democracia e autocracia".
Nada disso é novo em se tratando de política externa dos Estados Unidos. Ao contrário, demarca nuances de uma visão "excepcionalista" que existe desde os pais fundadores e que conduz, ao longo da história do país, a uma postura frequentemente "exemplarista".
Foi em1947, em um famoso pronunciamento do então presidente Harry Truman, que os Estados Unidos se auto-proclamaram "líderes do mundo livre". Estava sendo inaugurado, ali, por meio da "doutrina da contenção", uma política de engajamento internacional norte-americana jamais vista até então.
Historiadores reportam que precisamente esse movimento fez com que os Estados Unidos encerrassem o seu ciclo de ascensão, iniciado décadas antes. Eles deixavam de ser apenas a "terra prometida" para ocupar-se também do discurso e da função de um "Estado cruzadista".
No alvorecer da Guerra Fria, para John Lewis Gaddis, um dos mais importantes pesquisadores desse período, a "América" era retratada por seus líderes como "um império por convite", enquanto a União Soviética era "um império por imposição". Fazia parte da providência missionária dos Estados Unidos, portanto, promover a expansão dos "povos livres" e reivindicar critérios de legitimidade considerados aceitáveis de acordo com seus próprios princípios e valores.
O problema disso, olhando para trás, é que uma política externa orientada por legalismo e moralismo cobrou alto preço dos norte-americanos em diferentes momentos. Mesmo no auge de sua hegemonia incontestável, expôs contradições da ação internacional dos Estados Unidos, promoveu a ideia de que suas lideranças eram arrogantes ao presumir que tratava-se de um Estado mais virtuoso que os demais, e chegou àquilo que o professor John Mearsheimer classificou como equívocos decisórios advindos de "delírios de superioridade".
Ao lançar mão desse tipo de discurso nesse momento, Biden se coloca em posição ainda mais vulnerável. Os Estados Unidos de 2022 não são, definitivamente, os mesmos de 1947. Nem em termos de suas capacidades materiais, nem em termos de sua disposição em patrocinar uma cruzada global. Os seus adversários também não são os mesmos. Um discurso pautado em valores, hoje, mesmo quando endereçado à Rússia, ecoa fortemente sobre outros atores centrais do jogo político, como é o caso da China. Os efeitos colaterais desse tipo de provocação são imprevisíveis, mas certamente perigosos.
Do ponto de vista geral, narrativas que favorecem maniqueísmos e polarizam "bem" e "mal", "amigo" e "inimigo", "mocinhos" e "vilões" não ajudam o mundo o se tornar um lugar mais seguro nem mais estável. Ao contrário, apenas ajudam a estimular revanchismos.
Do ponto de vista dos Estados Unidos, em particular, geram acusações de hipocrisia e culminam na formação de expectativas de comportamento que não poderão ser atingidas por Biden.
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