Liberal e cobiçada pelo governo, OCDE pede fortalecimento do Bolsa Família
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O combate eficiente à pobreza no Brasil precisa passar por um fortalecimento do Bolsa Família. Os comentários fazem parte de uma primeira versão de um levantamento que a OCDE preparou sobre a situação brasileira - OECD Economic Survey of Brazil 2020, uma espécie de raio-x do país.
O rascunho do documento obtido pela reportagem ainda não é final. Mas será a partir dessa minuta que o documento conclusivo está sendo elaborado. Suas conclusões iniciais servem de termômetro para saber o que a entidade pensa sobre o Brasil.
A adesão à OCDE é um dos principais objetivos de política externa do governo. Mas, para isso, terá de passar por reformas. Parte delas são alvo de recomendações no documento vazado.
O texto, classificado em sua capa de "confidencial", deveria estar concluído em meados do ano. Mas, diante da pandemia, ele foi adiado para o segundo semestre do ano, entre setembro e novembro. Será neste momento, então, que o Brasil passará por uma sabatina em Paris.
Procurada, a OCDE afirmou por meio de seus porta-vozes que não iria comentar o documento obtido pela coluna e que apenas falaria sobre informes em seus formatos finais. Já fontes dentro da entidade que participaram da elaboração do documento, em Paris, confirmam que, diante da pandemia, todas as projeções econômicas de crescimento para o país e análise sobre as contas públicas, pobreza, comércio e desemprego que constam do informe terão de ser refeitas.
No texto, a Covid-19 é citada, já que o texto foi elaborado nas primeiras semanas da epidemia. Mas o impacto econômico era ainda desconhecido. Por isso, todas as projeções terão de ser revistas.
Ainda que tenha de ser reavaliada, as avaliações iniciais trazem listas de recomendações ao Brasil para que o país supere alguns de seus maiores desafios.
Entre suas sugestões, a ultra-liberal OCDE deixa claro: "aumentar os benefícios e acelerar a concessão de benefícios no programa Bolsa Família, retirando os benefícios apenas gradualmente".
Desde a eleição de Jair Bolsonaro, o debate sobre o Bolsa Família ganhou as redes sociais e dividiu até mesmo membros de seu governo. Durante seus mandatos como deputado, Bolsonaro foi um dos frequentes críticos do mecanismo.
Em seu discurso à presidência da Câmara, em 2011, ele defendeu o fim dos pagamentos. Segundo o então deputado, o Bolsa Família levaria o Brasil a uma "ditadura do proletariado". "Devemos colocar um fim, uma transição para o Bolsa Família, porque, cada vez mais, pobres coitados, ignorantes, ao receberem Bolsa Família, tornam-se eleitores de cabresto do PT", disse. Apesar de tudo, ele manteve o programa ao chegar à presidência.
Para a OCDE, o governo precisa "proteger as famílias vulneráveis contra perdas de renda inesperadas por demissões" e tal apoio "deve ser transferido para uma rede universal de segurança social testada quanto aos recursos".
"O bem-sucedido programa Bolsa Família está bem posicionado para cumprir esse papel com alguns refinamentos e um aumento nos níveis de benefícios, o que também seria uma ferramenta eficaz para reduzir a pobreza", defendeu.
A OCDE, porém, acredita que o mecanismo criado nos governos do PT tenha de passar por ajustes. "Um desafio-chave para essa transição será tornar o Bolsa Família mais receptivo às mudanças na situação pessoal dos beneficiários, acelerando a concessão de benefícios", disse.
Uma das críticas se refere justamente à lentidão nesse processo. "Atualmente, estas (concessões) podem levar meses ou mais, mas os trabalhadores demitidos precisam de apoio imediato à renda", apontou.
"Os trabalhadores também teriam mais facilidade em aproveitar as oportunidades de emprego se soubessem que o benefício será retomado rapidamente caso fiquem novamente desempregados", indicou.
"Uma eliminação gradual e não repentina dos benefícios do Bolsa Família para aqueles que encontram um emprego formal fortaleceria ainda mais os incentivos à busca de emprego", completou.
Para a reforma no Bolsa Família exigiria uma nova estrutura. "Tornar o programa mais ágil e eficaz implicaria visitas mais freqüentes aos domicílios beneficiários", indicou.
Proteção Social
Preparado antes da declaração da pandemia, mas já com a Covid 19 estabelecida na Ásia, o documento destaca a necessidade de proteção social no Brasil.
"Diante da incipiente transformação estrutural da economia e dos conseqüentes movimentos de empregos entre indústrias e empresas, a proteção social terá uma importância crescente", disse. "Neste contexto, o Bolsa Família é um ativo fundamental sobre o qual o Brasil deve se apoiar para proteger os pobres de forma mais efetiva e fomentar a viabilidade política das reformas", defendeu.
Na avaliação da OCDE, combater a pobreza no Brasil não seria caro. "Retirar todos os pobres atuais, definidos como aqueles abaixo da linha de 5,50 dólares por dia, acima dessa linha poderia custar tão pouco quanto 0,15% do PIB por ano", destacou.
"A erradicação da pobreza, com o consequente investimento em sua saúde e em suas capacidades, teria uma recompensa significativa", defendeu. "O aumento dos benefícios e dos limiares de elegibilidade tem grande potencial para reduzir ainda mais a pobreza. O Brasil gasta apenas 0,5% do PIB no Bolsa Família, o que reduziu a pobreza em 15%", completou.
Além da questão social, eis o receituário da OCDE para o Brasil:
Medidas econômicas
- Manter taxas de juros baixas até que as pressões inflacionárias se tornem claramente visíveis.
- Limitar a demissão do governador do Banco Central a condutas severas para descartar a influência política nas decisões de política monetária no futuro. -
- Salvaguardar a autonomia orçamentária do Banco Central.
- Reforçar a eficiência dos gastos, revendo a remuneração dos funcionários públicos, os subsídios ineficazes, os regimes fiscais especiais e os gastos fiscais.
- Reduzir a rigidez orçamentária por meio da revisão da destinação das receitas, dos pisos de gastos obrigatórios e dos mecanismos de indexação.
- Indexar os benefícios previdenciários aos preços ao consumidor e não ao salário mínimo.
- Aumentar os benefícios e acelerar a concessão de benefícios no programa Bolsa Família, retirando os benefícios apenas gradualmente.
- Reduzir a carga tributária trabalhista dos trabalhadores pouco qualificados, mediante a cobrança de contribuições previdenciárias a alíquotas progressivas, a partir de alíquotas baixas.
- Converter a isenção de "bens básicos" dos impostos sobre o consumo em um abatimento fiscal específico, disponível apenas para famílias de baixa renda.
- Fundir os dois atuais esquemas de desemprego do setor formal e reduzir os gastos fiscais e as contribuições dos empregadores sobre estes.
Combate à corrupção
- Fortalecer a autonomia jurídica de todos os órgãos fiscalizadores da corrupção.
- Criar a base legal para que os réus comecem a cumprir penas de prisão a partir da segunda instância de recurso.
- Esclarecer e limitar as circunstâncias em que os funcionários públicos que trabalham em casos de anticorrupção podem ser processados.
- Facilitar o compartilhamento de dados entre órgãos públicos envolvidos em esforços de combate à lavagem de dinheiro, incluindo um único registro público.
- Fazer do enriquecimento ilícito um crime e não apenas uma ofensa, para facilitar o confisco de bens ilícitos.
- Implementar uma lei dedicada à proteção de delatores.
- Rever as leis de compras públicas e reforçar as disposições sobre conflitos de interesses, incompatibilidades e imparcialidade nas compras públicas.
- Reduzir emendas orçamentárias parlamentares e auditar essas despesas sistematicamente.
Meio Ambiente
- Tornar o crescimento mais verde e mais sustentável.
- O desmatamento declinou até 2014, mas tem aumentado especialmente nos últimos anos. As ações de fiscalização diminuíram significativamente, refletindo cortes no orçamento e no pessoal.
- As discussões políticas têm se concentrado em relaxar a proteção existente e não no uso econômico sustentável do potencial econômico da Amazônia.
- Fortalecer os esforços de fiscalização para combater o desmatamento ilegal, garantindo pessoal e orçamento adequados dos órgãos ambientais.
- Evitar o enfraquecimento do atual quadro legal de proteção, incluindo as áreas protegidas, a lei florestal e a proibição do cultivo da soja na região Amazônica.
- Restabelecer as condições de conformidade para o crédito rural concedido por bancos públicos.
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