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Jamil Chade

ONU: covid-19 escancarou discriminação racial "endêmica" no Brasil e EUA

15.mai.2020 - ONG Redes da Maré indica subnotificação de mortes por covid-19 no conjunto de favelas da zona norte do Rio com base em levantamento feito com os profissionais de saúde da região - Douglas Lopes/Redes da Maré
15.mai.2020 - ONG Redes da Maré indica subnotificação de mortes por covid-19 no conjunto de favelas da zona norte do Rio com base em levantamento feito com os profissionais de saúde da região Imagem: Douglas Lopes/Redes da Maré

Colunista do UOL

02/06/2020 09h26

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A ONU alerta para o impacto desproporcional que a covid-19 está tendo entre as populações negras e cita o caso do Brasil como exemplo de tal fenômeno. Afro-brasileiros em São Paulo têm 62% mais chance de morrer da Covid-19 que brancos.

Num comunicado emitido hoje, a organização destaca o "aumento das disparidades" na forma como a covid-19 está afetando as comunidades, e o grande impacto desproporcional que está tendo sobre as minorias raciais e étnicas, incluindo pessoas de ascendência africana.

Para a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos Michelle Bachelet, isso expõe "desigualdades alarmantes". Ela apontou ainda como tal realidade está alimentando os protestos generalizados que afetam centenas de cidades em todos os Estados Unidos.

"Os dados nos falam de um impacto devastador da covid-19 sobre pessoas de ascendência africana, assim como minorias étnicas em alguns países, incluindo Brasil, França, Reino Unido e Estados Unidos", disse Bachelet.

"Em muitos outros lugares, esperamos que padrões semelhantes estejam ocorrendo, mas somos incapazes de dizer com certeza, uma vez que os dados por raça e etnia simplesmente não estão sendo coletados ou reportados", disse Bachelet.

De acordo com a nota da ONU, em São Paulo, "as pessoas de cor têm 62% mais probabilidade de morrer da COVID-19 do que os brancos". Dados do boletim epidemiológico da Prefeitura de São Paulo apontaram em abril que o risco de morte de negros por covid-19 era 62% maior em relação aos brancos.

Essa não é apenas uma realidade brasileira. "No departamento francês do Seine Saint-Denis, onde vivem muitas minorias, também tem sido relatado um maior excesso de mortalidade", apontou.

Nos Estados Unidos, a taxa de mortalidade da COVID-19 para afro-americanos é relatada como sendo mais que o dobro da de outros grupos raciais. "Da mesma forma, dados governamentais da Inglaterra e do País de Gales mostram uma taxa de mortalidade para negros, paquistaneses e bangaleses que é quase o dobro da dos brancos, mesmo quando a classe e alguns fatores de saúde são levados em conta", afirmou a entidade.

"O impacto terrível da COVID-19 sobre as minorias raciais e étnicas é muito discutido, mas o que é menos claro é o quanto está sendo feito para enfrentá-lo", disse Bachelet.

"Medidas urgentes precisam ser tomadas pelos Estados, tais como priorizar o monitoramento e testes de saúde, aumentar o acesso à saúde e fornecer informações direcionadas para essas comunidades", insistiu.

De acordo com a ONU, tais disparidades provavelmente resultam de múltiplos fatores relacionados à marginalização, discriminação e acesso à saúde. "Desigualdade econômica, habitação superlotada, riscos ambientais, disponibilidade limitada de cuidados de saúde e preconceito na prestação de cuidados podem todos desempenhar um papel", indicou. "Pessoas de minorias raciais e étnicas também são encontradas em maior número em alguns trabalhos que comportam maior risco, inclusive nos setores de transporte, saúde e limpeza", afirma a ONU, em uma nota.

"Os estados precisam não apenas se concentrar no impacto atual dessas disparidades sobre grupos e comunidades que enfrentam discriminação racial, mas também em suas causas", disse Bachelet.

"Este vírus está expondo desigualdades endêmicas que há muito tempo têm sido ignoradas. Nos Estados Unidos, protestos desencadeados pela morte de George Floyd estão destacando não apenas a violência policial contra pessoas de cor, mas também as desigualdades em saúde, educação, emprego e discriminação racial endêmica", alertou.

"Esses problemas se espelham em maior ou menor grau em muitos outros países, onde pessoas de ascendência africana e outras minorias raciais estão sujeitas a formas arraigadas de discriminação", acrescentou Bachelet.

"É uma tragédia que foi preciso COVID-19 para expor o que deveria ter sido óbvio - que o acesso desigual aos cuidados de saúde, a habitação superlotada e a discriminação generalizada tornam nossas sociedades menos estáveis, seguras e prósperas", completou.

Ela ainda indicou que governos precisam priorizar a coleta de dados desagregados. Um estudo recente da Lancet de documentos e relatórios de vigilância nacional sobre a COVID-19 constatou que apenas 7% continham dados desagregados por etnia.

"A coleta, desagregação e análise de dados por etnia ou raça, bem como por gênero, são essenciais para identificar e tratar desigualdades e discriminação estrutural que contribuem para maus resultados na saúde, inclusive para a COVID-19", observou Bachelet.

"A luta contra essa pandemia não pode ser ganha se os governos se recusarem a reconhecer as desigualdades flagrantes que o vírus está trazendo à tona", disse a Alta Comissária. "Em última instância, os esforços para enfrentar a COVID-19 e iniciar o processo de recuperação só serão bem-sucedidos se os direitos de todos à vida e à saúde forem protegidos, sem discriminação", completou.