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Na OMS, Pazuello omite mortos e infectados; Brasil é "líder" em recuperados

Ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello - ADRIANO MACHADO
Ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello Imagem: ADRIANO MACHADO

Colunista do UOL

13/08/2020 08h44Atualizada em 13/08/2020 11h44

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Um dos países mais afetados pela pandemia, o Brasil omitiu a dimensão da crise e apenas apresentou dados positivos em uma reunião internacional. Contra todo o princípio da transparência e promessas de dar informação, intuito do encontro, nem o número de mortes e nem o número de casos da covid-19 foram revelados a governos estrangeiros e Organização Mundial da Saúde (OMS).

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, apresentou as ações adotadas pelo governo brasileiro no combate à pandemia. Ele, porém, se limitou a falar do total de pessoas recuperadas. A apresentação ocorreu durante a reunião semanal que a agência realiza com governos de todo o mundo.

"Até o final do dia de ontem, o Brasil contabilizava 2.309.477 casos recuperados de covid-19", disse o ministro. "Estamos entre os líderes mundiais em pacientes recuperados, o que evidencia o acerto das ações do governo brasileiro em resposta à pandemia", destacou. "Orientamos todos que apresentem sintomas gripais a procurarem os serviços de saúde imediatamente. O objetivo é minimizar internações e evitar a morte. Repito: Nosso objetivo é e sempre foi salvar vidas", explicou.

Pelos dados da OMS, o Brasil é o segundo país com o maior número de mortes pelo coronavírus e o segundo com maior número de infectados, em termos absolutos.

De acordo com governos estrangeiros que estavam no encontro virtual, Pazuello atualizou os especialistas e o próprio diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, sobre as medidas implementadas no país, e indicou a vontade do governo em fazer parte das alianças internacionais, inclusive para a vacina contra a covid-19.

Tradicionalmente, o encontro se transformou num exercício de transparência, com outros governos apresentando os números totais de casos, além das medidas adotadas.

Pazuello não menciona 100 mil mortes em reunião de transparência

Mas o ministro optou por outra estratégia e não citou o fato de o país ter superado a marca de 100 mil mortes. Ainda assim, Pazuello expressou seus "sentimentos sinceros a todos que perderam entes queridos para a covid-19" e reconheceu o "imenso sacrifício pessoal que profissionais de saúde fazem diariamente para ajudar o próximo". "O Brasil se solidariza com vocês", disse.

O chefe da pasta ainda mencionou a Constituição Federal e o fato de que o acesso à saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Ele também destacou a vontade do Brasil em fazer parte dos principais mecanismos de colaboração internacional.

"O desafio que enfrentamos deixará lições importantes", disse. "Mais do que simplesmente uma emergência de saúde, a atual pandemia resultou em uma crise econômica-social em escala jamais vista", disse.

O ministro ainda defendeu como "um sistema universal de saúde forte" e o acesso à vacina permitirão o mundo "vencer esta batalha". "De nossa parte, saibam que o Brasil seguirá engajado nesta luta", disse.

Ministro menciona iniciativas para proteger indígenas

Em maio, Pazuello já havia participado de uma outra reunião da OMS e, naquele momento, insistiu que a colaboração entre governo federal e os estados estava em funcionamento.

O chefe da pasta iniciou o discurso dizendo que tem "imensa satisfação em apresentar as medidas do governo de Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia". Na comunidade internacional, o Brasil tem sido alvo de duras críticas.

Segundo ele, porém, o governo começou a agir antes mesmo de a pandemia ser declarada para proteger os indígenas. "Damos especial atenção à proteção das populações indígenas aldeadas", afirmou. Uma vez mais, ele não citou nem o número de indígenas mortos e nem o fato de alguns dos principais caciques tenham falecido.

"Desde janeiro, ainda antes de a OMS declarar a pandemia do coronavírus, o Ministério da Saúde vem publicando recomendações a respeito do combate à covid-19", disse. "Desenvolvemos uma nova estratégia, denominada unidade de atenção primária indígenas, com o objetivo de fortalecer os serviços de atenção primária à saúde indígena", indicou.

De acordo com ele, mais de R$ 1 milhão foram investidos em pesquisas nessa área indígena e 2 milhões de itens foram enviados a essas populações. "Habilitamos 156 leitos em hospitais localizados em áreas de grande concentração indígena", disse, destacando ainda a entrega de cestas básicas.

Investimentos do governo brasileiro

Pazuello apontou como o SUS (Sistema Único de Saúde) está sendo o "principal pilar da resposta". "Somos o único país do mundo com mais de 100 milhões de pessoas a assegurar acesso integral, universal e gratuito aos mais de 200 milhões de habitantes", disse.

Ele ainda relatou as medidas adotadas dentro do governo como a criação de um Centro de Operações em 3 de fevereiro.

O ministro também apontou como, "além dos R$ 140 bilhões destinados ao SUS desde o início da pandemia", o governo "já destinou mais de R$ 42 bilhões exclusivamente ao reforço no combate à covid-19".

De acordo com ele, 9,8 mil ventiladores forem entregues e 11,9 mil leitos de UTI foram criados, com repasse de R$ 1,7 bilhão. Ele ainda citou 241 milhões de unidades de equipamentos de proteção e investimentos de R$ 2,8 bilhões em itens de emergência. No que se refere à vacina, o ministro destacou o compromisso de R$ 2 bilhões para a compra e produção. "Equipamos nosso sistema de saúde para responder à altura a essa pandemia", disse.

Ministro destaca comunicação com a OMS

Tentando demonstrar que o Brasil segue as regras internacionais e adota transparência, o ministro indicou como o país notificou a OMS assim que o primeiro caso foi registrado e indicou que compartilha diariamente informações à agência. "A resposta brasileira está acontecendo em estrito cumprimento ao Regulamento Sanitário Internacional", disse.

"Notificamos imediatamente à OMS quando confirmado o primeiro caso no território brasileiro, em 26 de fevereiro deste ano. Compartilhamos diariamente informações aos demais estados partes e à OMS do contexto geral da reposta à pandemia. Relatamos casos confirmados e possíveis contatos com casos confirmados em brasileiros no exterior e estrangeiros no Brasil", declarou.

Ele ainda apontou como o Brasil conta com "avançado Sistema de Vigilância Epidemiológica, que é apoiado pela capilaridade do SUS em todo o Território Nacional".

"Os dados que recebemos em tempo real sobre a covid-19 são de qualidade e representativos de toda a população brasileira. Graças ao nosso sistema, temos informações precisas que nos permitem elaborar estratégias eficazes de combate ao coronavírus. Os dados podem ser acessados na nova plataforma online interativa que inauguramos recentemente. O novo site expressa nosso compromisso inequívoco com a transparência de dados sobre a covid-19 no Brasil", diz.

Agência vem alertando sobre o Brasil

No início da semana, a direção da OMS havia alertado que a proliferação do coronavírus no Brasil não caía, que a cloroquina não funcionava e a doença continua ativamente se espalhando pelo país.

Para a OMS, o distanciamento social precisa ser mantido no Brasil. Mas reconheceu que a sociedade precisa de ajuda.

"É difícil para muitos no Brasil", disse Mike Ryan, diretor de operações da OMS. "Muitos vivem em locais lotados e na pobreza. Manter essas atividades é muito difícil. "O governo deve continuar a dar apoio à sociedade. É difícil agir como comunidade se não recebe apoio. Não se pode empoderar comunidades com palavras. Elas precisam de ações. Ela precisa de recursos e conhecimento. Sociedades não podem agir com as mãos atadas nas costas. Elas precisam receber recursos e meios para agir", alertou o chefe da OMS.

Para Ryan, o Brasil continua a registrar entre 50 mil e 60 mil novos casos por dia, com uma taxa de proliferação entre 1,1 e 1,5. "O vírus ainda está ativamente se espalhando por grande parte do país", alertou.

"O Brasil está mantendo um nível muito elevado da epidemia. A curva está mais achatada. Mas ela não está caindo e o sistema está sob dura pressão", afirmou.

O irlandês voltou a repetir uma posição já conhecida da OMS de que a hidroxicloroquina não serve. "Num cenário como ele, o remédio não é a solução e não é a bala de prata". Por meses, a agência realizou testes com o remédio. Mas chegou à constatação de que ele não traz benefício.

"Cabe ao governo de forma soberana decidir qual é o melhor tratamento. Mas, no momento e a partir dos testes, ele (o remédio) não se mostrou eficiente", disse.