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Jamil Chade

Eleição nos EUA vira teste mundial da extrema-direita e do populismo

Jair Bolsonaro não é único líder a fazer campanha pela reeleição do presidente americano, Donald Trump - Kevin Lamarque/Reuters
Jair Bolsonaro não é único líder a fazer campanha pela reeleição do presidente americano, Donald Trump Imagem: Kevin Lamarque/Reuters

Colunista do UOL

03/11/2020 04h00

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A madrugada de terça-feira para quarta será longa em muitas partes do mundo. Pelas diferentes capitais da Europa, Ásia e América Latina, grupos com distintas religiões e histórias acompanharão a apuração das eleições nos Estados Unidos (EUA) como se fossem suas. E, para muitos desses segmentos da sociedade, de fato a eleição pode definir o rumo de seus movimentos, principalmente os grupos de extrema-direita e populistas.

Na Hungria ou Polônia, na sede dos partidos populistas de França, Espanha, Alemanha ou Itália, uma reeleição de Donald Trump confirmará suas agendas e lhes dará oxigênio em meio aos questionamentos. Para Índia, Brasil ou Filipinas, o que está em jogo é uma estratégia populista-nacionalista.

Entre os europeus, há uma percepção de que o movimento de extrema direita no continente não depende de Trump. Vários dos slogans usados pela Casa Branca, de fato, percorriam o submundo da política europeia desde os anos 70.

Mas a derrota do americano, ainda assim, os exigirá repensar estratégias e pode afetar até mesmo as fontes de recursos para pagar por campanhas e ataques virtuais. Acima de tudo, a percepção é de que o fim do governo Trump mandaria um sinal claro de que o movimento ultraconservador tem como ser freado e que mesmo a tática de proliferação de mentiras tem um limite.

Não por acaso, líderes populistas romperam nos últimos meses a tradição de não se envolver em eleições estrangeiras e saíram ao apoio de Trump. Os europeus não são os únicos. No governo Bolsonaro, na gestão de Duterte nas Filipinas ou na administração de Modi na Índia, o que estará em jogo nos EUA é muito mais do que a alternância de poder na maior economia do mundo.

Levantamentos e pesquisas de opinião revelaram que a covid-19 colocou sérias dúvidas em uma ampla parcela da população sobre a capacidade de líderes populistas de extrema direita governarem. Agora, sem Trump, esses grupos não escondem que haveria uma sensação de estarem órfãos.

Não é só Bolsonaro que faz campanha por Trump

Não por acaso, a ordem desses governos é a de agir de forma deliberada para apoiar Trump ou mesmo ceder em seus interesses nacionais para ajudar o americano a conquistar votos. No caso do Brasil, Jair Bolsonaro passou a ser visto pelo mundo como o maior cabo eleitoral do presidente americano.

Se sua imagem pelo mundo já está desgastada, o fim do mandato de Trump ampliaria seu isolamento e obrigaria o governo a ter de repensar suas estratégias de política externa.

Mas o brasileiro não é o único nessa posição. Para diplomatas europeus, uma derrota de Trump fortaleceria o posicionamento de governos como o de Angela Merkel, considerada como a democracia com o maior poder hoje de se contrapôr à ideologia de grupos populistas. Não por acaso, num recente discurso durante a campanha, Trump incluiu a Alemanha entre aqueles que querem ver sua derrubada.

"A China quer eu fora, o Irã quer eu fora, a Alemanha quer eu fora", disse. Em Berlim, há uma percepção clara que uma nova relação terá de ser inaugurada com Washington. Mas uma vitória de Joe Biden poderia ajudar a frear grupos domésticos alemães, com fortes tendências populistas.

No início de setembro, quando esses grupos ameaçaram invadir o Parlamento alemão, a manifestação não apenas trazia símbolos da extrema-direita do país. Mas camisetas com a imagem do principal ídolo do grupo: Trump.

A ironia: máscaras pró-Trump

Na Itália, a situação não é diferente. Matteo Salvini, chefe do movimento de extrema-direita no país, passou a usar uma máscara em que orgulhosamente expunha a referência à campanha nos EUA: "Trump 2020". Para observadores italianos, a máscara de Salvini era uma verdadeira incoerência, diante do resultado da resposta de Trump diante da pandemia.

Na Polônia, apoio é total por parte do governo. Andrzej Duda, chegou a viajar até os EUA, dias antes de sua eleição, enquanto seu partido comparou Trump ao papa João Paulo II por sua luta contra o comunismo. Na imprensa que apoia o grupo ultraconservador, manchetes alertam: Biden não respeita os poloneses".

O americano ainda ganha apoios explícitos de outros líderes, como Janez Jansa da Eslovênia, que chegou a ir às redes sociais para declarar que Trump havia vencido o debate com Biden. "Se ele (Biden) for eleito agora, ele será um dos presidentes mais fracos da história dos EUA", disse Jansa. "Vamos Donald Trump, vença," declarou.

O cenário da Hungria é similar. Viktor Orban deixou claro que seu voto é de Trump, enquanto a oposição vem alertado que uma derrota do americano minaria a legitimidade do líder húngaro.

Não faltaram esforços por parte de aliados da Casa Branca para transformar Trump numa espécie de ícone do novo populismo mundial. Um dos artífices dessa campanha foi Steve Bannon que percorreu a Europa e outras partes do mundo em busca de aliados. Eduardo Bolsonaro era um deles.

Herança trumpista

Mas, ainda que Trump seja derrotado, sua herança promete ser duradoura. Levantamentos realizados por entidades americanas revelam que, desde 2016, nunca tantos atos da extrema-direita foram tolerados e realizados em solo americano como no período do governo do atual presidente americano.

Entre 2016 e 2018, foram 125 eventos compostos por neonazistas, nacionalistas ou extremistas, seguido a Southern Poverty Law Center. Muitos saíram da clandestinidade, convictos de que uma pseudocivilização estava ameaçada e que, para defende-la, a violência passou a ser legítima. Termos como "invasão hispânica", "genocídio branco" e outras teorias da conspiração ganharam força.

O racismo foi normalizado e sequer foi necessário que atos independentes fossem realizados para que tais grupos demonstrassem suas intenções. Muitos eram camuflados de campanhas pró-Trump. Um estudo da Universidade Texas A&M concluiu que, nos locais que sediaram atos a favor do então candidato republicano em 2016, crimes de ódio foram 226% mais frequentes que em locais que não sediaram eventos pró-Trump.

Entre 2014 e 2018, pessoas com ligações a grupos de extrema-direita cometeram 81 assassinatos nos EUA. 40 deles ocorreram apenas no ano de 2018.

Trump ainda deixa ao mundo o ressuscitar do termo "fake news", depois de décadas adormecido diante de seu último usuário - Adolf Hitler. Seu objetivo era o de minar a credibilidade da imprensa, justamente para impedir que houvesse um controle externo a sua administração. Pelo mundo, o termo justificou a prisão ou ataques físicos contra dezenas de jornalistas.

O grupo mais próximo de Trump ainda fincou suas bases na Europa, na esperança de ajudar partidos de extrema-direita. Na ONU, suas alianças minaram os direitos das mulheres e romperam consensos que pareciam sólidos em termos de direitos humanos.

O nacionalismo e a decisão de ignorar regras multilaterais também poderão ser ecoados por anos, com repercussões perigosas.

Na Espanha, o partido de extrema-direita, Vox, resumiu o papel de Trump para muitos: "uma inspiração".