Trump coloca mundo em estado de alerta; Alemanha teme crise constitucional
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A declaração de Donald Trump reivindicando sua vitória nas eleições americanas, sua acusação sem provas de um suposta fraude e o alerta de que iria parar a contagem de votos para levar o caso à Suprema Corte dos EUA colocam o mundo em um estado de alerta, enquanto instituições e governos estrangeiros temem um mergulho em um período de forte instabilidade.
O medo, em primeiro lugar, se refere a um eventual distúrbio social nos EUA. Com um país dividido, a preocupação de entidades internacionais é de que o tom usado por Trump incentive seus apoiadores a sair às ruas para defender a suposta vitória, até agora não confirmada pelos números.
Rompendo uma longa tradição de não se envolver nas eleições americanas, governos europeus e parlamentares emitiram notas e declarações apelando à calma, antes mesmo de a crise ser inaugurada com o discurso de Trump. Heiko Maas, chefe da diplomacia alemã, indicou que Berlim desejava "a todos os americanos uma eleição justa, boa e, acima de tudo, pacífica". Em outras capitais, a preocupação com essa dimensão concentrava parte das análises dos diplomatas incumbidos a acompanhar o processo nos EUA.
Alemanha fala em risco de crise constitucional e cenário explosivo
Já nesta quarta-feira, uma das personalidades mais importantes do governo alemão admitiu que Berlim está preocupada diante da situação das eleições nos EUA e alertou sobre o risco de uma crise constitucional.
A ministra da Defesa, Annegret Kramp-Karrenbauer, apontou que a situação era "muito explosiva". "O resultado destas eleições ainda não está decidido. Ainda estão contando os votos", disse Karrenbauer, em entrevista ao canal ZDF.
Com a acusação feita pelo presidente de que houve uma suposta fraude, o que era apenas um cenário desenhado por burocratas para avaliar o que ocorreria nos próximos dias começou a ganhar uma silhueta de realidade. "Nossos piores cenários estão se confirmando", admitiu um diplomata europeu, nesta manhã de quarta-feira. "O termo fake news pode ganhar uma outra dimensão depois dessa eleição. Ela não só manipula votos. Mas ameaça tirar dos trilhos toda uma democracia", avaliou.
Enquanto Trump discursava diante de bandeiras americanas, dirigentes no exterior acompanhando o evento pela televisão colocavam as mãos na cabeça, incrédulos do que estavam presenciando. "Isso não vai terminar bem", alertou outro negociador na cúpula da ONU.
Ativistas fazem apelo aos líderes democráticos
De uma maneira pouco comum, entidades de direitos humanos já começam a reagir e pedindo que líderes de democracias pelo mundo monitorem a situação americana. O cenário mais parecia de um apelo à fiscalização nos moldes que justamente o governo americano usa quando questiona o comportamento de líderes latino-americanos, africanos ou asiáticos.
Kenneth Roth, diretor-executivo da Human Rights Watch, apelou aos "líderes de democracias pelo mundo" que atuem para "garantir que todos os votos sejam validados". "Agora, os autocratas podem ficar perfeitamente felizes em minar a democracia nos Estados Unidos, acolhendo uma declaração de vitória prematura", disse um dos ativistas mais respeitados no cenário internacional. "Os líderes que se preocupam com a democracia devem prestar atenção ao que os eleitores querem como determinado pelas regras eleitorais, ao invés do que os candidatos dizem. Se todos nós continuarmos comprometidos com a democracia, poderemos alcançar um resultado justo", apelou.
"Todos nós conhecemos os riscos. Há a possibilidade de que um candidato possa declarar a vitória prematuramente. Ou, que ele possa tentar deslegitimar algum aspecto da eleição, fazendo reivindicações infundadas", disse, numa alusão a Trump.
Num recado ornamentado por uma linguagem diplomática, o chefe da política externa europeia, Josep Borrell Fontelles, publicou uma mensagem em suas redes sociais indicando que o Velho Continente não considera a declaração de vitória de Trump como definitiva e que o novo presidente sairá dos votos. "O povo americano se pronunciou. Enquanto esperamos pelo resultado da eleição, a UE continua pronta para continuar a construir uma parceria transatlântica forte, baseada em nossos valores comuns e história", escreveu.
A embaixadora da França na Alemanha, Anne-Marie Descôtes, publicou uma mensagem com um tom parecido de que não é o momento de reconhecer qualquer tipo de resultado. "As eleições nos EUA ainda não foram decididas. Já é hora de cuidarmos mais da nossa Europa", disse, num recado interno também em defesa de uma maior autonomia.
Já um dos raros aliados de Trump na Europa, o primeiro-ministro da Eslovênia, Janez Jansa, rompeu a postura de cautela da Europa e declarou que estava "bastante claro que o povo americano elegeu Donald Trump para outros quatro anos". Segundo ele, quanto mais haja uma "negação dos fatos, maior será o triunfo final".
Exemplo
Por mais que a crise possa ser contornada e que não haja violência nas ruas, uma das preocupações entre os dirigentes das Nações Unidas é de que a reação de Trump seja usada como "exemplo" para dezenas de líderes ou grupos políticos pelo mundo que se recusariam a aceitar resultados de eleições. Ou que optem por, deliberadamente, criar um caos para sacudir um processo político. O precedente, segundo eles, é perigoso.
"O governo americano percorre o mundo dando lições de como deve ser uma democracia, escreve a constituição de países e determina o que é a definição de liberdade. Hoje, esse papel é duramente minado e até questionado pela reação de seu próprio presidente", disse outra representante internacional.
Mas há um terceiro impacto que a crise poderia gerar: a retirada dos EUA do cenário internacional, enquanto sua crise doméstica não é resolvida. Isso significaria um eventual vácuo de poder em temas críticos como a pandemia, conflitos em diferentes partes do planeta e mesmo no meio ambiente.
Uma das esperanças era de que, ao ter uma definição da eleição americana nesta quarta-feira, a prometida retirada dos EUA do Acordo de Paris seria evitada. Mas Trump se antecipou e, horas depois da meia-noite do dia 4 de novembro, confirmou o fim da participação americana no tratado que estabelece a bússola mundial sobre a questão de mudanças climáticas.
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