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Jamil Chade

Sobrevivência de agenda ultraconservadora do Brasil depende de autoritários

28.jun.2019 - Presidente Jair Bolsonaro, do Brasil, e presidente Donald Trump, dos EUA, durante encontro bilateral no Encontro do G20, em Osaka - Brendan Smialowski / AFP
28.jun.2019 - Presidente Jair Bolsonaro, do Brasil, e presidente Donald Trump, dos EUA, durante encontro bilateral no Encontro do G20, em Osaka Imagem: Brendan Smialowski / AFP

Colunista do UOL

07/11/2020 13h58

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Sem seu único grande aliado no mundo, o Itamaraty terá de depender de nanicos, ditaduras das mais perversas e governos polêmicos para defender sua agenda internacional. Na guerra ideológica e de valores, o fim da Era Trump ameaça o projeto brasileiro de reconstruir um cenário internacional com bases ultraconservadoras.

Desde que assumiu o Itamaraty, o chanceler Ernesto Araújo estabeleceu uma plataforma que ia contra toda a tradição diplomática do país. Abandonou uma postura de diálogo e elegeu Trump como o "único" que poderia salvar a civilização Ocidental. Na área do comércio, cedeu em pontos estratégicos, assim como redefiniu posturas inclusive no setor de defesa.

Mas foi na agenda de costumes, valores e ideologia que o Brasil embarcou numa aliança cega. Ao longo de dois anos, os dois países costuram uma postura internacional que chocou grande parte dos países democráticos.

Atuando dentro do Conselho de Direitos Humanos da ONU para defender os interesses dos EUA, o Brasil tentou vetar temas como igualdade de gênero, direitos das mulheres e mesmo uma postura mais ousada contra o racismo.

A diplomacia da saúde também foi contaminada pela ideologia, transformando a postura do Brasil na OMS em uma defesa de valores morais ou dogmas religiosos. Para justificar tal agenda, o Itamaraty revestia a narrativa como sendo uma da "defesa da família".

Outra dimensão da aliança é a defesa do cristianismo, camuflada de uma pauta denominada como "proteção da liberdade religiosa". Enquanto essa agenda era costurada, o governo brasileiro ampliava os contatos com entidades religiosas ultraconservadoras dos EUA e que tinham livre circulação dentro da Casa Branca.

O auge dessa aliança foi atingido no mês passado quando os dois países lideraram uma coalizão de 32 governos que declararam sua rejeição total ao aborto e uma defesa dos valores da família. Na América Latina, nenhum outro país aceitou fazer parte do projeto. No Caribe, apenas o Haiti. Na Europa, o pacto teve a adesão apenas dos também ultraconservadores Polônia e Hungria.

Mas foi no mundo árabe e muçulmano que o maior número de aliados foram encontrados, inclusive os sauditas, conhecidos por restringir direitos às mulheres.

Mas o fim da Era Trump deixa seus órfãos. E provavelmente o maior deles seja o Brasil, que fica sem seu único grande aliado para lutar contra comunistas, globalistas, moinhos de vento e outros inimigos imaginários.

Restarão ao lado do Brasil apenas países acusados de sérias violações de direitos humanos, de ameaças ao estado de direito ou simplesmente nanicos da diplomacia internacional, incapazes de representar qualquer tipo de benefício aos interesses nacionais.

A derrota do republicano completa o isolamento do Brasil no mundo e abre um desafio profundo para Itamaraty. Se não moderar sua postura internacional, se consolidará como pária. Se mudar sua postura no mundo, Jair Bolsonaro trairá sua base doméstica mais radical.

Enquanto a encruzilhada se apresenta aos líderes dogmáticos do Itamaraty, diplomatas brasileiros pelo mundo envergonhados pela realidade do país ironizavam que, finalmente, trocariam o "black label" por uma champagne.