"Pito" da China em Eduardo Bolsonaro foi também alerta ao Brasil pós-Trump
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Um dos mitos mais repetidos sobre a diplomacia chinesa se refere a um comentário do primeiro-ministro Zhou Enlai. Em 1971, ele teria sido questionado por Henry Kissinger (diplomata e posteriormente secretário de Estado americano) sobre o que pensava sobre o impacto da Revolução Francesa. Sua resposta: "É muito cedo para dizer".
Décadas depois, o mito foi desfeito. Zhou não tinha entendido a pergunta e pensava que o americano o questionava sobre os protestos estudantis em Paris, em 1968. Mas, entre parte dos diplomatas e analistas, o erro era "delicioso demais" para ser desmentido.
Seja qual for o motivo do engano, a realidade é que a resposta cabia como uma luva na narrativa que começava a ser construída sobre a paciência e visão de longo prazo da diplomacia chinesa. E, de fato, esse passou a ser um tom adotado por Pequim, construindo relações com metas ambiciosas e prazos alargados. Entre diplomatas europeus, correm ainda comentários sobre como cálculos de hoje no "Império do Meio" não visam ações imediatas, mas sua hegemonia a partir de 2050.
Diante de tal realidade, a decisão da China de emitir um comunicado violento contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, foi recebido como um recado claro dentro do Itamaraty de que a paciência dos chineses teria chegado a um limite.
No dia 23 de novembro, Eduardo Bolsonaro foi às redes sociais para acusar a China de praticar espionagem cibernética e defendeu a iniciativa dos Estados Unidos de criar uma aliança internacional que discrimina a tecnologia 5G de Pequim.
Na quarta-feira, a embaixada da China em Brasília respondeu com um ataque direto, acusando o filho do presidente — e seus aliados — de serem uma ameaça para a relação bilateral e apontando que o Brasil poderia sofrer consequências diretas e "negativas" se tal comportamento fosse mantido.
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O comunicado surpreendeu por seu tom ameaçador e de alerta, rompendo com uma postura dos mandarins da diplomacia de buscar consenso e pensar no longo prazo.
Mas o gesto não seria apenas o fim da paciência. A ação chinesa também ocorreu por canais diplomáticos, criando um mal-estar em Brasília. Para uma parcela dentro do governo, a elevação do tom por parte de Pequim obedeceria a outra lógica: a percepção de que, a partir de agora, o governo Bolsonaro não tem mais como se esconder de baixo da saia da administração de Donald Trump em ataques coordenados contra a China.
No fundo, a ameaça de Pequim não é de retaliação imediata. Mas de um alerta que, sozinho, o Brasil não tem o poder que imagina que possa desempenhar. E que, se continuar a fazer ataques contra a China, enfrentará as consequências sem o apoio de seu aliado derrotado em Washington.
Entre analistas estrangeiros, muitos apontam que o democrata Joe Biden não deve reduzir a pressão sobre a China. Biden, segundo interlocutores que trabalharam em sua campanha, pretende costurar uma aliança global para se contrapor a Pequim.
Mas, por suas escolhas para ocupar os cargos na diplomacia americana, a opção não será por uma confrontação pública e nem por meio da geração de crises deliberadas.
O raro pito chinês, portanto, foi um alerta: vocês estão sozinhos.
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