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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Apoio de políticos brasileiros a grupos de ódio soa alerta internacional

Uma multidão de apoiadores de Trump sobem no Capitólio no início deste mês após a manifestação "Pare o Roubo". - Reuters
Uma multidão de apoiadores de Trump sobem no Capitólio no início deste mês após a manifestação "Pare o Roubo". Imagem: Reuters

Colunista do UOL

21/02/2021 12h00

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Resumo da notícia

  • Com saída de Trump, necessidade de frear movimentos radicais pelo mundo passará a ganhar força na agenda da ONU
  • Carta de senador americano também explicitou o mal-estar em relação ao comportamento do governo brasileiro

Quando os ministros Ernesto Araújo e Damares Alves participarem do Conselho de Direitos Humanos da ONU, nesta segunda-feira, os representantes do governo de Jair Bolsonaro ouvirão um recado velado de democracias e da cúpula das Nações Unidas: chegou o momento de se estabelecer um compromisso para frear o apoio de líderes políticos a grupos de ódio e a movimentos radicais que ameaçam a democracia e direitos fundamentais.

A mensagem no Conselho não virá com nomes de países e nem identificando os líderes que são acusados de incentivar tais movimentos. Mas, segundo diplomatas, um dos focos de preocupação na agenda internacional é a relação de políticos brasileiros com grupos mobilizados para disseminar desinformação e ideologias que promovem o ódio. Também fazem parte desse grupo que preocupa países europeus, partidos nacionalistas em determinadas regiões da Ásia e mesmo aliados de Donald Trump que continuam no poder nos EUA.

O Brasil será o único país que enviará dois ministros ao encontro do Conselho da ONU, que ocorre de maneira virtual. De acordo com o Itamaraty, em sua intervenção, Araújo "tratará dos persistentes desafios às liberdades fundamentais e aos direitos humanos no mundo hoje". Já Damares indicou que irá relatar o que o governo tem feito em sua resposta à pandemia da covid-19. A reunião, porém, será marcada por um tsunami de denúncias contra o Brasil por parte de governos estrangeiros, relatores da ONU e dezenas de ongs.

A coluna apurou, porém, que cresce a percepção nos bastidores de que passou a ser necessário lidar com os movimentos radicais como uma ameaça transnacional, já que eles teriam ramificações em diferentes partes do mundo, inclusive com estratégias compartilhadas. Nesse contexto, parte da atenção está voltada ao comportamento de políticos brasileiros.

A invasão do Capitólio, em 6 de janeiro, ainda representou um ponto de inflexão e deve ser considerada como um momento para repensar o papel de líderes políticos. Entre a difusão de ódio pela internet, o apoio de líderes e uma invasão que pode gerar mortes, a distância é mínima.

Araújo foi criticado inclusive nos EUA por ter tomado uma postura ambígua diante da invasão. Numa carta enviada ao presidente Jair Bolsonaro, no dia 12 de fevereiro, o presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado americano, Robert Menendez, foi contundente ao questionar o posicionamento do chanceler brasileiro, que chegou a se referir ao movimento de contestação nos EUA como sendo formado por "bons cidadãos". "O fato de Araújo ter defendido tais atos de terrorismo doméstico mostra como ele está distante da realidade atual nos EUA", escreveu o senador.

"Esses comentários não são a ação de um aliado e eles ameaçam minar a parceira entre os EUA e o Brasil", alertou. Ele ainda acusa o ministro brasileiro de estar dando prioridade a uma relação com uma "facção radical" da politica americana e alerta que sua postura apenas serve para legitimar a narrativa de extremistas.

Sua manifestação, porém, é apenas parte de um mal-estar cada vez maior em relação ao Brasil. O temor é de que, num cenário pós-Trump, o país se transforme em uma espécie de referência para movimentos radicais.

Entre governos estrangeiros, há uma convicção de que não há mais como atenuar as críticas e nem fingir que o apoio político a esses grupos não existem em diferentes partes do mundo. Mas, ao mesmo tempo, o papel das redes sociais precisa ser debatidos.

Há uma percepção tanto na Europa como em outras partes do mundo de que a decisão de redes sociais de bloquear políticos pode representar uma ameaça, mesmo quando o silenciado é Donald Trump. Mas, enquanto alguns países como o Brasil se limitam a defender que haja uma liberdade total nas redes sociais, na Europa a proposta é de que uma espécie de pacto seja estabelecido para exigir que certos valores sejam adotados pelas plataformas digitais. Entre eles: a defesa da democracia, o veto à xenofobia ou qualquer incitação ao ódio.

A UE, nos bastidores, já vem trabalhando em uma tentativa de acordo internacional neste sentido. Na sexta-feira, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, usou seu discurso na Conferência de Munique sobre Segurança, para martelar sobre o fato de que o episódio do Capitólio deve servir de alerta.

"O ataque no Capitólio dos Estados Unidos foi um ponto de virada para nossa discussão sobre o impacto que as mídias sociais têm em nossas democracias. Isto é o que acontece quando as palavras incitam à ação. Em um mundo onde as opiniões polarizantes são as mais prováveis de serem ouvidas, é apenas um pequeno passo das teorias da conspiração grosseira até a morte dos policiais", disse.

Instantes depois, o presidente americano Joe Biden reforçou o alerta sobre a sobrevivência da democracia diante dessas ameaças. "A democracia não acontece por acidente", disse Biden. "Temos que defendê-la, lutar por ela, fortalecê-la, renová-la. Temos que provar que nosso modelo não é uma relíquia de nossa história; é a melhor maneira de revitalizar a promessa de nosso futuro", defendeu.

No Conselho na ONU, nesta semana, tais alertas serão traduzidos por dois nomes: neonazismo e supremacistas brancos. A avaliação da entidade é que a ameaça que esse movimento representa é cada vez maior e mais real. Em certos lugares, eles já seriam a maior ameaça à segurança nacional.

Outra constatação: eles já deixaram de ser problemas nacionais. Com redes que não respeitam fronteiras, tais grupos ganharam uma dimensão transnacional.

Mas o problema não é apenas de grupos marginalizados na sociedade. Para a ONU, o que mais preocupa é que tais discursos são aplaudidos, incentivados e promovidos por líderes políticos.

Na ONU, o que ainda preocupa é como tais grupos e movimentos usaram a pandemia para ampliar suas bases de apoio. A receita é relativamente simples: diante de um momento de incerteza e angústia, proliferam teorias conspiratórias nas redes, ampliam manipulações de dados e aprofundam a polarização social.

Mais céticos, observadores estrangeiros acreditam que uma das posturas mais claras do Brasil nos últimos meses e que será mantida é de "fingir surdez" quando o assunto é o apoio de governos e responsáveis políticos na disseminação de ideologias violentas, ameaças e ataques contra a sociedade civil, oposição ou contra a imprensa.