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Governo usa "família" para combater o que chama de "ideologia de gênero"
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A secretária da Família do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), Ângela Gandra, participou em 12 de março de um evento com parceiros estrangeiros que incluía representantes de partidos de extrema-direita da Europa. Na ocasião, ela revelou estratégias para impor a agenda ultraconservadora do Planalto por meio da implementação de programas supostamente direcionados a atender as famílias, mas afirmou que o foco é combater a "ideologia do gênero".
Estamos trabalhando muito nas políticas públicas contra a 'ideologia de gênero'. Desde o primeiro momento, tiramos todas as cartilhas que tínhamos onde os pais eram preparados a ajudar seus filhos desde os dois anos [de idade] a escolher seu sexo."
Ângela Gandra, secretária nacional da Família no Ministério da Mulher
"Ideologia de gênero" é um conceito pejorativo usado pelo campo ultraconservador, muitas vezes ligado ao fundamentalismo religioso, contra os avanços nos direitos sexuais e reprodutivos e na igualdade de gênero, em especial a população LGBTQIA+. Defensores da moral costumam se referir à "ideologia de gênero" como ameaça à sociedade, posicionam-se contrários ao direito ao aborto e usam o conceito de "família" para impor uma agenda que, na realidade, tolhe direitos de quem não se alinha a esse posicionamento conservador.
A transmissão foi obtida pelo UOL. Trata-se de um seminário virtual intitulado "Uma resposta política à 'ideologia de gênero'", promovido pela organização internacional "Polítical Network for Values", uma plataforma de representantes políticos que defende valores como "a proteção da vida humana, o casamento, a família, a liberdade religiosa e de consciência".
Entidades antiaborto, políticos de extrema-direita e especialistas de diversos países trocaram experiências sobre estratégias de combate à "ideologia de gênero". O deputado federal Wilton Acosta (PRB-MS) também participou. Disse que a "ideologia de gênero" seria uma "afronta ao pensamento cristão" e se referiu a essas políticas como "agenda gayzista".
Além do Brasil, a reunião contou com entidades como a Alliance Defending Freedom (ADF) — que se diz dedicada à liberdade religiosa e é grande financiadora de temas ligados à agenda ultraconservadora — e representantes do partido de extrema-direita da Espanha, o Vox.
A mediadora do encontro chegou a afirmar que o governo Bolsonaro era central para a manutenção da agenda ultraconservadora no palco internacional.
Discurso começou com tom de orgulho
Ângela Gandra, uma das pessoas mais influentes dentro do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, iniciou seu discurso em tom de orgulho, dizendo que Bolsonaro se comprometeu em não permitir que a "ideologia de gênero" fosse promovida. De acordo com ela, a estratégia é atuar por meio dos programas direcionados a "fortalecer a família".
Como estamos fazendo? Em primeiro lugar, com um projeto que se chama 'Famílias Fortes'. É um programa que estamos levando a todos os municípios do Brasil, que trata do fortalecimento de vínculos familiares. Porque muito acontece pelos abusos que há na família, a pedofilia e tudo, que depois as pessoas se confundem e vão para outro caminho. Pensamos que isso é a prevenção da prevenção: a família forte."
Ângela Gandra, secretária nacional da Família no Ministério da Mulher
Um segundo programa seria o "Família na Escola", em parceria com o Ministério da Educação, que visa "chamar a família para acompanhar o conteúdo da formação de seus filhos na escola", segundo a secretária.
"O 'Família na Escola' é muito importante porque os pais não conhecem a ideologia que acontece na escola. Muitas vezes, se assustam ao ver os frutos ou o material. Há muita omissão também", afirmou.
Trabalho Legislativo
Ângela Gandra ainda explicou como o governo também trabalha junto ao Poder Legislativo e à Suprema Corte para avançar nessa direção.
Há um projeto que prevê a não discriminação na escola e a 'ideologia de gênero' instalada no Programa Nacional de Educação. Então, buscamos o ministro que é o relator do processo e pedimos, em nome das famílias que estão muito assustadas, pois desde pequenos começam a promover a descoberta de um e outro sexo, desde os 4 anos. E aos 10 e 11 anos, [de modo] mais forte."
Ângela Gandra, secretária nacional da Família no Ministério da Mulher
Segundo ela, a mediação nessas idades é importante por conta "da falta de hormônios". "É mais fácil de se confundir, pela amizade, e depois estimular a sexualidade, mas vão sempre por outro caminho, muitas vezes por outro sexo."
"Vemos também que essa maneira de atuar é muito ideológica", opinou. Segundo ela, ao promover a "ideologia de gênero", seria "mais fácil depois impor outra ideologia porque o conflito interior leva a pessoa a ser manipulada".
"É algo pensado como ideologia em sua totalidade", disse a secretária.
Eduardo Bolsonaro envolvido
A secretária também explicou como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) atuará: "Ele está na Comissão de Educação e vai trabalhar muito fortemente contra a 'ideologia de gênero'".
Também tiramos o vocabulário: em todos os documentos, quando se usa 'gênero' significa 'sexo'. Há dois sexos. Estamos trabalhando nisso também para que não se mude a realidade através da linguagem", afirmou a brasileira aos demais participantes."
Ângela Gandra, secretária nacional da Família no Ministério da Mulher
Ela disse, ainda, que seu objetivo é envolver "a sociedade civil, os pais, as famílias, que estão opinando muito mais e mostram o que não querem". A estratégia também inclui alianças no exterior, convocando outros países a se unirem ao movimento "Stand for the Family" (em uma tradução livre, "Ao lado da família").
Estamos indo bem. Vamos conseguir que se combata a ideologia no Brasil e que possa dar exemplo ao mundo."
Ângela Gandra, secretária nacional da Família no Ministério da Mulher
Ela ainda destacou que, no governo, "temos uma diretora das comunidades LGBT". E ponderou: "mas para defender, proteger a pessoa humana. Proteger, não promover artificialmente uma realidade que é um ataque ao ser humano. Ajudamos para que não se dê violência contra essas pessoas, mas não promovemos como uma realidade natural".
O "Programa Famílias Fortes" foi lançado em abril de 2020 com o objetivo de "disponibilizar subsídios para que as famílias possam fortalecer as relações entre os seus membros no contexto de calamidade. O programa é uma ferramenta de fortalecimento de vínculos como caminho para a prevenção de comportamentos que possam gerar prejuízo social, físico ou emocional às famílias".
Divulgado em março de 2021, o "Programa Famílias na Escola" trabalha auxiliando "pais ou responsáveis em seus desafios cotidianos, em uma perspectiva positiva, para que adquiram conhecimento e desenvolvam as habilidades necessárias para cumprir suas responsabilidades em relação à educação integral de seus filhos", segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Os organizadores do evento saudaram a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e o compromisso firmado pelo Brasil no "Consenso de Genebra", a cruzada internacional antiaborto composta por países autoritários e de extrema direita e capitaneado pelos Estados Unidos de Donald Trump.
Joe Biden, atual presidente americano, se retirou da declaração.
O que diz o ministério
Ao UOL, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos confirmou que Ângela Gandra fez uma "brevíssima participação no evento".
Afirmou que o programa "Famílias Fortes" foi "trazido para o Brasil pela UNODC [escritório da ONU para drogas e crimes] e era conduzido pelo Ministério da Saúde antes de 2019". A formação dos facilitadores que promovem as oficinas era presencial — nos municípios dos interessados —, mas, por causa da pandemia, passou a ser por meio de um curso à distância contratado junto à Universidade Federal de Santa Catarina. "O curso foi entregue em fevereiro de 2021 e já teve mais de mil alunos inscritos em menos de dois meses. O custo foi de R$ 300.000."
De acordo com o ministério, o programa deve "beneficiar 10.971 famílias em 47 municípios de 14 estados".
Sobre o programa "Família na Escola", o MDH diz que "está em fase de desenvolvimento, em parceria com o MEC. O custo total estimado como investimento inicial é de R$ 754.905, para a elaboração dos materiais necessários para o desenvolvimento do curso EaD, a contratação de consultores para a elaboração dos conteúdos e para a avaliação do Projeto".
Acerca da atuação internacional, o ministério diz que "temos em andamento a Partnership for Families, que neste ano focará principalmente no equilíbrio trabalho-família e nas questões e experiências que têm sido levantadas pela pandemia. Estamos ainda trabalhando o tema na OCDE e OIT, junto às empresas, com foco em políticas familiarmente responsáveis, já que uma grande questão também é a manutenção de empregos na pandemia".
O ministério disse ainda que a pasta que cuida da população LGBTI atua para "proteção contra a violência que infelizmente existe em nosso país".
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