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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Em debate sobre indígenas, Brasil chama mecanismo da ONU de "autoritário"

Colunista do UOL

15/07/2021 13h23

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O governo brasileiro criticou as práticas de um dos órgãos da ONU, dedicados à questão indígena. Numa reunião virtual do Mecanismo de Expertos sobre os Direitos dos Povos Indígenas, o governo de Jair Bolsonaro fez seu discurso, alegando que os direitos de povos tradicionais eram assegurados pelas autoridades. Mas, quando foi denunciado instantes depois por grupos indígenas, o governo não ganhou o direito de réplica e passou a questionar as regras do órgão oficial.

Mesmo assim, o Itamaraty usou o espaço de mensagens do Zoom para escrever respostas e atacar a forma de atuação do mecanismo da ONU, um comportamento raro e que, para grupos que acompanhavam a reunião, foi interpretado como um certo desespero por parte do governo.

Durante o encontro, representantes do Itamaraty indicaram que "os direitos e a cultura dos povos indígenas são plenamente respeitado". "As terras indígenas são protegidas pelo estado, mas os povos indígenas têm o poder de decidir sobre a sua utilização e sustentabilidade, de acordo com a sua costumes próprios e conhecimentos tradicionais", disse.

De acordo ainda com o Itamaraty, em fevereiro, "foi emitida uma nova norma concedendo os povos indígenas a autonomia para definir os seus próprios procedimentos relativos ao licenciamento ambiental de projetos econômicos dentro das suas terras quando o empresário é uma organização indígena, dentro dos limites da lei nacional", explicou.

O governo ainda explicou como, em 2020, o povo Waimiri Atroari desenvolveu os seus protocolo próprio para permanecer isolado durante a pandemia e como os povos indígenas podem optar por desenvolver os seus rendimentos gerando actividades nas suas terras.

Um versão dos fatos bem diferente foi apresentada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB - e Conselho Indigenista Missionário - CIMI -, que usaram a reunião para questionar as práticas do estado brasileiro, alertando para o impacto do Projeto de Lei 490, que muda as regras sobre a demarcação de terras indígenas e dificulta o processo..

Segundo os grupos, tal lei "deixará uma marca incalculável de exclusão e marginalização de povos que ainda não tiveram os seus territórios demarcados ou que foram expulsos dos seus territórios tradicionais".

"Mais de 30 outros projetos de lei pendentes no Congresso no Brasil violam o direito à autodeterminação", disseram.

"O Presidente Bolsonaro tem uma agenda claramente anti-indígena, o que levou a relatora da ONU para a Prevenção do Genocídio a incluir o Brasil no Mapa das Atrocidades do Mundo, de acordo com o seu último relatório", apontaram.

No mês passado, conforme o UOL revelou, a relatoria da ONU sobre a prevenção ao genocídio incluiu pela primeira vez uma citação ao Brasil.

"Rejeitamos veementemente a intervenção do representante brasileiro quando este menciona que a IN 01 do IBAMA e FUNAI é uma manifestação da autonomia dos povos indígenas do Brasil", disse.

""Este regulamento não torna o licenciamento ambiental no Brasil mais flexível, mas antes enfraquece-o", questionam as entidades. "É uma tentativa de contornar garantias constitucionais, tais como a utilização exclusiva de territórios pelos seus povos e, consequentemente, a sua autodeterminação e autonomia. O regulamento cria um procedimento de licenciamento ambiental que nega o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas do Brasil", completam.

Autoritário

Diante das críticas, o governo brasileiro voltou a entrar na transmissão e pediu, por meio das mensagens do sistema virtual, que a palavra voltasse a ser dada ao país. Mas, segundo os organizadores, não há essa prática e as queixas são ouvidas pelos expertos.

"A delegação brasileira foi citada diretamente. Gostaríamos de responder", escreveu o Itamaraty no chat. O mecanismo, porém, barrou, alegando que não havia direito a resposta e que todos os participantes eram apenas "observadores", inclusive governos.

O Itamaraty, porém, rebateu a explicação, alegando que o mecanismo fazia parte do Conselho de Direitos Humanos, que por sua vez é um órgão da Assembleia Geral da ONU. "Essa prática não estimula estados membros a participar das sessões do mecanismo e é também autoritária", escreveu a delegação brasileira.

No chat e sem ter sido atendido, o governo despejou explicações sobre o projeto de lei 490, indicando que ele já havia sido alvo de amplos debates em diferentes comitês do Congresso.