Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Extrema-direita caminha para seu maior momento em 75 anos na França
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Há 20 anos, fui à residência de Jean Marie Le Pen, em Paris. Eu ocupava o cargo de presidente da Associação de Jornalistas Estrangeiros na Suíça e, com um grupo de colunistas e correspondentes de várias partes do mundo, fizemos uma viagem para conversar com os principais líderes políticos franceses.
O ícone da extrema-direita xenófoba francesa queria aproveitar a visita dos estrangeiros para tentar nos convencer que ele não era o diabo que a imprensa local descrevia. Falou de política externa, de história e de seus planos. Montou uma mesa repleta de bebidas e um garçom, em uma operação de sedução.
Mas, conforme a conversa atravessava a tarde, ele não conseguiu disfarçar sua identidade. Reconheceu crimes na Argélia e, ao ser questionado se era racista ou xenófobo, ele sussurrou uma verdadeira confissão. "Como vou ser racista? Minha empregada é polonesa".
Duas décadas depois, sua filha, Marine Le Pen, está prestes a causar um terremoto no cenário europeu, enquanto a extrema-direita caminha para viver seu maior auge político em 75 anos.
Nas eleições presidenciais deste domingo (10), as pesquisas de opinião revelam que ela está poucos pontos abaixo do presidente Emmanuel Macron e corre o risco de ver o melhor resultado da extrema-direita na França numa eleição.
Mas como chegou até aqui?
Atentados terroristas, crise econômica, perda do poder aquisitivo, distanciamento do protagonismo internacional e uma disparidade de renda criou um caldo propício para partidos que se lançam em buscar votos explorando e mesmo promovendo uma suposta "crise de identidade".
A batalha pela alma dos franceses foi acompanhada por outro fenômeno: um esforço deliberado para "normalizar" o movimento de extrema-direita.
O processo foi longo e incluiu até mesmo defenestrar o pai de Marine Le Pen por repetir piadas sobre o Holocausto. Até mesmo o nome do partido mudou no caminho, o Rassemblement National. A ideia é clara: união, e não divisão. Mas a união apenas daqueles que têm o direito de se chamar franceses.
A estratégia em 2022 foi ironicamente oposta a tudo o que seu movimento sempre pregou nos últimos 40 anos. Com mensagens mais moderadas, o partido insiste que "extrema-direita" não é o termo que o define. Para Marine Le Pen, ela representa os "nacionalistas".
O embate, segundo eles, não seria mais entre esquerda e direita, mas entre "globalistas e localistas". A busca pela "normalização" da extrema-direita veio ainda acompanhada por um recado de que a esquerda não existe mais, pelo menos não em sua forma institucional.
Temas tradicionais de seu discurso extremista continuam presentes, como a violência dos imigrantes e a ameaça aos valores nacionais. Mas sua opção neste ano foi focar a campanha na renda do cidadão e na economia.
Marine Le Pen ainda se beneficiou da presença de um segundo candidato da extrema-direita, Eric Zemmour, líder de um movimento que ele batizou de "Reconquista". O nome é uma referência ao momento em que cristãos expulsaram os muçulmanos do sul da Europa.
Juntos, Marine Le Pen e Zemmour somam mais de 30% das intenções de voto. Com uma diferença: se Zemmour continua reivindicando uma França branca e cristã, Le Pen fala no direito das mulheres e empregos.
Seu caráter supostamente moderado se limita ao discurso. Basta abrir o programa de governo de ambos para descobrir que são assustadoramente parecidos. Os dois defendem o fim da imigração, insistem que o islã não é compatível com a França e buscam maior soberania contra as decisões da UE.
Há poucos anos, numa passagem pela França, o ex-estrategista de Donald Trump, Steve Bannon, sugeriu ao grupo de Marine Le Pen: "se chamarem vocês de xenófobos, usem a acusação como uma medalha de honra".
Pesquisas de segundo turno ainda mostram uma vantagem de Macron sobre Marine Le Pen. Mas nada parecido ao que ocorreu no início do século 21 quando Jacques Chirac confrontou Jean Marie Le Pen num segundo turno e venceu com mais de 70% dos votos.
Desta vez, as projeções indicam que Macron ficaria com apenas 53%. E a extrema-direita consolidada como a nova realidade política do país que exportou a ideia da revolução ao mundo.
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