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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Sociedade civil faz ofensiva no exterior para blindar democracia brasileira

01.04.2019 - Bolsonaro publica foto com arma e critica desarmamento durante visita a Israel - Reprodução/Instagram
01.04.2019 - Bolsonaro publica foto com arma e critica desarmamento durante visita a Israel Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

26/08/2022 04h00

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Entidades da sociedade civil, acadêmicos, indígenas, movimentos negros, juristas e ativistas se unem para denunciar as violações de direitos humanos sob o governo de Jair Bolsonaro, alertar ao mundo sobre riscos para a democracia e tentar blindar no exterior o processo eleitoral no país.

A esperança é de que qualquer possibilidade de uma ruptura democrática no país nas próximas semanas seja respondida com uma condenação internacional, ampliando a pressão sobre Bolsonaro, militares e mesmo empresários que possam ter simpatias aos movimentos mais autoritários.

A partir da próxima semana, dezenas de eventos, reuniões, seminários e denúncias serão realizados na Europa e EUA, com o objetivo de alertar ao mundo sobre a situação brasileira.

Na ONU, a agenda de denúncias também será intensa. A partir de segunda-feira, cerca de 15 representantes de diferentes grupos da sociedade civil terão reuniões com a entidade internacional para alertar sobre a situação dos ataques contra minorias e outros temas de direitos humanos.

O evento já estava na agenda da entidade internacional. Mas, diante dos ataques contra a democracia, ganha uma nova dimensão. Farão parte da delegação todas as grandes entidades do setor, incluindo Artigo 19, Campanha Nacional pelos Direitos à Educação, Conselho Indigenista Missionário, Instituto Igarapé, Instituto Marielle Franco, Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos, Justiça Global e outros.

Para Antonio Neto, pesquisador da Justiça Global, o Brasil viveu nos últimos anos "um dos maiores ataques contra a democracia no período pós ditadura". "Somos um dos países mais perigosos para atuação de defensoras e defensores de direitos humanos. A violência contra povos indígenas aumenta com a atuação de madeireiros e garimpo ilegal que avançam sobre seus territórios. A violência institucional ligadas a segurança publica vem atingindo diretamente a nossa população negra e jovem a cada dia. A violência política contra mulheres negras e parlamentares tem sido uma constante no ambiente físico e virtual", disse.

"É nesse cenário de aprofundamento do racismo, do machismo e da LGBTfobia que nossa democracia é colocada em xeque por um presidente que incentiva a violência contra pessoas, movimentos sociais e organizações da sociedade civil, por um governo que ataca e reduz constantemente os espaços de participação da sociedade civil e que vem sendo denunciado reiteradamente em âmbitos internacionais por esses ataques", disse.

Segundo ele, a delegação defenderá "a democracia, os direitos humanos e os direitos dos povos que sofrem com essas violências".

Quem também alerta para o risco de ruptura democrática é Enéias da Rosa, da Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil. "Diante de todas as ameaças golpistas que vem sendo narradas pelo atual presidente e candidato à reeleição, quer impactam sobre a sociedade e sobre às instituições democráticas, o processo eleitoral no Brasil marca um momento muito importante para o jogo democrático e para os rumos do país", disse.

"Neste sentido, garantir eleições livres e com respeito aos resultados das urnas é fundamental", afirmou.

"Por outro lado, a agenda da democracia no país, após o processo de redemocratização, fez uma trajetória importante, mas ainda com muitos desafios a serem contornados", admitiu.

"O país ainda tem muito a fazer para o enfrentamento de mazelas históricas que beneficiam parcelas privilegiadas e não a sociedade como um todo, em especial grupos que historicamente sofrem violações ou que não tem acesso a direitos básicos como é o caso dos povos indígenas, de povos e comunidades tradicionais, da população negra em geral, mas em especial das mulheres negras, das juventudes das periferias, da comunidade LGBTQIA+ entre outros", disse.

Fernanda Lapa, representante do IDDH, explicou que a mobilização tem como objetivo "apresentar e denunciar à comunidade internacional as fissuras que foram causadas em nossa democracia nos últimos anos".

"Mesmo diante de tantos ataques e retrocessos em direitos humanos no Brasil, nós não desistimos e continuamos o trabalho de monitoramento das principais violações às comunidades, grupos e povos mais afetados", afirmou.

"Vamos apresentar diversos relatórios elaborados democraticamente com participação de entidades de todas as regiões do brasil, comprovando a situação com dados científicos e sérios e não com noticias ou discursos falsos que dividem de forma prejudicial nossa sociedade", completou.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo também faz parte da delegação e irá levar às reuniões da ONU denúncias dos ataques realizados pelos aliados de Bolsonaro contra a imprensa. Segundo a entidade, houve um aumento de 350% nos ataques contra profissionais da imprensa entre 2019 e 2021. Apenas no ano passado, foram 453 incidentes registrados.

No dia 1 de setembro, o Tribunal Permanente dos Povos ainda irá anunciar sua decisão sobre a queixa que foi apresentada ao órgão contra Bolsonaro. A expectativa é de que haja uma condenação simbólica de seu governo, por conta das violações aos direitos humanos, principalmente no que se refere às respostas à pandemia.

Entre os dias 12 e 14 de setembro, a entidade Conectas Direitos Humanos ainda realizará um evento na sede da ONU em Genebra para alertar à comunidade internacional sobre as ameaças ao sistema eleitoral e o funcionamento das urnas. A ofensiva tenta aproveitar a concentração de entidades e governos, que farão parte do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Enquanto isso, nas principais universidades da Europa e EUA, uma campanha será lançada para transformar setembro no "mês de defesa da democracia brasileira". Nesses centros de excelência, eventos vão debater a crise política no Brasil e mandar uma mensagem clara de apoio à democracia.

Alguns dos maiores centros acadêmicos do mundo como a Universidade de Harvard, Brown e Princeton estão se mobilizando para promover debates e seminários sobre a situação brasileira e as ameaças à democracia.

O organizador da iniciativa, o acadêmico James Green, indicou ainda que cerca de 50 eventos vão acontecer pelo mundo em setembro para tentar criar uma consciência internacional dos riscos que o Brasil enfrenta neste momento. Green é hoje o coordenador da US Network for Democracy in Brazil e presidente do Conselho de Diretores do Washington Brazil Office.

Além dos EUA, conferências estão sendo organizadas na França, Espanha, Alemanha, Portugal e em países da América Latina.

Uma carta ainda será entregue nos próximos dias ao mandatário da Casa Branca, assinada por políticos, acadêmicos e personalidades de todo o mundo. O manifesto tem como objetivo frear qualquer possibilidade de que uma eventual ruptura democrática no Brasil por parte de Jair Bolsonaro tenha respaldo internacional ou de governos como o dos EUA.