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Jamil Chade

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Carta ao Papai Noel: Temos diante de nós um país a reconstruir

Veridiana Muchon/@muchonfotografia/divulgação
Imagem: Veridiana Muchon/@muchonfotografia/divulgação

Colunista do UOL

25/12/2022 04h00

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Querido Papai Noel,

Em setembro de 1897, a garotinha Virginia O'Hanlon escreveu ao jornal de sua cidade, o New York Sun, perguntando se o senhor existia. Sua carta foi motivada pela pressão que ela recebia de seus coleguinhas na escola que, influenciados por um realismo prematuro, insistiam que o senhor era uma invenção. Sem saber o que fazer, ela perguntou ao seu pai, que lhe deu uma resposta curiosa: se Papai Noel está no New York Sun, então ele existe.

A menina não perdeu tempo. Numa carta ao jornal, relatou seu drama pessoal e fez um pedido. "Por favor, me fale a verdade. Existe Papai Noel?".

Dias depois, ela receberia a resposta do jornal. "Sim, Virginia, Papai Noel existe", afirmou a carta, lembrando que ele era tão real quanto a existência do amor e da generosidade. E, repleto de afeto, o jornal completou a carta apontando que seria triste um mundo onde não existisse Papai Noel e nem meninas como ela.

Papai Noel,

Confiando na versão da imprensa sobre sua existência, decidi que neste ano eu também iria enviar uma carta ao senhor com um pedido de Natal. Sei que há muito tempo o senhor não recebe nada de mim. Estive ocupado com desafios que eu sequer imaginei que existissem. Mas eu era aquele garoto gordinho que vivia pedindo uma bola do São Paulo e uma camisa assinada pelo Careca.

Enfim, achei que esse era um momento oportuno para voltar a falar contigo. Nunca esqueci a linda história que um dia me contaram sobre a origem medieval de teu nome: Noel, ou "novo sol".

Bom, o senhor deve ter acompanhado, mas o ano foi dramático em meu país. E, para completar, tivemos os pênaltis contra a Croácia. É verdade que conquistamos vitórias importantes, como a derrota nas urnas de um presidente que simbolizava a destruição e o desumano.

Mas esse é só o marco zero de uma tarefa que vai definir nossa geração. Temos diante de nós um país a reconstruir e uma democracia a erguer. E, neste momento, muitos de nós saímos de 2022 exaustos, com a consciência da existência de uma sociedade profundamente dividida e com o ódio instalado.

Num mundo onde a distância é calculada em afeto, retornaremos neste Natal às nossas casas como primo, filho, neto e irmão. Deixamos na porta de entrada nossa função pública, nossa profissão. Voltamos a nós mesmos. Mas será que conseguiremos costurar nossos sentimentos de novo com aqueles que fizeram parte da construção de nossas identidades mais íntimas?

Como o senhor vê, precisamos de sua generosidade. Por isso, escrevo essa carta para pedir três presentes neste Natal.

O primeiro deles é amor. Pode trazer da forma que o senhor desejar. Num novo casal apaixonado, no nascimento de um novo filho, num canteiro de flores bem cuidado. Mas adoraria ver instalado esse amor na forma de política pública. Ou seja, a garantia de que recursos sejam usados para que as pessoas possam viver com dignidade. O amor como direito. O amor como garantia de sobrevivência, por maior que seja a diversidade.

Ajude-nos, portanto, a não perder a capacidade de amar, o chão da transformação.

Meu segundo pedido é para que não nos falte indignação. Durante a pandemia, os que mais choraram não foram aqueles que desistiram. Mas aqueles que se recusavam a aceitar a situação. Aqueles que se indignaram. Hoje, essa indignação é nossa arma contra a injustiça, contra o racismo, contra a violência. Recusar a ideia de que a noite nos ganhou. A noção de que o sofrimento de um desconhecido não tem relação comigo.

Em Roma, a escritora Juliana Monteiro passou o ano transformando cenas do cotidiano em insurreição, em sinfonias e em indignação. Ela diz que o ódio pode circular por conta de uma complacência por parte da sociedade. Por conta do silêncio de muitos de nós.

Ajude-nos, portanto, a não perder essa indignação, o combustível da transformação.

O terceiro pedido não é menos importante. Peço que o senhor traga esperança. A mesma de que Virginia, a garota de Nova York, se recusou a abrir mão. A esperança que sufoca o cinismo, que renova nossa teimosia pelo sonho, a que faz a audácia não custar tão caro, a que desafia a lógica e a que torna possível as utopias.

Ajude-nos, portanto, a não perder a esperança, a bússola da transformação.

Querido Papai Noel,

Martin Luther King dizia que só quando está escuro o suficiente é que podemos ver as estrelas. Acho que, em 2022, vivemos uma escuridão que nos permitiu voltar enxergar o que norteia a existência humana.

Agora, com amor, indignação e esperança, tenho certeza de que poderemos abrir um novo ciclo de sol.

Feliz Natal, querido Papai Noel

Jamil

PS: Eu, pessoalmente, tinha mais um pedido a fazer: o de ver o São Paulo campeão do mundo de novo. Mas entendo que até Papai Noel tem limites.